Imprensa responsável como artigo de luxo?

Parecer do constitucionalista Leonardo Sarmento.

Fonte: Leonardo Sarmento

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Muito nos impressiona lamentavelmente de forma negativa, a quantidade de palpiteiros que desconhecem sobre as temáticas que palpitam e que muitas vezes contam com o poder de democratizar seus desconhecimentos e causar danos. Opinião sem conhecimento dada por quem quer que seja, do Zé Mané ao Papa, não passa de mero palpite que pode receber a adjetivação de irresponsável a partir da sua repercussão social.


Chamamos atenção para questão da responsabilidade. Uma coisa é o Zé Mané do Facebook opinando para os seus amigos que o reconhecem como um "boi", outra é alguém da imprensa, que em tese possui toda uma estrutura consultiva por detrás, opinando para milhares de pessoas que o acompanham e outras milhares que eventualmente tiveram acesso à sua opinião. A credibilidade que em geral guarda os meios de comunicação é costumeiramente maior, por óbvias razões, que a do Zé, o que por conseguinte é capaz a partir de uma informação passada sem os devidos cuidados, a causar danos de maior dimensão e de difícil mensuração e reparação.


Para temas genéricos que não requerem conhecimentos especializados a imprensa tem autonomia para atuar de forma mais ampla, capacitada, em tese apta estaria, inclusive, para emitir opiniões independente de consultas anteriores. Inobstante a imprensa tem a responsabilidade de dar a notícia seca de caráter não opinativo, não lhe é dada a autoridade de julgar, de proferir um "julgamento midiático" quando tratar de temas que requerem especialidades que desconhecem, salvo se de fato consultar especialistas antes de se pronunciar, o que lamentavelmente pelo anseio em se desferir notícias em 1ª mão é algo cada vez mais rarefeito. Tal conduta acaba por induzir a opinião popular e, ainda, conferir a imprensa ilegítimo poder de investigar, julgar e condenar um determinado cidadão por sua livre discricionariedade sem qualquer amparo legal. Não há dúvidas de que foi ao Poder Judiciário que o Estado conferiu o indelegável direito de julgar e condenar. Assim, a imprensa deve exercer amplamente da forma mais ampla possível o seu dever de informar, sem exceder-se, sem o poder de deturpar os fatos, sob pena de, indiretamente, sentenciar, perante a opinião pública, um dado indivíduo que sequer tenha sido condenado.


Como o Direito é substrato ínsito de boa parte dos acontecimentos (fatos) e relações sociais, e de fato parte desses acontecimentos e relações criadas é de interesse da sociedade, a imprensa estaria legitimada pelo dever de informar e se pronunciar, mas sempre com os devidos cuidados de informar com correção, nos limites do que faticamente conhece ou buscou conhecimento, sob pena das repercussões que podem gerar prejuízos de ordem moral e/ou pecuniária de monta, e que reclamarão responsabilidades.


Na democracia a liberdade comporta diversas espécies de fruições, entre elas a de maior substrato categórico que talvez seja a de expressão. Importante porém, não se descurar do fato de que não existe liberdade sem responsabilidade, e que se até o Zé do Facebook pode ser responsabilizado pelas suas palavras que causem dano a outrem, imaginemos a imprensa capaz de causar macro-danos. Uma democracia não pode dar azo a uma imprensa isenta de responsabilidade, quando falamos de democracia e não anarquia, quando o respeito às regras tem a sua razão maior nos direitos de outrem, no respeito do espaço social que outrem faz jus.


Assim não podemos confundir liberdade de imprensa com irresponsabilidade de imprensa. Não há que se falar em censura quando a imprensa causa danos a terceiro e por isso é responsabilizada a partir de uma informação passada com irresponsabilidade, sem o devido dever de cautela. Assim, que inúmeras vezes a imprensa se insere nas temáticas de repercussão jurídica e sem o devido cuidado democratizam algo inverídico justamente pela má interpretação fruto do desconhecimento. Imprensa responsável é aquela que muitas vezes abre mão de dar o furo de reportagem, mas quando dá a notícia, informa com correção, amparada em prévias consultas que muitas vezes à depender da profundidade da consulta pode dar azo, inclusive, a uma imprensa opinativa com respaldo para dissertar sobre os temas jurídicos mais complexos.


Não há porém que se tolerar o uso de mecanismos de coação contra a imprensa com o fulcro de lhe imputar temor de ao desferir uma notícia ou dar uma opinião de forma responsável restar sancionada a arcar com o prejuízos eventualmente causados. Se a notícia ou opinião pauta-se na verdade dos fatos, dada com correção, a imprensa está absolutamente coberta pela tutela da Constituição Federal de 1988 e não poderá ser alcançada por nenhum meio que a iniba do seu dever de informar.


Não existe democracia sem imprensa livre e responsável, conforme expusemos e reafirmamos a ideia de liberdade e responsabilidade formam um único substrato indissociável em uma sadia democracia.


Autor: Leonardo Sarmento é Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Processual Civil, Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV. Autor de 3 obras jurídicas e algumas centenas de artigos publicados. Nossa última obra (2015) de mais de 1000 páginas intitulada "Controle de Constitucionalidades e Temáticas Afins", Lumen Juris.

Palavras-chave: CF Imprensa Responsabilidade Opinião Conhecimento Repercussão Social "Julgamento Midiático"

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