Mantida condenação de mecânico que submetia mulher a cárcere privado

Fonte: TJGO

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A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás, negou provimento á apelação interposta pelo mecânico M.A.N., 45, condenado a 14 anos e 6 meses de reclusão pela prática de cárcere privado, tortura, estupro e posse de substância entorpecente para uso próprio. Ele foi acusado de manter sua companheira, a dona de casa R.P.O., em cárcere privado e submete-la a constantes sessões de tortura física e psicológica por seis meses. Para o relator, desembargador Geraldo Salvador de Moura, o fato de a vítima ter permanecido em sua própria casa não descaracteriza o crime de cárcere privado. "A norma penal tutela a liberdade de locomoção de forma incondicional, não fazendo qualquer ressalva quanto ao local destinado ao cárcere, de modo que o delito pode ser praticado dentro da residência da vítima. No que se refere à alegação de que o apelante não deixava a vítima amarrada e não trancava a porta de casa, entendo que tais circunstâncias também não impedem o cárcere privado ", afirmou.

O magistrado considerou ainda que para que R. pudesse fugir teria de pular muros levando consigo suas duas filhas menores, o que, a seu ver, afastaria qualquer possibilidade de êxito na fuga devido ao estado físico e aos constantes espancamentos a que era submetida. "O conjunto probatório é robusto e harmônico, evidenciando que o apelante manteve a vítima encarcerada durante vários meses, privando-a de sua liberdade de locomoção e do contato com outras pessoas. Por esse motivo a decisão de 1º grau não merece qualquer reparo", ressaltou.

Segundo Geraldo Salvador, a alegação do apelante de que não teria praticado tortura contra sua concunbina é infundada, já que "teria utilizado de espantosa crueldade ao perpetrar agressões físicas contra sua amásia durante todo o tempo em que a manteve em cárcere privado, causando-lhe lesões corporais contudentes pelo corpo". Ele destacou também que além das diversas sessões de espancamento que promovia contra a vítima o mecânico manifestava um "repudiável sentimento racista" ao se referir a R e suas filhas por várias vezes como "urubus". "Não procede o argumento de que os crimes de tortura e cárcere privado são tipos parecidos e, aplicar duas penas, implicaria em incidência das duas, em função da mesma conduta", ponderou.

O relator observou que quando existe a certeza da relação sexual, mediante violência real, o crime de estupro fica caracterizado, já que a vítima estaria impossibilitada de oferecer resistência nas condições em que se encontrava. "Revela-se descabido o pedido de redução, ao mínimo legal, da pena pelo crime de estupro, quando a reprimenda já fora fixada nesse patamar pelo juiz sentenciante. De outro vértice, não procede a alegação de exasperação da pena referente ao crime de tortura, tendo em vista a preponderância de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, bem como a inexistência de atenuantes e de causas de diminuição da pena", concluiu.

Fatos

Segundo o inquérito policial, M.A.N. manteve sua companheira em cárcere privado de junho de 2004 a novembro do mesmo ano, no distrito de Maurilândia, comarca de Santa Helena de Goiás. De acordo com os autos, ela era proibida de sair de casa e de ir ao quintal de sua casa, sendo privada até mesmo da luz solar e do contato com outras pessoas que não fossem suas duas filhas menores. Ela também não podia ouvir rádio e assistir televisão e era ameaçada de morte, assim como as suas filhas, caso tentasse de tentar fugir.

Conforme a denúncia feita pelo Ministério Público de Goiás, quando estava reclusa, em caso de necessidade, R. tinha que acionar uma campainha instalada pelo denunciado, que trabalhava ao lado da residência numa oficina mecânica. Ressaltou que durante todo o período que esteve sob seu poder ele a submetia a intenso sofrimento físico e mental, com o objetivo de aplicar o castigo pessoal, inclusive utilizando expressões racistas como "urubus" quanto se referia a ela e suas filhas.

O MP-GO sustentou que a tortura era diária e que o denunciado desferiu-lhe múltiplos golpes em todo o corpo de R. e também na cabeça, usando um pedaço de barra de direção de automóvel, três cabos de aço e duas correias de motor de veículo. Destacou que três dias antes de ser autuado em flagrante, ante a recusa da dona de casa de lhe beijar "dos pés a cabeça" , aplicou-lhe múltiplos golpes com uma das correias do motor. Consta nos autos que em seguida, como a vítima caiu no chão, ele a arrastou pelos cabelos e pisou em seu pescoço por trinta minutos e enquanto o fazia, tirou o pé de seu pescoço e abriu suas pernas, pisoteando sua vagina. Enfatizou que no dia seguinte às agressões ele mandou que a vítima o elogiasse, dizendo que o amava e que toda vez que a agredia tinha de manter relações sexuais com ele, chegando a ser obrigada a beber sua urina e comer suas fezes em uma das sessões de tortura.

Ementa

A ementa recebeu a seguinte redação: "Apelação Criminal. Cárcere Privado. Caracterização. Pratica o crime de cárcere privado o agente que, mediante violência e grave ameaça, mantém sua amásia confinada na residência do local durante vários meses, privando-a de sua liberdade de locomoção e do contato com outras pessoas. 2. Tortura. Forma qualificada. Presente nos autos a prova das constantes agressões físicas sofridas pela vítima, de que lhe resultaram lesão corporal de natureza grave, bem como a motivação resultante de discriminação racial, impõe-se a condenação do agente pelo crime de tortura na forma qualificada, nos termos do artigo 1º, inciso III "c" c/c seu parágrafo 3º, da Lei nº 9.455/97. 2.1 Condenação pelos crimes de tortura e cárcere privado. Bis in idem. Não caracterizado. Inexiste bis in idem quando o "grave sofrimento físico e mental", elemento normativo do tipo penal relativo ao crime de tortura, não for empregado concomitantemente para qualificar o de cárcere privado, sendo este delito reconhecido na sentença em sua forma simples (artigo 148 caput do Código Penal). 2.2. Cárcere privado. Absorção. Inocorrência. Se o agente não manteve a vítima em cárcere privado como meio de execução do crime de tortura, evidenciando-se, ao contrário, que tais delitos resultaram de desígnios autônomos, sendo praticados com concurso material, torna-se inaplicável a aplicação do princípio da consunção a fim de se reconhecer a absorção do crime de cárcere privado pelo de tortura. 3. Estupro. Caracterização. Havendo a certeza da ocorrência de conjunção carnal e restando claramente evidenciada a violência real, por ter sido a vítima constrangida mediante violência física e grave ameaça, além de estar impossibilitada de oferecer resistência nas condições em que se encontrava, deve ser confirmada a condenação do réu pela prática do crime de estupro. 4. Pena. Crimes de tortura e estupro. Exacerbação. Inocorrência. Revela-se descabido o pedido de redução, ao mínimo legal, da pena pelo crime de estupro, quando a reprimenda á fora fixada nesse patamar pelo juiz sentenciante. De outro vértice, não procede a alegação de exasperação da pena referente ao crime de tortura, tendo em vista a preponderância de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, bem como a inexistência de atenuantes e de causas da diminuição de pena. Apelação conhecida e improvida, à unanimidade de votos". Ap. Crim. nº 27.407-1/123 (200500865757), de Santa Helena de Goiás. Publicado no Diário da Justiça de 16.9.05. (Myrelle Motta)

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