"Maconha não é para todo mundo", diz autor da proposta de regulação da droga

André Kiepper defende avanços da ciência para redução de efeitos psicoativos da droga no uso medicinal

Fonte: Último Segundo

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Menos de duas semanas separaram o primeiro clique de apoio à proposta de regulação da maconha no Brasil do discurso do senador Cristóvam Buarque (PDT-DF), em plenária, sobre o desafio que lhe fora então delegado: o de ser relator de um dos mais polêmicos e controversos temas colocados em pauta por iniciativa popular. Levado ao Legislativo após ter reunido, em quatro dias, 20 mil assinaturas no portal e-Cidadania, o pleito que abarca uso recreativo e medicinal da erva tem como autor um nome desconhecido - mas que promete fazer história, já que consultores do Senado apontam para um futuro em que a erva será legalizada, mas sua produção, comércio, posse e consumo estariam sob controle e fiscalização do Estado.


"Maconha não é para todo mundo, e um dos maiores obstáculos para o uso medicinal é a resistência aos efeitos psicoativos dessa droga", explica André Kiepper, o responsável pela evolução do debate. "Quero que a ciência evolua para que, quando eu precisar usar maconha por motivos de saúde, não precise viver os efeitos psicoativos que eu curtia aos 20 anos."


Usuário recreativo na época em que ainda cursava publicidade na Universidade Federal do Espírito Santo, Kiepper é um capixaba de 33 anos com fala articulada e voz grave que passam a seu interlocutor a impressão de estar lidando com um homem de perfil puramente técnico, sem muito espaço para espontaneidades. A impressão, no entanto, é desfeita logo no primeiro contato pessoal. André traz no rosto uma barba algo esparsa, óculos com aros superiores metálicos e roupas casuais: trata-se de um jovem adulto como muitos outros do Leblon, onde divide um simpático, mas sintético, apartamento com o irmão mais velho.


Kiepper conta que passou a se dedicar com afinco às linhas legais que encerram a maconha a partir de uma prosaica experiência. Radicado no Rio há dez anos, chegou na cidade munido apenas do diploma e da vontade de crescer como profissional no que julgava ser o balneário das possibilidades. Diante da realidade árida do mercado, decidiu estudar para concurso público. Foram pelo menos vinte processos seletivos até ser chamado para o primeiro deles, no Detran-RJ. Kiepper ocupava, em 2009, um cargo administrativo que não preenchia suas expectativas financeiras e viu em bicos internos da Operação Lei Seca, recém-implementada, uma forma de engordar o holerite. "Eram R$ 100 por noite na rua", lembra Kiepper. "Mas além do dinheiro, a Lei Seca me deu a possibilidade de ver como as pessoas respondiam a uma política de governo que controlava o uso de uma droga, sem proibí-la. Tratava-se de uma política de redução de danos nos moldes da dispensada à maconha em alguns países em que você não pode dirigir sob efeitos psicoativos", explica.


O vocabulário específico e o conhecimento aprofundado foram lapidados aos poucos, graças ao binômio curiosidade e oportunidade. Em meados de 2012, Kiepper foi convocado para uma vaga para a qual havia aplicado anos antes, na Fundação Oswaldo Cruz. Ali, em uma das mais renomadas instituições de pesquisa em saúde pública do país, pôde estudar mais de perto as experiências bem-sucedidas de regulação da maconha e de outras drogas -- o marco regulatório dos estados americanos para o uso medicinal da maconha é seu tema de mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), da mesma Fiocruz. Kiepper enxerga no proibicionismo falta de informação, acredita que os usuários têm de ser ouvidos para uma política eficiente e defende, como muitos companheiros de ideologia, que trata-se de um assunto de saúde pública. "Isso muda completamente o paradigma da discussão", avalia.


Sua colaboração para a entrada do Brasil na rota histórica de legalização da maconha vem de antes da noite em que digitou a proposta no portal do governo. Como estudioso, traduziu o projeto de lei do Uruguai, a lei do Colorado para uso recreativo e a de Nova York para uso medicinal -- suas versões foram tanto distribuídas entre sites de cultura canábica, como Hempadão e SmokeBuddies, como protocoladas junto à Anvisa para que servissem de base para eventuais portarias ou decretos sobre o uso medicinal, já previsto desde 2006, mesmo ano em que o portador foi despenalizado no Brasil. "É ingenuidade crer que o modelo de regulação dos Estados Unidos ou da Europa vá funcionar no Brasil sem nenhuma adaptação. Mas isso não pode ser desculpa para não testarmos saídas. É visível que a política em vigor não está funcionando."


Menos de seis meses depois de ter o nome divulgado e associado à proposta, Kiepper já é tratado como autoridade no que se refere à regulação da maconha: foi consultado por Jean Wyllys (PSOL-RJ) quando o deputado carioca elaborou projeto de lei pela produção e venda de maconha no país e palestrou há duas semanas na mostra A História da Cannabis: uma planta proibida, no Matilha Cultural, em São Paulo, em cartaz até 4 de julho. O novo tratamento, com todo o prestígio que o status de especialista encerra, não deixou de ser motivo de estranhamento na casa de seus pais, em Vitória. Médico e dentista aposentados, eles se surpreenderam ao ver o nome do filho associado à Cannabis nos jornais. "Meu pai me ligou e perguntou o que era esse negócio de maconha. Mas, após a repercussão da importância no tratamento em crianças com epilepsia, me ligou de novo e disse: 'eu sabia que era remédio, pode continuar'", diverte-se Kiepper.

Palavras-chave: regularização da maconha efeitos psicoativos uso medicinal

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