Culpa na esfera civil e a culpa na esfera penal
Vanilza Candida Moita Misturini, Serventuária da Justiça (Oficial de Justiça) do Estado de Mato Grosso; Professora com Licenciatura Plena em Letras - Língua Portuguesa e Inglesa; Pós-Graduada em Psicopedagogia com tripla habilitação: Gestão Escolar, Inclusão e Lingüística Aplicada à Língua Estrangeira; Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Acadêmica do Curso de Direito - FACISAS.
Vanilza Candida Moita Misturini ( * )
Tomamos como base para o nosso estudo os renomados e jovens autores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, aos quais não meço esforços para demonstrar-lhes a grande admiração que sinto por eles.Em relação ao tema acima referenciado, já compreendemos alhures o conceito de Responsabilidade Civil, e o seu principal elemento caracterizador, ou seja, este, "a culpa". Porém, aqui essa culpa se apresentada na esfera criminal e ainda, em determinadas situações como resquícios da esfera civil.
Vejamos então como os nossos tão renomados autores conceituam essa tão "estranha" situação, a qual se instala no estudo dos Artigos: 935 do Código Civil Brasileiro; Artigo 475 n II, Código de Processo Civil; Artigo 91, I, Código Penal e no Artigo 63/68 do Código Penal.
"Art. 935. A responsabilidade Civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal". (Código Civil Brasileiro, 2002)
Compreende-se que apenas estes dois fundamentos da sentença penal absolutória têm a condição de prejudicar definitivamente a reparação civil, ou seja, se houver negativa material do fato ou negativa de autoria.
A culpa pode, por exemplo, num acidente de trânsito, ser civil ou penal, pois a responsabilidade civil não depende da criminal, porém, a condenação penal não impede que se reconheça na ação civil.
Quando se observa a primeira parte do Artigo 935, CC, torna-se evidente que a responsabilidade civil é independente da criminal, ou não uma não tem relação com a outra.
Porém, na segunda parte, essa relação é de certa forma relativa, pois quanto o réu é absolvido na esfera penal por negativa de autoria ou negativa material do fato, não se pode mais ingressar com a indenização civil, pois se encerra nesta situação, quaisquer discussões na esfera civil, inclusive extinguindo alguma ação civil que esteja em tramitação.
É de suma importância que se evidencia para tal discussão ser viável a materialidade do fato, bem como a autoria.
Um ilícito penal gera também conseqüências civis,
"que deverão ser sopesadas e aferidas no juízo próprio, a exemplo de um homicídio ou um roubo, segundo as regras legais de competência"
"No caso do homicídio, se o réu lograr êxito na demanda, demonstrando cabalmente a negativa de autoria, não terá legitimidade passiva para figurar no pólo passivo de uma demanda indenizatória". (GAGLIANO & PAMPLONA Fº. 2006)
No entanto, no Código de Processo Penal observa-se no Artigo 64, "A ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil"
E dentro de um contexto aparentemente contraditório, dispõe ainda que,
"faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito".
Acima se nota que há o reconhecimento de excludentes de ilicitudes, mesmo assim, nem sempre impede que o agente indenize; como na hipótese de o agredido, em sua repulsa legitima incorrer em erro de execução, atingindo terceiro inocente. Ocasião em que deverá então ressarci-lo (terceiro), com ação regressiva contra o verdadeiro autor do dano.
No Artigo 91, I, do Código Penal, determina-se que um dos efeitos da condenação criminal é o de "tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime", sendo assim, cometeu-se ilícito penal, deve indenizar o agredido, mesmo que este tenha ocorrido em erro de execução, pois teve "prejuízo" deve-se, portanto, indenizá-lo.
Sendo assim, é evidentemente claro que quanto houver uma sentença penal condenatória com transito em julgado, pode-se promover uma execução no juízo cível para efeito de reparação de dano, sem a necessidade de discutir-se novamente o mérito.
E, por força do Artigo 475,"n", II do Código de Processo Civil, à sentença penal com transito em julgado, é atribuído valor de título executivo judicial, sendo então somente necessário ao juízo civil, proceder a fixação do valor indenizatório quando necessitar, por exemplo, no dano moral.
Inclusive no Código de Processo Penal, determina que possa o ofendido, seu representante legal ou herdeiros promover diretamente a execução judicial sem propor demanda de conhecimento. "A vítima ou seus sucessores buscam esse ressarcimento por meio da denominada ação civil ex delicto".
Essa preocupação com o sujeito passivo do crime é verificada na Carta Magna em seu Artigo 245,
"que a legislação ordinária deverá dispor sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito". (CF/1988).
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, ainda se preocupam em nos informar que o foro competente para o deslinde da ação, inclusive a execução baseada em sentença penal condenatória, segundo a doutrina, é o do local do crime ou o do autor, nos termos do Artigo 100, V, "a", do Código de Processo Civil.
Embora a legitimidade ativa para a propositura da ação reparatória é reconhecida à vítima, a seu representante legal e aos sucessores, de acordo com o Artigo 63 do Código de Processo Penal, observa-se ainda, que a legitimidade extraordinária conferida ao Ministério Público para executar a sentença penal ou ajuizar diretamente a ação civil, se o titular da reparação do dano for pobre, nos termos do Artigo 68 do Código de Processo Penal, hipótese esta, em que o Ministério Público atua como substituto processual.
Para Silvio Salvo Venosa:
"Para que terceiros sejam chamados a reparar o dano, deve ser promovida ação de conhecimento, a denominada actio civilis ex delicto, sendo-lhes estranha a matéria decidida no juízo criminal, abrindo-se, assim, ampla discussão sobre o fato e o dano no juízo cível" (VENOSA, 2003)
Pablo Stolze nos lembra ainda, da Lei 9.099/95, do Juizado Especial Cível e Criminal, que é referente às infrações de menor potencial ofensivo, cujo âmbito de aplicação fora alterado pela edição posterior da Lei dos Juizados Especiais Federais, Lei 10.259/2001, onde é permitido ao juiz, nas infrações com pena não superior a dois anos, e que não sejam de ação penal pública incondicionada, instar as partes à composição civil, em audiência, com efeito, quando houver êxito, prejudicar a persecução criminal, por força da extinção da punibilidade.
Outrossim, entendemos que a sentença absolutória criminal a princípio será absolvido na esfera cível, porém, há situações em que o réu é absolvido na esfera criminal, mas será condenado na esfera cível, pois se fizer coisa julgada, não se permitirá mais nenhuma discussão sobre o tema, é inocente no crime e também no cível. Contudo, se não fizer coisa julgada, mesmo sendo inocente no crime, poderá ser permitida a vitima a busca da indenização na esfera cível.
Enfim, no mundo jurídico é necessária a análise de toda e qualquer evidencia para que ambos os pólos das ações tanto criminal, quanto na civil, que os direitos sejam reservados e garantidos de forma isonômica, a fim de propiciar à sociedade o tão almejado equilíbrio social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. LEI - CÓDIGO CIVIL. Lei Nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Que Institui o Código Civil.
BRASIL. LEI - CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Lei Nº. 5.869, de 11 de janeiro de1973. Que Institui o Código de Processo Civil.
BRASIL. LEI - CÓDIGO PENAL. Decreto - Lei Nº. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Que Institui o Código Penal.
BRASIL. LEI - CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Decreto - Lei Nº. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Que Institui o Código de Processo Penal.
GAGLIANO, Pablo Stolze & Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil - Responsabilidade Civi. 4 ed. r. a. e r.; vol. III. São Paulo: Saraiva, 2006.
VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil - Responsabilidade Civil, 3, ed. São Paulo: Atlas, 2003.
Notas:
* Vanilza Candida Moita Misturini, Serventuária da Justiça (Oficial de Justiça) do Estado de Mato Grosso; Professora com Licenciatura Plena em Letras - Língua Portuguesa e Inglesa; Pós-Graduada em Psicopedagogia com tripla habilitação: Gestão Escolar, Inclusão e Lingüística Aplicada à Língua Estrangeira; Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Acadêmica do Curso de Direito - FACISAS. [ Voltar ]
Mario Aguiar Filho Advogado31/08/2010 19:07
Minha cara Vanilza: Voce poderia ter se aprofundado mais no tema, pois, embora aparentemente singelo, contém nuances que comportam uma análise mais ampla. Por exemplo: quais os reflexos da transação penal havida no âmbito do JEC na ação reparatória civil decorrente de acidente de trânsito, considerando-se que não temos uma sentença condenatória, senão apenas homologatória da barganha do autor do fato com o MP.
VA servidora22/11/2012 4:02
VVVV