O planejamento na Lei de Responsabilidade Fiscal

Simone de Sá Portella, Procuradora do Município de Campos dos Goytacazes/RJ. Especialista em Direito Público pela UNIFLU/FDC. Mestre em Políticas Públicas e Processo pela UNIFLU/FDC. Pesquisadora da UNIFLU/FDC. Professora de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos.

Fonte: Simone de Sá Portella

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Simone de Sá Portella ( * )

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000 instituiu a concepção a necessidade da accontability na gestão da coisa pública, com o primado da ética na disciplina fiscal para o melhor desempenho das funções constitucionais do Estado na garantia dos direitos fundamentais.

Para a consecução de uma gestão fiscal responsável há necessidade de estabelecimento de metas fiscais para redução de gastos desnecessários, e a conseqüente aplicação dos recursos em atividades essenciais ao desenvolvimento da dignidade da pessoa humana. É preciso tentar diminuir os riscos fiscais com a organização da despesa pública. Nesse sentido, GILMAR FERREIRA MENDES faz a seguinte observação:

"O binômio regramento e desregramento fiscais gera, por conseqüência, a contraposição entre metas e riscos fiscais, numa relação inversamente proporcional. A criação de metas pouco impositivas e mal aplicadas gera maior risco fiscal, que se substancializa na constatação de que os gastos públicos encontram poucos ou quase nenhum limites; por sua vez, a maior rigidez das metas e sua aplicação efetiva leva naturalmente a uma redução dos riscos e, naturalmente, a aplicação mais racional do orçamento.

Não é preciso aqui ressaltar a importância de e reduzirem os riscos fiscais. A despesa pública, criada de modo desorganizado e caótico, faz com que sejam preteridas necessidades prementes e de cunho universal, em favor de outras, pouco urgentes e benéficas para pequenos grupos sociais(1)".

O PLANEJAMENTO DAS DESPESAS PÚBLICAS

O veto colocado pelo poder Executivo ao art. 3º deixa intacto o preceito do art. 35 do ADCT, que regulamenta o art. 165, § 9º, I e II, de modo que o prazo para o encaminhamento do projeto do plano plurianual, que terá vigência até o final do primeiro exercício financeiro subseqüente, continua a ser até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa.

O plano plurianual não pode ser um mero documento formal. Nele devem estar inseridos os anseios da comunidade. Para tanto, é necessário que o governo reverta os déficits operacionais, gerando superávits primários, havendo uma estabilidade na relação entre as receitas e as despesas, não podendo, o Estado, gerar mais despesas que arrecada.

A inclusão da política fiscal no plano plurianual permite a visualização pela sociedade da geração de superávits, visando à diminuição das desigualdades sociais.

Cabem as seguintes considerações acerca de Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentaria Anual:

"Plano Plurianual - PPA. A lei que institui o Plano plurianual estabelece as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras dela decorrentes, assim como as relativas aos programas de duração continuada, de acordo com o que prevê o § 1 do art. 165 da Constituição Federal(...).

Lei de Diretrizes Orçamentarias - LDO. A lei de Diretrizes Orçamentárias compreende as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício subseqüente; orienta a elaboração da lei orçamentária anual, dispõe sobre as alterações na legislação tributária e estabelece a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento, conforme prescreve o § 2 do art. 165 da Constituição Federal. A LDO tem como finalidade principal compatibilizar a programação orçamentária anual com o planejamento de longo prazo definido pelo PPA. É, portanto, instrumento que orienta a elaboração da proposta orçamentária anual e sua apreciação pelo Congresso Nacional(...).

Lei Orçamentária Anual - LOA. A Constituição Federal estabelece, em seu art 165, § 5, que a LOA compreende o orçamento fiscal, o orçamento da seguridade social e o orçamento das empresas em que a União detém a maioria do capital social. A elaboração dessa lei deve orientar-se pelas disposições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias aprovada para o exercício e conformar-se com os objetivos e metas constantes do plano plurianual vigente no período"(2).

O plano Plurianual deve consistir em um instrumento necessário de que resultem todas as ações governamentais. Não obstante, tem sido elaborado pelos governantes tão somente para atender aspectos legais, sem compromisso com a definição de objetivos e metas claras. A LRF procurou corrigir estes abusos.

Conforme preceitua Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a violação do conteúdo do plano plurianual, consistente no início de algum investimento que ultrapasse o exercício financeiro sem inclusão no mesmo, tipifica crime de responsabilidade (art 167, § 1º, da CF)(3).

A LDO é disciplinada na Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu art. 4º. Ressalta-se a necessidade de um equilíbrio entre receitas e despesas, de modo que a programação das despesas tenha um suporte financeiro, decorrente do fluxo de receitas previsto. Assim, necessita-se de limitação de gastos por critérios de limitação de empenho; contenção das despesas para com os Poderes; a destinação específica para os recursos provenientes de operações de crédito; a avaliação de resultados; e a fixação de critérios para a transferência de recursos.

A principal função da LDO consiste em ditar as metas, diretrizes a serem seguidas quando da elaboração do orçamento, e para as mudanças na legislação tributária e para a política de aplicação das agências oficiais de fomento (art 165, § 2º, da CF).

Além disso, a LDO tem como objetivo estabelecer critérios de limites de despesas do pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, regulamentando o art 169, da CF, que assim determina:

"Art 169. A despesa com pessoal ativo e iantivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 1º. A concessão de qualquer vantagem ou remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, só poderão ser feitas:

I- se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;

II- se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista".

Conforme lecionam os autores Flávio da Cruz, Adauto Viccari Junior, José Osvaldo Glock, Nélio Herzmann e Rosângela Tremel deve ser parte integrante da Lei de diretrizes Orçamentárias, a avaliação da evolução do patrimônio líquido das entidades estatais, contendo a informação da origem e da aplicação dos recursos obtidos pela alienação de ativos. A auditoria na Administração Pública deve observar os princípios contidos no art 37, caput, da CF, em especial os princípios da legalidade e economicidade(4).

Os anexos da Lei 4.320/64 exigiam apenas demonstrações contábeis. A LRF contém normas destinadas ao controle de custos e à avaliação de resultados dos programas financiados com recursos do orçamento, modificando a gestão pública.

A LRF estabelece um limite máximo para as despesas com juros, incluindo as despesas com encargos e amortizações da dívida interna e externa. Veda, quando ultrapassado o limite, novas operações de crédito para financiamento de programas novos ou já existentes, com exceção das operações já realizadas para pagamento de juros, refinanciamento da dívida ou antecipação de receitas.

A necessidade de limite é de caráter operacional, pois se os recursos são escassos não pode haver aumento de despesa, sem o correspondente fluxo de receita para não gerar novos déficits orçamentários.

As metas fiscais referentes às receitas devem observar os arts. 29 e 30 da Lei 4.320/64, devendo haver proporcionalidade entre as despesas e receitas.

Deve ser demonstrada a metodologia de cálculo que justifique o resultado que se pretende alcançar, em consonância com os objetivos da Política Econômica Nacional. Caso as metas tenham sido contempladas em exercícios anteriores há necessidade de elaboração de uma comparação com os três últimos exercícios.

Decorre de imperativo constitucional, a inclusão de fundos no Plano Plurianual e na Lei orçamentária anual, devendo a programação de receitas e despesas dos mesmos atender aos requisitos exigidos para os órgãos da Administração Direta e Indireta.

Deve haver uma demonstração da estimativa dos valores referentes à renúncia de receitas para se efetuar a compensação em consonância com as despesas de caráter continuado.

No § 3º, a LDO determina a existência do Anexo de Riscos Fiscais, em que serão avaliados os riscos que possam afetar as contas públicas, incluindo os passivos contingentes.

A elaboração do projeto de lei orçamentária anual deve ser compatível com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias, através de um planejamento, estabelecendo um cronograma com a definição de todas as ações relativas ao orçamento. Dá-se ênfase à relação entre a ação desenvolvida e o produto aferido.

Há compatibilidade de metas quando ocorre um detalhamento delas no plano plurianual.

A reserva de contingência, prevista com base na receita líquida, antes prevista para situações de calamidade pública ou outras despesas eventuais, com a LRF passa a ser destinada ao pagamento de passivos contingentes e outros riscos fiscais imprevistos.

O anexo deve conter a indicação da fonte da receita que dará suporte à efetuação da despesa, com a inclusão do cronograma do fluxo de arrecadação.

Há um índice estabelecido na LDO para a atualização monetária da dívida mobiliária financiada novamente. A LRF estabelece a vedação de outro índice, responsabilizando o agente público que desrespeitar a norma.

A Lei Complementar 101/2000 proíbe que o gestor público estabeleça dotações para investimentos com duração superior a um exercício financeiro, sem que exista programação correspondente no plano plurianual.

As despesas do Banco Central do Brasil relativas ao pessoal passam a ser consideradas despesas da União, sendo incluídas na lei orçamentária anual.

O cronograma de execução mensal de desembolso, e a programação financeira devem ser fixados pelo Poder Executivo no prazo de trinta dias contados da publicação do orçamento.

Com exceção das despesas com pessoal e encargos sociais, os cronogramas anuais de desembolso dos poderes Legislativo, Judiciário e do Ministério Público passaram a ter como referencial o repasse estatuído no art. 268 da CF, na forma de duodécimos.

Outro ponto importante estabelecido na LRF consiste na verificação bimestral dos resultados. De modo que se ao final de cada bimestre se verificar que a receita não comportará o cumprimento das metas de resultado primário e secundário estabelecidos no anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão nos trinta dias subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, conforme critérios estabelecidos na LDO, com exceção das despesas que constituem obrigações legais do Ente, inclusive as destinadas ao pagamento da dívida, e as ressalvadas pela LDO.

Nos fins de maio, setembro e fevereiro, o Poder Executivo demonstrará e avaliará o cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre em audiência pública, a ser realizada na comissão mista Permanente de senadores e deputados federais do Congresso Nacional, no caso da União. O mesmo se observará nos Estados e Municípios por meio das Assembléias Legislativas e Câmaras municipais, respectivamente. Neste aspecto, vislumbra-se o princípio da transparência fiscal.

Em relação ao art. 9º da LRF, Carlos Pinto Coelho Motta e Jorge Ulisses Jacoby Fernandes afirmam que este dispositivo determina que os Poderes e o Ministério Público limitem os empenhos e a movimentação financeira, quando se verificar que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais. Assim, se a receita for insuficiente, a limitação deverá ser feita nos 30 dias subseqüentes e seguir os critérios fixados pela LDO. Constata-se que, a LDO da União visa estabelecer as diretrizes para a limitação de empenho, das dotações orçamentárias e das movimentações financeiras no âmbito federal, determinando fixação separada para conjunto de atividades especiais. O cálculo é proporcional à participação dos Poderes e Ministério Público, com a exclusão de despesas de obrigação constitucional ou legal, em fase de execução. O Poder Executivo elaborará, um relatório para o Congresso Nacional, com o intuito de fixar a necessidade das limitações de empenho (art. 70 da Lei 9.995/00)(5).

Os referidos autores sustentam a relevância do art. 9º, por introduzir um fator que contribui para a efetividade do planejamento, consistente na sanção. Nesse sentido: "é o fator sanção, que no contexto da legislação precedente apresentava-se falho e deficiente, sobretudo no aspecto estrutural"(6).

O art 10 determina que "A execução orçamentária e financeira identificará os beneficiários de pagamento de sentenças judiciais, por meio de sistema de contabilidade e administração financeira, para fins de observância da ordem cronológica no art 100 da Constituição".

Este artigo introduz diretriz na identificação orçamentária e financeira dos beneficiários de sentenças judiciais, com observância do art 100, da Constituição Federal, visando dar efetividade ao sistema cronológico de pagamento de precatórios(7).

Carlos Pinto Coelho Motta observa que tem sido comum a inclusão de diretrizes referentes a débitos judiciais nas Leis de Diretrizes Orçamentárias da União, estando a matéria regulada nas Leis 10.934/04 e nas Resoluções do Senado Federal 40/2001 e 43/2001(8). Em qualquer caso, no entanto, deve-se observar o caput, do art 100, da CF, que veda a inclusão de casos e de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para tal fim.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O planejamento responsável é um instrumento de controle social dos gastos públicos, com metas fiscais que reduzem os riscos, de modo a conduzir uma política pública adequada a redução das desigualdades sociais, com a canalização dos gastos públicos para assegurar os direitos fundamentais.

A lei de Responsabilidade Fiscal reforça o planejamento fiscal previsto na Constituição Federal e na Lei 4320/64, reforçando o equilíbrio de despesas e receitas para melhor condução do gasto público.


Notas:

* Simone de Sá Portella, Procuradora do Município de Campos dos Goytacazes/RJ. Especialista em Direito Público pela UNIFLU/FDC. Mestre em Políticas Públicas e Processo pela UNIFLU/FDC. Pesquisadora da UNIFLU/FDC. Professora de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos. [ Voltar ]

1 - Lei de Responsabilidade Fiscal, Correlação Entre Metas E Riscos Fiscais E o Impacto Dos Déficits Públicos Para As Gerações Futuras. Revista Diálogo Jurídico nº 14, junho/agosto de 2002. Salvador -Bahia. Texto extraído do site www.direitopublico.com.br; acesso em 20/04/2008.Voltar

2 - Motta, Carlos Pinto Coelho e Fernandes, Jorge Ulisses Jacoby. Responsabilidade Fiscal.Belo Horizonte. Editora Del Rey. 2001. P. 262.Voltar

3 - Moreira Neto, Diogo de Figueiredo. Considerações sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal. Rio de Janeiro. 2001. P.104.Voltar

4 - Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada. São Paulo. Editora Atlas. 2001. P.P.33/34.Voltar

5 - Motta, Carlos Pinto Coelho/Fernandes, Jorge Ulisses Jacoby. Op. Cit. P.P. 279 e 280.Voltar

6 - Motta, Carlos Pinto Coelho/Fernandes, Jorge Ulisses Jacoby. Ibidem. P. 280.Voltar

7 - Motta, Cartlos Pinto Coelho. Eficácia nas Licitações e Contratos. Belo Horizonte. Editora Del Rey. 2005. P.785.Voltar

8 - Ob. Cit. P. 785.Voltar

Palavras-chave: Responsabilidade Fiscal

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