Nulidade de cláusula em contrato de locação de imóvel urbano

Jaques Bushatsky, titular da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/SP e diretor da MDDI Mesa de Debates de Direito Imobiliário.

Fonte: Jaques Bushatsky

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Jaques Bushatsky ( * )

O artigo 45 da Lei nº 8.245 de 18/10/1.991 dispõe que: "São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto.

A norma encontra correspondência na legislação anterior e corporifica em tema de locação de imóveis urbanos a supremacia da vontade estatal sobre os negócios privados.

I

Cediças as situações em que o Estado interfere nas relações privadas, firmando balizas à autonomia dos contratos. É evidência que não se pode ignorar. Nas palavras enfáticas de Paulo Luiz Neto Lobo: "Ora, como não falar? Como deixar de lado um dado fundamental, no plano da exposição jurídica, da noção de contrato, atualmente? Sem essa estreita correlação, será difícil, se não impossível, a tarefa de se compreender o que Josserand, com rara felicidade, chamou de dirigismo contratual".(1)

Comandos de ordem pública objetivam através de sua supremacia sobre a eventual vontade de contratantes, a coordenação social, política e econômica, cominando nulas as manifestações contrárias. À locação de imóveis, que diretamente diz respeito ao direito de moradia, à disposição patrimonial, ao desenvolvimento econômico, não estranha o "dirigismo contratual".

O Desembargador Ricardo Teixeira Brancato é claro: "A locação de coisas imóveis é, hoje, matéria de ordem pública, embora esteja contemplada pelo Direito Privado. Toda ela é regida pela legislação especial do inquilinato que, neste ponto, derrogou o Código Civil". (2)

É pacífica a doutrina acerca da supremacia da ordem pública sobre a vontade dos contratantes(3), a insofismável nulidade de atos vulneradores das interferências do Estado(4), sua obrigatoriedade(5).

Da síntese da função social da lei, sua razão de ser, com a exata compreensão de seu significado (e para tal há de ser analisada por completo) há de resultar a perfeita aplicação e de alcançar-se sua efetiva meta(6).

II

Corrente robusta de nossa doutrina enxerga como objetivo do legislador, ao conceber a Lei nº 8.245/91, a proteção do inquilino, considerado a parte mais fraca na relação locatícia(7),(8), (9), até porque, na percepção de Fábio Konder Comparato: "é logicamente insustentável ter como iguais perante a lei a sociedade multinacional e a quitanda da esquina; a empresa energética e a fábrica de confeitos; o conglomerado financeiro e o conjunto de diversões circenses". (10)

Ocorreria a proteção do mais fraco contra o mais forte, "... hipótese em que a vontade estatal substitui a vontade dos contratantes, valendo a sentença como se fosse declaração volitiva do interessado", na lição da Profª. Maria Helena Diniz(11).

Distinta a visão de Gilberto Caldas(12) que encontra em artigos como o sob comentário, o intento de "neutralizar expedientes sub-reptícios de pessoas astuciosas que empregam artimanhas e técnicas para burlar ou driblar a lei".

III

O entendimento de que a lei 8.245/91 objetivaria proteger o inquilino (por considera-lo a parte mais fraca) pareceria reforçado se comparado o atual artigo 45 com o seu correspondente no Decreto nº 24.150/34 (artigo 30), que dispunha: "São também nulas de pleno direito as cláusulas que visem ilidir os objetivos da presente lei, e, nomeadamente, as cláusulas proibitivas da renovação do contrato de locação, ou que impliquem em renúncia dos direitos tutelados por esta lei".

Observe-se vedadas no antigo decreto ("lei de luvas"), cláusulas "que impliquem em renúncia dos direitos tutelados por esta lei", denotando a proteção das duas partes, enquanto agora, ao exemplificar, tenha a lei resumido hipóteses de prejuízo do locatário, não do locador.

Diga-se o mesmo quanto à lei nº 6.649/79, cujo artigo 46 dispunha: "São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, e, nomeadamente, aquele que proíbe a sua prorrogação".

IV

Comentando o Art. 30 do Decreto nº 24.150/34, Darcy Bessone(13), preocupou-se com a validade de cláusula que conferisse ao locatário a opção de renovar automaticamente o contrato, excluindo o direito de retomada. Como se vê, tratar-se-ia de cláusula favorável ao locatário. Conclui que caso afrontado, na espécie, direito do locador (proibição da retomada), forçosamente surgiria hipótese de aplicação do dispositivo de ordem pública que reputa nula a cláusula contratual.

De outra sorte, colhe-se na sempre erudita lição de Alcides Tomasetti Jr. (14) a evidência da opção legal, na esteira do desenvolvimento social, pela proteção e incentivo às atividades produtivas em substituição à supremacia do direito de propriedade imobiliária. Assim, "O desenvolvimento econômico deslocou desse modo a ênfase no aspecto estático, de utilização e fruição imediatas, quase físicas, dos bens, para o aspecto dinâmico da atividade de organização dos fatores produtivos para empregá-los em operações de fabrico de produtos e em prestação de serviços a serem ofertados e trocados no mercado. A importância crescente da fase dinâmica, da atividade concreta em face da abstrata e estática posição dominial sobre os bens, encontra a sua exata correlação no papel central exercido hoje no interior do ordenamento pelo conceito jurídico de empresa, predominantemente concebida como o exercício profissional de uma atividade econômica organizada com a finalidade de produzir, fazer circular e trocar bens ou serviços em mercado.

No presente, o circuito econômico (produção, circulação, consumo) é impulsionado e determinado pela empresa, não mais pela propriedade. Sendo o contrato um instrumento indispensável para o desenvolvimento eficiente e lucrativo de toda e qualquer atividade econômica profissionalmente organizada, ele se tornou por excelência o mecanismo funcional e instrumental da empresa.

Estas estruturas econômicas, presentes mesmo num país como o Brasil - que se encontra entravado por uma incipiente economia de mercado, às voltas com a cartelização, a cartorialização e o correlativo atraso tecnológico desmedidamente agravado com a injusta distribuição da riqueza -, este predomínio gradual da empresa provocou na Lei nº 8.245/91 (em especial nas locações a que se referem os arts. 51 a 57) um evidente influxo já espelhado no oportunismo Decreto nº 24.150/34. Trata-se de dar resposta às exigências de segurança para as relações contratuais mais imediatamente inerentes às atividades produtivas e a propiciar-lhes uma disciplina verdadeiramente adequada ao desenvolvimento atingido por elas".

Ou seja, objetivaria a lei ordenar as atividades locatícias diante das exigências sociais e econômicas. Este o objetivo da lei, se bem se compreendeu a lição do Mestre.

V

Seria mesmo a atual lei do inquilinato francamente favorável aos locatários? Não obstante o respeito às doutíssimas posições contrárias, parece razoavelmente eqüidistante a lei, dos dois supostos extremos - locador e locatário.

Diga-se inicialmente que a lei nº 8.245/91 consiste a mais equânime norma locatícia, dentre tantas que já regularam a matéria em nosso país. Corporificou alentado desenvolvimento jurisprudencial e acuradas conclusões doutrinárias, resultando no diploma que melhor tem funcionado ou, mais exatamente, que melhor tem permitido a operação das locações.

As normas inquilinárias antigas possuíam de fato um pendor pela "proteção" dos locatários. Visão míope que limitava reajustes a índices inferiores ao da galopante inflação, por exemplo, acarretando o óbvio desinteresse de proprietários e investidores na celebração de contratos. A conseqüência é conhecida: imóveis vazios e aluguéis - dada a escassez da oferta - elevadíssimos.

A lei nº 8.245/91 não contém, felizmente, qualquer previsão absurdamente favorável a qualquer dos contratantes e não alberga - exemplificativamente - a violência legalizada no Decreto-Lei 911/69 que, baixado pelos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica, usando atribuições conferidas pelos Atos Institucionais nºs 5 (13-12-68) e 12 (31-8-69), regrou os processos sobre alienação fiduciária permitindo a busca e apreensão, a venda do bem, a cobrança de juros e multas, a reclusão (de um a cinco anos) do devedor.

Caso se pretenda comparar quantitativamente os dispositivos "favoráveis" a uma ou outra parte, ver-se-á que em absoluto, a atual lei não é contrária aos locadores. Antes de faze-lo, cumpre observar que assim como ocorre com os "vasos comunicantes", qualquer exagero em prol de uma parte resulta em expressão econômica contrária a esta mesma parte: proíba-se o livre curso dos contratos e a oferta de imóveis cairá, os aluguéis subirão.

A lei nº 8.245/91 permite ao locador a denuncia vazia, antes vedada em locações residenciais; admite a cobrança de "luvas" no início do contrato de locação empresarial; admite a escolha entre três boas modalidades de garantia; admite a penhora do imóvel residencial do fiador; permite multas; prevê facilidades e até cobrança antecipada do aluguel em locações para temporada; presume a sinceridade do locador que postula a retomada em anteposição à renovatória de contrato de locação comercial; exige para a renovatória o escrupuloso cumprimento do contrato pelo locatário; não permitiu ao locatário a soma de contratos não contínuos para a renovatória (questão abrandada pela jurisprudência); atribuiu somente efeito devolutivo a apelações, viabilizando a rapidez das demandas judiciais; concretizou a fixação de alugueis provisórios compatíveis com o mercado, no curso de ações.

A estes exemplos poderiam ser antepostos benefícios aos locatários: prazo mínimo do contrato de locação residencial, direito à devolução do imóvel com multa proporcionalizada e até com dispensa da multa; direito à renovatória; proibição de "luvas" na renovação da locação; direito de preferência na aquisição do imóvel; direito à purgação da mora; isenção de taxas de administração imobiliária; isenção de pagamento das despesas extraordinárias condominiais.

Ora, este brevíssimo passeio pela lei acarreta uma única conclusão, dentro do modesto escôpo deste estudo: a lei não pendeu em favor de qualquer dos contratantes, ao contrario, procurou - e ao que tudo indica conseguiu - equilibrar as posições.

Ou seja, a lei tratou da matéria de ordem pública organizando as locações e não amesquinhou-se para enganadamente favorecer locadores ou locatários. Regrou, protegeu e organizou o aluguel de imóveis.

Estas considerações servem para averiguar o exato "objetivo" da lei, cuja elisão proíbe o Artigo 45. A lei nº 8.245/91 tem por fim regular a locação de imóveis urbanos, disciplinar o mercado e possibilitar seu pacífico desenvolvimento, em perfeita consonância com o direito constitucional à moradia.

Logo, abusivas não serão as cláusulas contratuais que prejudiquem o inquilino mas, sim, os dispositivos que se desviem do norte legal - regular e desenvolver as locações.

VI

O artigo 45 fere de nulidade cláusula que proíba a prorrogação automática disciplinada no artigo 47, referente às locações residenciais ajustadas verbalmente ou por escrito e com prazo inferior a trinta meses. É previsão perfeitamente compatível com o regramento geral das locações.

É igualmente nula a cláusula que impeça a renovatória da locação de imóveis destinados ao comércio (obedecido o disposto no artigo 51 da Lei de Locações) ou que para tal imponha obrigações pecuniárias ("luvas"). Observe-se a propósito que não tem conseqüência jurídica a eventual estipulação de pagamento de luvas na renovação contratual; as estipulações "disfarçadas", uma vez provadas também não surtem efeito: de nada adianta a criatividade na nomenclatura (ônus, prêmio, bônus, encargo especial e outros termos às vezes utilizados). Também é inócua a representação destas imposições pecuniárias por títulos: o 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo já teve oportunidade de declarar que "... a cobrança de luvas é considerada contravenção penal. Se as promissórias que fundamentam o processo de execução têm aí sua origem, claro está que não são exigíveis. Tratando-se de contravenção, os títulos que dela emanam não são apenas ineficazes, mas nulos de pleno direito, e assim têm de ser declarados" (apelação nº 371.489, 8ª Câmara, relator Juiz Rodrigues de Carvalho)". (15)

Colhe-se em rápido levantamento da casuística que é declarada nula cláusula que:

a) Deixe a renovação da locação comercial sob exclusivo arbítrio do Locador(16)

b) Exija multa por não desocupação de escritório de estabelecimento de ensino, retirando a proteção a este outorgada(17)

c) Destine a locação comercial, imóvel na realidade locado para fins residenciais(18)

d) Obrigue o inquilino a devolver o imóvel com pintura nova(19) ou que pretenda responsabiliza-lo pela deterioração normal do prédio.

e) Vede a purgação da mora(20)

f) Estipule o vencimento antecipado da dívida de alugueis(21)

g) Altere o regime da locação residencial, adotando para tal as regras da locação não residencial(22)

h) Proíba a permanência de familiares na residência locada(23)

i) Aplique regras da locação para temporada à locação residencial comum(24)

j) Equipare alteração social da locatária a cessão ou sublocação(25)

k) Impeça a retomada em locação comercial(26)

l) Declare renunciado o direito do inquilino à preferência na aquisição do imóvel(27)

m) Impeça sublocação em locação comercial(28)

n) Impeça a cessão em locação comercial(29)

o) Preveja a perda da caução pelo inquilino(30)

p) Estipule o aluguel em moeda estrangeira(31)

VII

Questão com elastério muito maior do que os parâmetros destas notas, é a da conveniência e efetividade do dirigismo contratual. São talvez louváveis os objetivos mas, como são recebidas e entendidas as regras pela população?

Sob a direção do prof. José Afonso Mazzon, a Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo (FIA - USP) a pedido do SECOVI-SP (Sindicato das Empresas de Compra e Venda Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo) realizou profunda e inédita pesquisa sobre o mercado de locação residencial na cidade de São Paulo(32). Derrubou, trazendo a lume a compreensão das pessoas e não do Estado, diversos mitos e antigas certezas. No pertinente à ingerência estatal, 56% dos inquilinos e 63% dos proprietários declararam aos pesquisadores que um governo interferente "atrapalha", 64% dos locatários residenciais e 51% dos locadores acreditam que sem interferência governamental haveria maior oferta de imóveis para locação.

Por outro lado, quanto à sempre proclamada hipossuficiência dos locatários, colhem-se na pesquisa dados surpreendentes: se é verdade que 14% dos proprietários pertencem à classe econômica "A", contra somente 4% dos inquilinos, sabe-se que à classe "B" pertencem 27,3% dos locadores e 22,7% dos locatários. Entretanto, 47,1% dos proprietários têm renda familiar mensal inferior a quinze salários mínimos e, cumulativamente, 74% ganham menos de 30 salários mínimos mensais (renda familiar total).

Impossível generalizar que locadores são ricos e locatários, pobres. Difícil a presunção de que se deva "proteger" inquilinos residenciais, em detrimento de locadores cuja renda é originária 10,9% de aposentadorias, 39,4% de alugueis e 48,6% de salários e comissões. Em outras palavras: significativa massa de proprietários depende predominantemente dos alugueis que recebe. A perquirição de eventual desigualdade tutelável, é matéria a ser enfrentada, por conseguinte, em julgamentos individuais e não em atendimento a pressupostos inexistentes na lei, desmentidos em sua generalidade pelos fatos reais.

Não deve ter sido outra a razão que levou o Excelentíssimo Presidente do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Dr. Boris Padron Kauffmann a asseverar: "Esta pesquisa sobre o mercado da locação residencial na cidade de São Paulo oferece elementos de grande interesse e que permite rever alguns conceitos preestabelecidos, os quais, queiramos ou não, influem no momento da decisão. (...) A divulgação desses resultados aos juizes não significa eventual interferência no ato de julgar; ao contrário, permite que tais dados, colhidos com adoção de critérios estatísticos seguros, possibilitem um melhor conhecimento do mercado de locações residenciais". (33)

Quanto às locações para empresas, a crença na hipossuficiência dos locatários há de ser, igualmente reapreciada, se ainda existe: é hoje habitual existirem locatários incrivelmente mais poderosos economicamente que singelos proprietários de um ou outro prédio e a notoriedade da evidência prescinde maiores comentários.

Na verdade, se proteção há que se outorgar a qualquer contratante, tal se verificará, caso a caso, em respeito ao objetivo legal de atender as atuais necessidades produtivas, tanto das locatárias, para as quais o imóvel consiste significativo elemento do conjunto operacional, quanto para locadores, os quais caracterizam-se como investidores imobiliários e não mais, meros detentores de escrituras - protaindo o confronto, da relação entre propriedade e uso, para a dinâmica entre dois negócios distintos e complementares.


Notas:

* Jaques Bushatsky, titular da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/SP e diretor da MDDI Mesa de Debates de Direito Imobiliário. [ Voltar ]

1 - Paulo Luiz Neto Lobo, "O Contrato - exigências e concepções atuais", Edição Saraiva, pg. 25. [Voltar]

2 - "in" Instituições de Direito Público e de Direito Privado, Edição José Bushatsky, 3ª edição, pg. 186. [Voltar]

3 - Apreciando os princípios fundamentais do direito contratual, Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 12ª edição, Ed. Saraiva, pg. 9) destacava o princípio da supremacia da ordem pública, escrevendo na edição de 1.977: "O natural limite, que fixa o campo da atividade individual, é estabelecido pelo segundo principio, da supremacia da ordem pública, que proíbe estipulações contrárias à moral, à ordem pública e aos bons costumes, que não podem ser derrogados pelas partes. Assim, não podem estas avençar taxa de juros superior a doze por cento ao ano (Dec. nº 22.626, de 7-4-1.933, art. 1º); não podem igualmente majorar aluguel, congelado pela Lei do Inquilinato, salvo nos casos legais; não podem, outrossim, cominar cláusula penal de valor excedente ao da obrigação principal (Cód. Civil, art. 920). Nesses e noutros casos excepcionais, inspirados pelo bem público, a vontade individual é deliberadamente cerceada". [Voltar]

4 - Segundo Silvio Rodrigues (Direito Civil, 2ª edição, Ed. Max Limonad, pg. 311): "... há um agravo à própria ordenação jurídica, que não pode permitir a sobrevivência de um negócio de tal modo defeituoso. De fato, preceitos há que são de ordem pública, pois interessam diretamente à sociedade. São regras ligadas à organização política, social e econômica do Estado, de modo que a infringência a um preceito dessa natureza representa ofensa direta à estabilidade, senão à estrutura da comunidade. Não raro o ato tem uma finalidade que colide com a ordem pública, ou que machuca a idéia de moral social ou de bons costumes. É um interesse público que é lesado e, por conseguinte, a própria sociedade reage, e reage violentamente, fulminando de nulidade o ato que a vulnerou. São os atos nulos". [Voltar]

5 - Vicente Ráo (Ato Jurídico, Ed. Max Limonad, pg. 248) advertia que: "É o ordenamento jurídico que semelhante proteção dispensa, através de normas cogentes, não para substituir os indivíduos pelo Estado, nem para atribuir a este a função de dirigir atividades econômicas individuais, ou grupais, mas para proteger, em determinadas relações, a parte economicamente mais fraca. A ordem econômica contemporânea, caracterizada pelo progresso das ciências aplicadas e da técnica, com suas conseqüentes concentrações de capital, a produção em massa dos bens de consumo e correlativos problemas do trabalho, bem assim o fenômeno das grandes aglomerações urbanas e, ainda, os abusos do mercado monetário, criaram ou acentuaram situações de desigualdade condenadas pela justiça distributiva, por prejudiciais ao equilíbrio social. Daí a legislação especial que veio amparar, preventiva e repressivamente, a situação econômica dos consumidores, trabalhadores, locatários, devedores, etc., vedando ou impondo limites a certas vantagens econômicas dos produtores, vendedores, patrões, locadores, credores, etc. Mas, essas leis proibitivas ou restritivas nem sempre dizem respeito ao conflito entre os elementos volitivos e a declaração, isto é, nem sempre partem do pressuposto da existência de um contraste entre a vontade real e a vontade declarada nos casos de violação de seus preceitos: o conflito ou contraste se caracteriza, juridicamente, dentro da autonomia normal da vontade, segundo as circunstâncias de cada caso concreto, ao passo que a acenada legislação protetora preestabelece limitações especiais a serem, necessariamente, observadas na celebração de determinados contratos, sob pena de invalidade das declarações de vontade que as infringem". [Voltar]

6 - Para Claudineu De Melo, em magnífica tese ("Contrato de Distribuição, Ed. Saraiva, p. 69) "a norma deve ser interpretada tendo-se em vista a sua função social, aliada à busca da justiça concreta", em adição à posição de Nicola Stolfi, para quem: "In primo luogo il giurista deve examinare il significato litterale della norma giuridica che intende applicare. E per riuscire ad una soddisfacente interpretazione, egli dovrà dare alle parole il senso che ovevano all tempo della promulgazione della legge, e intenderle secondo la loro connessione e non isolatamente" (Diritto civile; I, parte generale, v. 1, p. 577). [Voltar]

7 - Francisco Carlos Rocha de Barros (Comentários à Lei do Inquilinato, Ed. Saraiva, 1.995, pg. 198) emérito juiz do 2º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, sintetiza com precisão a majoritária inteligência e constata na lei "infindáveis regras amparando, visivelmente, o inquilino", para concluir: "O legislador, por reconhecer situação de desigualdade entre locador e locatário - prejudicial a este -, acabou intervindo no meio social com uma lei cujo objetivo é defender o inquilino. Procurou compensar a desigualdade e restabelecer o desejado equilíbrio social". [Voltar]

8 - Carlyle Popp (Comentários à Nova Lei do Inquilinato, Ed. Juruá, pg. 133), comentando o artigo 45 também indica a parte protegida: "O presente dispositivo visa proteger as partes, especialmente o locatário, do caráter leonino de muitos contratos de locação". [Voltar]

9 - Os professores Rogério Lauria Tucci e Alvaro Villaça Azevedo (Tratado da Locação Predial Urbana, 2º volume, Ed. Saraiva pg. 580), analisando o art. 46 da lei nº 6.649/79, observam: "A preocupação dos elaboradores da novel legislação inquilinária em proteger, nesse particular, o contratante economicamente mais fraco, ou seja, o inquilino. E isto, tanto mais quanto se tenha presente que as cláusulas obviadas pela preceituação estuada são, exempli gratia, as permissivas de majoração do aluguel além dos limites estabelecidos no art. 15, ou exageradamente, ao cabo da locação, com a finalidade de evitar sua prorrogação, ou que, nesta, o aluguel seja superior à previsão do art. 49; a impeditiva da prorrogação, a facultativa da rescisão do contrato, em qualquer momento de sua vigência, pelo locador". [Voltar]

10 - "A reforma da empresa", R.D.M. nº 50/60 - nova série [Voltar]

11 - Explica a Prof. Maria Helena Diniz (Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada, Ed. Saraiva, pg. 184) ao cuidar do Art. 45: "A expressão dirigismo contratual é aplicável às medidas restritivas estatais que invocam a supremacia dos interesses coletivos sobre os meros interesses individuais de um contratante, com o escopo de dar execução à política do Estado de coordenar os vários setores da vida econômica. O Estado intervém no contrato, mediante a aplicação de normas de ordem pública, alterando, estabelecendo-lhe condição de execução, ou até mesmo exonerando a parte lesada, conforme as circunstâncias, fundando-se em princípios de boa-fé e de supremacia do interesse coletivo, no amparo do fraco contra o forte, hipótese em que a vontade estatal substitui a vontade dos contratantes, valendo a sentença como se fosse declaração volitiva do interessado". [Voltar]

12 - Gilberto Caldas (Nova Lei do Inquilinato Comentado, Ed. Brasilivros pg. 175), comentando o art. 46 da Lei 6.649/79 é enfático: "Neste dispositivo o legislador procura neutralizar os expedientes sub-reptícios de pessoas astuciosas que empregam artimanhas e técnicas para burlar ou driblar a Lei. Existem alguns profissionais que até se especializaram em desviar-se habilmente da incidência da norma. É necessário muita sutileza para encontrar os limites justos entre o profissional experiente e o elemento amoral e sem ética. Na redação do contrato de locação é bem possível que uma das partes procure impor cláusulas que visem inutilizar algumas conquistas da atual legislação". [Voltar]

13 - "in" Renovação da Locação, 2ª edição, pg. 214, 1.990, Ed. Saraiva. Confira-se o texto do importantíssimo Doutrinador: "Válida a cláusula, não vemos porque excluir a aplicação de qualquer das alíneas do art. 8º, para considerar-se renunciado o direito de recusa ou de retomada. O nosso raciocínio a respeito é tão elementar que, se procedente, constituirá mais um ovo de Colombo: se, quando a renovação decorre da lei, reconhece-se tal direito, por que o negar quando resulte da vontade contratual de súditos do Estado? Seria essa vontade porventura mais impositiva do que a do Príncipe? Eis ai porque concluímos que a renovação ou prorrogação, podendo operar-se por força da lei, também pode realizar-se por efeito do contrato, mas, em princípio, não excluirá os direitos que o art. 8º confere ao proprietário. Dizemos em princípio, porque resta a examinar a hipótese de que o contrato, autorizando a prorrogação, exclua o direito de retomada. Neste caso, parece-nos, terá de entrar em cena o art. 30: "São também nulas de pleno direito quaisquer cláusulas que visem ilidir os objetivos da presente lei, e nomeadamente as cláusulas proibitivas de renovação do contrato de locações ou que impliquem renúncia dos direitos tutelados por esta lei". O direito de retomada, conferido pelo art. 8º, é tutelado pelo Decreto nº 24.150". (Grifo nosso) [Voltar]

14 - "in" Comentários à Lei de Locação de Imóveis Urbanos, coordenação de Juarez de Oliveira, Ed. Saraiva, pg. 8 [Voltar]

15 - "Cobrança de Luvas", Jaques Bushatsky "in" B.D.I. ano XVII - nº 29 [Voltar]

16 - Ap. 390.937, 8ª Câm. rel. juiz Renzo Leonardi, 2º TACSP "in" Francisco Carlos Rocha de Barros, ob. cit., pg. 200 [Voltar]

17 - Decisão sob a égide da Lei nº 6.239/75 - apel. 176.472-9, 5ª Câm., rel. juiz Menezes Gomes, 2º TACSP "in" Revista dos Tribunais nº 593/177 [Voltar]

18 - Apel. 54.999, rel Juiz Malan de Moraes Marinho, TACRJ "in" Waldir de Arruda Miranda Carneiro, LOCAÇÃO PREDIAL URBANA, Ed. Edipro, 1.991, pg. 216. [Voltar]

19 - Apel. Rev. 335.616/8-00-SP, 2ª Câm. rel. juiz Ferraz de Arruda "in LEX 145/328. [Voltar]

20 - JTARS 68/250 [Voltar]

21 - Apel. 271.697, 2ª Câm. rel. juiz Batista Lopes, 2º TACSP "in" JTART 130/356 [Voltar]

22 - Apel. 816.053-00 - Curitiba, 1ª Câm. Civ., rel. juiz Munir Karam, TAPR [Voltar]

23 - Apel. 421.786, 11ª Câm. rel. juiz Artur Marques, 2º TACSP [Voltar]

24 - Apel. 442.439, 1ª Câm. rel. juiz Magno Araújo, 2º TACSP [Voltar]

25 - Apel. 162.595, 5ª Câm., rel. juiz Cezar Peluso, 2º TACSP "in" JTACSP-RT 87/332 [Voltar]

26 - Na legislação anterior, conforme Pontes de Miranda (Tratado de Direito Predial, volume 5 - pg. 269, edição 1.953); RT 328/754, 373/70, 440/149 entre outros [Voltar]

27 - Apel. 158.800, 4ª Câm., rel. Barbosa Pereira Filho, "in" Ruy Geraldo Camargo Viana, A Locação em Julgamento, pg.9, Edição Saraiva) [Voltar]

28 - Apel. 192.504-9 - Taubaté, 8ª Câm., rel. juiz Martins Costa, com declaração de voto vencedor do juiz Garreta Prats, 2º TACSP "in" JTACSP-LEX 100/290 [Voltar]

29 - Apel. 72400, 5ª Câm., TJGB, rel. Des. Luiz Antônio de Andrade, "in" RT 441/226 [Voltar]

30 - Apel. 208.760-3, 5ª Câm., voto unânime , rel. juiz Sebastião Amorim, 2º TACSP, "in" RT 622/150 [Voltar]

31 - Apel. 186027355, 3ª Câm., Rel. Juiz Elvio Schuch Pinto, TARS "in" Joaquim de Almeida Baptista "Código de Locações Urbanas" pg. 690. [Voltar]

32 - O economista Cicero L. Yagi resumiu as conclusões da formidável pesquisa, no relatório "Pesquisa de Locação Residencial na Cidade de São Paulo", publicação SECOVI-SP/FIA-USP, 1995. [Voltar]

33 - Apresentação à "Pesquisa de Locação Residencial na Cidade de São Paulo" [Voltar]

Palavras-chave: locação

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04/08/2008 16:18 Responder

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