O bem jurídico-penal e suas implicações constitucionais

Márcio Zuba de Oliva, Advogado; Especialista em Direito e Processo Penal pela UEL; Aluno não-regular no Programa de Mestrado em Direito Penal e Tutela dos Interesses Supra-Individuais na Universidade Estadual de Maringá/PR.

Fonte: Márcio Zuba de Oliva

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Márcio Zuba de Oliva ( * )

SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO; 2.EVOLUÇÃO CONCEITUAL E FUNÇÕES DO BEM JURÍDICO; 2.1SÍNTESE EVOLUTIVA; 2.2 CONCEITO DE BEM JURÍDICO; 2.3 BEM JURÍDICO E OBJETO DA CONDUTA: DELIMITAÇÃO; 2.4 FUNÇÕES DO BEM JURÍDICO; 3.BEM JURÍDICO-PENAL E CONSTITUIÇÃO; 4.BEM JURÍDICO E ESTADO DEMOCRÁTICO E SOCIAL DE DIREITO; 5.ASPECTOS PECULIARES DO BEM JURÍDICO-PENAL; 6.REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. INTRODUÇÃO:

Bem, em sentido genérico, é tudo aquilo que tem valor para o ser humano. A idéia central de bem se coliga a de utilidade, sendo certo que bem stricto sensu é diferente de bem jurídico (objeto de tutela penal).

Um dos principais problemas do Direito Penal é o traçar regras para a eleição dos bens e valores fundamentais da sociedade e torná-los crimes com sanção proporcional ao gravame da lesão.

Luiz Régis Prado diz que: "a função político-criminal do bem jurídico constitui um dos critérios principais de individualização e de delimitação da matéria destinada a ser objeto de tutela penal" (1).

As funções da pena e o valor do bem jurídico se relacionam, tendo em mente, o significado social do último e a necessidade de reparação e prevenção do ilícito. Daí a importância de apenas os bens jurídicos fundamentais ao corpo social serem objeto de criminalização.

O bem jurídico é o reflexo dos valores da estrutura fundante de uma dada sociedade em um momento histórico, possuindo um juízo axiológico de significado relevante.

O Direito Penal deve agregar a sua base os valores dos bens jurídicos, onde estes consistem no fundamento legitimador da incriminação e do sistema penal como um todo perante a sociedade.

2. EVOLUÇÃO CONCEITUAL E FUNÇÕES DO BEM JURÍDICO:

2.1 SÍNTESE EVOLUTIVA:

Em eras passadas, o Direito Penal se prestava a tutelar valores conexos a divindade.

Na época da filosofia penal iluminista, o delito encontrava sua razão de ser no contrato social violado e a pena era uma medida preventiva, onde tal decorria da teoria contratualista do direito penal, de vertente de liberal-individualista. Luiz Régis Prado: "O delito é assim, entendido como a conduta que transgride um direito alheio, proibida pela lei penal, a qual tem por finalidade a proteção dos direitos dos indivíduos e do Estado" (2).

O objeto do delito diverge do objeto da ação, não se punindo o fato material, mas sim, o fato jurídico.

Na evolução das teorias do bem jurídico, Binding leciona que bem jurídico é tudo o que na opinião do legislador é relevante para a ordem jurídica. Lizst, por seu turno, expõe que entre Política Criminal e Direito Penal reside o bem jurídico e ele é um interesse vital do indivíduo ou da comunidade. O Neokantismo define-o como um valor abstrato, de conteúdo ético-social, sendo o valor cultural ponderado dentro do ideal da ordem social.

2.2 CONCEITO DE BEM JURÍDICO:

A missão do Direito Penal é a de tutelar bens jurídicos que encampam valores ético-sociais da ação, protegendo a normal convivência dos indivíduos na sociedade, evitando um comportamento danoso, com atuação eminentemente preventiva.

Giuseppe Bettiol aponta, em uma análise ético-valorativa, que bem jurídico: "é a posse ou a vida, isto é, o valor que a norma jurídica tutela, valor que jamais pode ser considerado como algo de material, embora encontrando na matéria o seu ponto de referência".

Claus Roxin assinala que bens jurídicos: "são pressupostos imprescindíveis para a existência em comum, que se caracterizam numa série de situações valiosas, que toda gente conhece que o Estado Social deve proteger penalmente".

Na doutrina nacional temos que bens jurídicos são vistos como valores ético-sociais que o direito penal elege, com o fim de assegurar a paz social, e que coloca sob sua alçada para que não haja o perigo de ataque ou lesões tais interesses.

A noção de bem jurídico deflui das necessidades do homem no decorrer das experiências da vida, onde o legislador capta a axiologia social e transmuta o interesse em objeto tutelado penalmente.

2.3 BEM JURÍDICO E OBJETO DA CONDUTA: DELIMITAÇÃO:

O delito deve lesar ou pôr em perigo de lesão um bem jurídico, com fincas no princípio da ofensividade.

A lesão ao bem jurídico cuida da relação entre a ação típica e o valor protegido pela norma penal, o qual pode encerrar-se ou não no objeto da ação.

O Direito Penal deve tutelar bens jurídicos e não tão somente as razões da tutela, sendo certo que incriminar condutas com estribo na função desse ramo do direito.

2.4 FUNÇÕES DO BEM JURÍDICO:

2.4.1) Função de Garantia ou de Limitar o Direito de Punir do Estado:
O Bem Jurídico tem a função de limitar a dimensão material da norma penal, onde o Estado Democrático e Social de Direito só deve tutelar condutas que gerem grave lesão ou perigo a tais bens. Tal função é eminentemente de cunho político-criminal.

2.4.2) Função Teleológica ou Interpretativa: É a função que condiciona a interpretação dos tipos penais e que condiciona o sentido e alcance da proteção a um dado bem jurídico.

2.4.3) Função Individualizadora: Funciona como critério de ponderação da pena, analisando a gravidade da lesão.

2.4.4) Função Sistemática: A classificação interna dos delitos dentro da parte especial devem levar em especial consideração o legislador orientar sua atividade de proteção de bens jurídicos.

3.BEM JURÍDICO-PENAL E CONSTITUIÇÃO:

O primordial fim do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos essenciais ao indivíduo e a sociedade, guindada pelos princípios da dignidade humana; personalidade e individualização da pena; humanidade; insignificância; culpabilidade; intervenção penal legalizada; intervenção mínima e fragmentariedade.

Ao operacionalizar o caráter seletivo da tutela penal, o legislador valora os interesses para erigi-los em nível de bem jurídico com base nos princípios penais fundamentais.

O princípio da culpabilidade (nullum crimen sine culpa) proclama que só há lugar para o Direito Penal do fato ou da culpa, vedando a responsabilidade penal objetiva, com o delito sendo crime se o fato for doloso ou culposo.

Pelo princípio da reserva legal, temos que a intervenção penal deve estar traçada nos lindes da lei, evitando o arbítrio e abuso estatal no emprego do direito de punir e isso se funda justamente na relevância dos bens jurídicos em jogo e na reprovabilidade da conduta e, isso nos seus quatro corolários, a saber: taxatividade, anterioridade, determinação e irretroatividade.

Adiante, se fala em intervenção mínima quando o direito penal deve tratar de repreender apenas as lesões mais extremas aos bens jurídicos, exatamente quando os demais campos do direito não ofertarem resposta suficiente à conduta lesiva.

Pela fragmentariedade entendemos que o Direito Penal só é utilizado para defender dadas formas graves de ataque, as quais são socialmente intoleráveis. Daí tem que apenas as condutas mais graves dirigidas contra bens fundamentais podem ser criminalizadas.

4.BEM JURÍDICO E ESTADO DEMOCRÁTICO E SOCIAL DE DIREITO:

O Direito Penal no Estado Democrático e Social de Direito deve vir associado à idéia do bem jurídico, devendo a tutela penal ser necessária para reparar a lesão ou seu perigo, sob pena de ilegitimidade e violação da dignidade da pessoa humana.

O Estado tem como marcos fundamentais o império da lei, a divisão de poderes, a fiscalização da Administração e a tutela dos direitos e liberdades fundamentais.

Trata-se de articular o Direito Penal de igualdade jurídica e social com a segurança jurídica e social, além de fixar recíproca implicação a liberalismo político e democracia.

Bem Jurídico implica um juízo positivo de valoração acerca de dado objeto ou situação social, bem como sua relevância para o desenvolvimento do ser humano.

A idéia de Democracia aponta que o Direito Penal traz no seu cerne o conceito de pessoa, possuindo autonomia própria que funciona como limite da atuação do Estado. A Liberdade e a Dignidade são valores essenciais do ser humano e, portanto, do ordenamento constitucional que representa as idéias prevalentes da sociedade.

Os direitos fundamentais - individuais, sociais, coletivos ou difusos - encampados no texto constitucional são o meio propulsor e fonte de uma ordem jurídica justa.

Denota-se, pois, que o bem jurídico exerce a necessária função de espelhar os valores constitucionais supremos, inspirando e limitando, o legislador ordinário quando da formulação abstrata do injusto penal. As vigas mestras para a incriminação se encontram lançadas na norma constitucional.

As Constituições Programáticas ofertam uma margem de liberdade para o legislador infralegal para eleger os bens merecedores do status de serem erigidos ao campo de merecedores de tutela penal à luz da principiologia supramencionada.

O gravame da conduta, bem como a necessidade de atuação do Direito Penal apresenta a linha divisora entre ilícito penal e ilícito extrapenal, onde o primeiro sobressaí apenas quando se depara com relevante necessidade de utilização do aparato criminal.

O Direito Penal tem na eleição do bem jurídico a ser tutelado um forte instrumento de amparo aos direitos fundamentais, dando-lhe uma função relevante na proteção da sociedade e tripudiando seu atuar meramente simbólico e carente de fundamentação, como salienta Alessandro Baratta.

Os valores jurídico constitucionais servem como estrutura fundante da necessária atividade punitiva do estado, servindo como limiar na eleição dos bens jurídicos que servirão a proteção da sociedade e da validade do Direito Penal como sistema de controle social, reduzindo-o ao perímetro da estrita necessidade.

A pena desmedida imposta pelo Direito Penal ante a afetação do bem jurídico padece de senso de justiça e igualdade, contrariando os mais comezinhos princípios penais de garantia.

A função político-criminal do bem jurídico deve atender a três perspectivas basilares:

a.) Eficiência do Sistema Penal

b.) Adequação da Parte Especial à Constituição

c.) Seriedade do Sistema

A criminalização, de outra banda, deve atender:

a.) Caráter Personalíssimo do Interesse

b.) Dimensão e relevância social do Interesse tutelado/ofensa

c.) Necessária concretização do interesse e da ofensa (corolário do garantismo)

Outro aspecto relevante é a danosidade social, onde o legislador deve atender a elaboração de uma seqüência de hipóteses e prognósticos causais para construir o tipo legal, a qual se atrela a repetição e difusão do comportamento desviante dentro dos preceitos preponderantes da sociedade em certo período. Ao fim, temos que a conduta lesiva tem que concretizar, ou seja, se adequar ao bem jurídico-penal lesado.

5.ASPECTOS PECULIARES DO BEM JURÍDICO-PENAL:

A tutela penal é subsidiária, onde nem todo bem jurídico é digno de ser transmutado em bem jurídico-penal.

A política criminal que restrinja a intervenção penal deve submeter a incriminação a valorações jurídico-penais, as quais permitam a seleção de comportamentos alçados como penalmente relevantes.

O interesse social relevante ao indivíduo deve ser içado a categoria de bem passível de tutela jurídico-penal. Assim, o bem jurídico-penal deve com sucesso vencer os critérios de política criminal e atingir um juízo de suficiente importância social.

6.REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4ª Ed. Revan: Rio de Janeiro. 1999.

FELDENS, Luciano. A Constituição Penal: A Dupla Face da Proporcionalidade no controle de normas penais. 1ª Ed. Livraria do Advogado Editora: Porto Alegre. 2005.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípios Penais Constitucionais: O Sistema das Constantes Constitucionais. RT, Fascículos Penais, Ano 89, v. 779. RT: São Paulo. 2000.

NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal, vol. I. 24ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2003.

PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 3ª Ed. RT: São Paulo. 2006.

______. Bem-Jurídico Penal e Constituição. 10ª Ed. RT: São Paulo. 2003.

______. Elementos de Direito Penal, vol.I. 3ª Ed. RT: São Paulo. 2005.

______. Curso de Direito Penal Brasileiro. 6ª Ed. RT: São Paulo. 2006.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: A Nova Parte Geral. 1ª Ed. Forense: Rio de Janeiro. 1985.

TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 2ª Ed. Del Rey: Belo Horizonte. 2002.


Notas:

* Márcio Zuba de Oliva, Advogado; Especialista em Direito e Processo Penal pela UEL; Aluno não-regular no Programa de Mestrado em Direito Penal e Tutela dos Interesses Supra-Individuais na Universidade Estadual de Maringá/PR. [ Voltar ]

1 - PRADO, Luiz Régis. Bem-Jurídico Penal e Constituição. 10ª Ed. RT: São Paulo. 2003. p. 21. [Voltar]

2 - PRADO, Luiz Régis. Op. cit. p. 30. [Voltar]

Palavras-chave: jurídico-penal

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1 Comentários

Taís Estudante16/11/2011 17:48 Responder

Boa tarde Dr. Márcia. Primeiramente meus parabéns pela breve explicação de Bem Jurídico e a Relação que este tem com a nossa Constituição. Eu precisava fazer uma resenha do Livro Bem Jurídico Penal e Constituição, porém, continuo com dificuldade na compreensão de bem jurídico e objeto de ação. Poderia explicar ou exemplificar de uma maneira precisa? Obrigada. Abraços!

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