Contrato seguro. Infortúnio. Cargas roubadas. Ressarcimento.

Sentença Civil. Colaboração do Dr. Clésio Rômulo Carrilho Rosa, Juiz de Direito da 17ª Vara Cível da Comarca de Salvador - Bahia.

Fonte: Clésio Rômulo Carrilho Rosa

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Clésio Rômulo Carrilho Rosa ( * )

JUÍZO DE DIREITO DA 17.ª VARA CÍVEL

COMARCA DO SALVADOR

PROC. N.º 7.903.002/00 - AÇÃO ORDINÁRIA

AUTORA: VINESSA TRANSPORTES DE CARGA LTDA.

RÉ: SULAMÉRICA COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS

ADV. AUTORA: Dr. CIRO ROCHA SOARES E OUTROS

ADV. RÉ: Dra. SUZANA MAGALHÃES E OUTROS

SENTENÇA

Vistos, etc...

VINESSA TRANSPORTES DE CARGAS LTDA, pessoa jurídica de direito privado, por um de seus advogados, ajuizou, perante este Juízo, AÇÃO ORDINÁRIA contra SULAMÉRICA COMPANHIA DE SEGUROS S/A, também pessoa jurídica de direito privado, aduzindo, inicialmente, que "A autora vem a ser uma Empresa de Transportes Rodoviários regularmente constituída, com seus atos devidamente registrados na Junta Comercial do Estado da Bahia, atuando no ramo de transporte de cargas, mantendo ao longo de sua existência excelente relacionamento comercial com seus clientes, parceiros e fornecedores, arcando sempre com todos os seus compromissos rigorosamente em dia, não tendo deixado, jamais, de adimplir com as suas responsabilidades de qualquer ordem, quer fiscal, quer comercial" (sic - fl. 03).

Afirmou, mais adiante, que teria firmado contrato seguro com a acionada, "(...) o qual, ao longo do tempo, sofreu sucessivos endossos, tendo a Autora cumprido, sempre, suas obrigações contratuais (...)" (sic - fl. 03), com o objeto, em síntese, de reparar eventuais infortúnios ocorridos no exercício da atividade empresarial da autora, no transporte de cargas diversas.

Não obstante isto, ponderou a demandante que ocorrera em dado momento um infortúnio, no qual foram abordados caminhões de propriedade da autora e roubadas cargas ora transportadas, a resultar em um prejuízo da ordem de R$ 174.238,40 (cento e setenta e quatro mil duzentos e trinta e oito reais e quarenta centavos), cuja quantia a suplicada se nega a ressarcir, em descumprimento às disposições contratuais pactuadas.

Apontado dispositivos legais, declinando exposições doutrinárias e invocando precedentes jurisprudenciais, afirmou a demandante, em síntese, que remanesceria a obrigação da demandada em ressarcir os danos suportados, na esfera moral, na medida em que teria sido divulgada no segmento comercial da autora a impressão ou imagem segundo a qual não teria, a suplicante, condições de preservar e reparar as cargas por si transportadas.

Requereu, mais, fosse condenada a demandada no pagamento de indenização equivalente às perdas e danos decorrentes de sua conduta, consistentes na diminuição de seus negócios.

Finalmente, requereu fosse condenada a acionada no pagamento da quantia equivalente a R$ 174.238,40 (cento e setenta e quatro mil duzentos e trinta e oito reais e quarenta centavos), devidamente corrigidos e acrescidos dos juros de mora, a título de indenização estabelecida no próprio contrato de seguro, havendo a parte ré que suportar, ainda, o custeio das despesas processuais e honorários advocatícios.

Instruiu a peça inicial com os documentos de fls. 34/130.

Regularmente citada, veio a empresa acionada, às fls. 141/167, oferecer sua contestação, rebatendo, integralmente, a tese disposta na inicial, sob a alegação inicial de que não teriam sido informadas ou averbadas as mercadorias então transportadas pela acionante, com a indicação expressa de seus respectivos valores.

Neste sentido, alegando que não teria se efetivado a boa-fé por parte da segurada, não estaria a seguradora obrigada a adimplir à cobertura contratual.

No que se refere aos supostos danos morais, esclareceu a acionada que estaria agindo de forma lícita, inexistindo, portanto, o eventual nexo de causalidade entre a lesão suportada e a conduta da suplicada.

Finalmente, no que se refere ao pedido de indenização a título de perdas e danos, reiterando argumentos sustentados em relação ao nexo de causalidade da conduta e invocando exposições doutrinárias e precedentes jurisprudenciais, tudo de sorte a demonstrar a inexistência de obrigação de reparar a suposta lesão reportada.

Ademais, alegou a demandada que inexistiriam provas bastantes a demonstrar a eventual ocorrência das perdas e autorizar a fixação indenizatória, se afigurando impossível juridicamente o pedido formulado a tal título, motivo pelo qual deveria ser julgada inteiramente improcedente a ação intentada.

Já em réplica, veio a demandante, às fls. 173/175, rebater todos os fundamentos sustentados a título de defesa, declarando, de início, que não teriam sido colacionados pela demandada quaisquer documentos comprobatórios da eventual ausência de averbação das mercadorias transportadas.

No mais, afirmou que a notícia do sinistro se deu na forma contratualmente estabelecida, tendo o pleito indenizatório de caráter moral sido escorado na inteligência emanada do art. 159 do Código Civil de 1916.

Finalmente, em relação ao pedido de indenização das perdas e danos, ponderou que os balancetes da empresa autora faziam prova bastante do quanto alegado, não tendo sido impugnados pela ré no momento oportuno.

Reiterou, assim, os pedidos declinados na exordial.

Designada audiência de conciliação, cujo termo seguiu à fl. 177, restou infrutífera a tentativa conciliatória, tendo sido deferida a produção de prova pericial.

Apresentados os quesitos pelas partes, às fls. 181/182 e 184, procedeu-se a intimação do Sr. Perito, o qual requereu, à fl. 193, sua substituição por motivos de saúde.

Nomeado novo Perito, à fl. 211, foi apresentado o respectivo laudo técnico às fls. 212/218, tendo as partes sido regularmente intimadas do mesmo à fl. 221.

Às fls. 230/232, a demandante veio aos autos formular pedido de antecipação da tutela jurisdicional perseguida, com respaldo no art. 273, I, do Código Instrumental, por entender que a quantia indicada na vestibular, regularmente corrigida para o montante de R$ 268.244,91 (duzentos e sessenta e oito mil duzentos e quarenta e quatro reais e noventa e um centavos), se afigurava incontroversa.

Designada audiência de instrução e julgamento, cujo termo seguiu à fl. 236, este Juízo determinou a intimação regular de ambos os litigantes para se manifestarem sobre o laudo pericial apresentado, tendo este Juízo indeferido o pedido de antecipação da tutela jurisdicional consignado pela suplicante.

Às fls. 259/260, a suplicante, chamando o feito à ordem, requereu a revogação dos atos decisórios realizados em audiência, na medida em que os litigantes houveram sido regularmente intimados.

Reiterou, na oportunidade, o pedido de antecipação da tutela jurisdicional, porque presentes os requisitos autorizadores para tanto.

Mais adiante, a suplicada, às fls. 262/268, veio se manifestar sobre o laudo pericial apresentado, colacionando os documentos de fls. 269/323, impugnando as conclusões do trabalho apresentado, bem assim requerendo a expedição de ofício à OPP Polietilenos, para que esta viesse apresentar notas fiscais relacionadas pela suplicada.

Às fls. 328/330, este Juízo, revisando seu posicionamento inicial, deferiu os pedidos formulados pela suplicante, no que tange ao desentranhamento da peça de fls. 262/268, bem como os documentos a ela acostados, de fls. 269/323.

No ensejo, foi deferida, ainda, a tutela antecipada pleiteada, na forma reivindicada pelo demandante.

Às fls. 334/352, a parte acionada acostou cópia do recurso de agravo de instrumento interposto em face da decisão que antecipou parcela da tutela jurisdicional pretendida.

Designada audiência de instrução e julgamento, cujo termo seguiu às fls. 331/332, foi encerrada a fase probatória, tendo a demandada, mais uma vez, interposto recurso de agravo, de fls. 354/359, protestando pelo prosseguimento da instrução.

À fl. 360, foi acostado termo de audiência na qual fora realizada a entrega dos memoriais pelas partes, às fls. 382/386 e fls. 388/398.

Logo adiante, evoluindo em seu entendimento, este Juízo, às fls. 400/401, ao se manifestar acerca do recurso de agravo de instrumento interposto pela requerida, exerceu o Juízo previsto no art. 526 do Código Instrumental, revogando a medida antecipatória da tutela jurisdicional concedida anteriormente, decisão esta que foi objeto de embargos declaratórios, por parte da requerente, às fls. 405/410, apontando a existência de vícios que autorizavam a reforma do decisum.

Exercido o contraditório pela suplicada, às fls. 415/425, este Juízo ao decidir os embargos declaratórios manejados, às fls. 428/430, imprimiu efeitos modificativos ao recurso, restabelecendo a medida antecipatória da tutela jurisdicional, a qual foi cumprida pela acionada às fls. 433/434.

Interposto, de sua parte, novo recurso de agravo de instrumento pela demandada, às fls. 436/467, foi atribuído efeito suspensivo ao recurso, consoante demonstra a decisão de fls. 471/482.

Já às fls. 539/544, este Juízo acolheu agravo retido interposto pela demandada às fls. 354/359, que se encontrava até então pendente de apreciação, reabrindo a fase de instrução e determinado a citação da empresa OPP Polietilenos S/A para fornecer os documentos reivindicados pela suplicada.

Todavia, à fl. 547 foi certificado que a parte ré não recolheu, em tempo, as custas processuais relativas à produção da prova reivindicada.

Às fls. 549/552, a demandante formulou novo pedido de antecipação da tutela jurisdicional perseguida, acompanhada dos documentos de fls. 553/601, tendo a intimada sido intimada à fl. 602 para exercício do contraditório, que foi realizado às fls. 603/614.

Finalmente, este Juízo, entendendo presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, deferiu medida liminar, na forma prevista no art. 273, § 7º, do Código de Processo Civil, para determinar o bloqueio da quantia reivindicada pela suplicante na vestibular.

Após, vieram-me os autos conclusos.

TUDO DEVIDAMENTE BEM EXAMINADO, É O RELATÓRIO.

PASSO A DECIDIR:


Preliminarmente, há que se ter em conta que presentes se encontram as condições da ação, havendo que ser afastada a alegação de impossibilidade jurídica do pedido indenizatório formulado a título de reparação por perdas e danos, porque respaldado na legislação vigente e em precedentes jurisprudenciais em casos semelhantes.

Nada a sanear, com a preclusão consumativa da possibilidade de produção da prova reivindicada às fls. 354/359 pela demandada, impõe-se o julgamento do feito, haja vista a conclusão da fase probatória e oferecimento de memoriais pelos litigantes.

Pois bem, da análise dos autos, se observa que a empresa demandante, entre os documentos juntados às fls. 34/130, acostou a apólice do seguro, demonstrando a existência do respectivo contrato, na forma preconizada no art. 758 do Código Civil vigente.

Art. 758. O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio.

Pela síntese dos dispositivos consignados na apólice, vale dizer que a empresa suplicada se comprometeu a ressarcir eventuais prejuízos ou danos que porventura a suplicante viesse a suportar, no exercício de suas atividades comerciais de transporte de cargas diversas.

Ora, é imperioso ter em conta que, desde a vigência da lei anterior, o legislador ordinário previu a extensão que deveria ser imposta ao contrato de seguro por dano, ex vi do art. 1461 do Código Civil de 1916, o qual foi recepcionado, de sua parte, pelo art. 779 do atual Estatuto Civil.

Art. 1461. Salvo expressa restrição na apólice, o risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou conseqüentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa.

Art. 779. O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou conseqüentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa.

De outro lado, não logrou êxito a empresa suplicada em demonstrar a eventual má-fé da suplicante, enquanto segurada, decorrente da eventual omissão na comunicação à seguradora de incidentes que pudessem agravar o risco coberto ou majorar o valor da reparação.

Como se vê, a acionada não adimpliu com o munus probatório previsto no art. 333, II, do Código de Processo Civil, não havendo alternativa, na hipótese, senão reconhecer a boa-fé de conduta da acionante.

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Em relação ao princípio do contraditório e ao ônus da prova inerente às partes, o renomado mestre Francesco Carnelutti, em sua obra "Como se faz um Processo", Belo Horizonte, Líder Cultura Jurídica, 2002, pg. 68, lecionou:

"Daí a conveniência de que as partes sejam estimuladas a colaborar com o juiz, fornecendo-lhe razão de prova, o que se obtém por meio da proibição ao juiz de buscá-la por si próprio; então, a parte, posto que corre o risco de deixar se levar por sua própria dinâmica, tem de se esmerar em proporcionar ao juiz os meios necessários para que se lhe dê razão. Assim sendo, o interesse das partes converte-se em obrigação, no sentido de que se a parte não oferecer uma prova ou uma razão suportará o dano de que o juiz não possa levá-la em consideração" (sic).

Ao revés do quanto sustentado, portanto, pela suplicada, a suplicante operou a notificação do sinistro à seguradora, no prazo preconizado na apólice de seguro, inclusive com notificação extrajudicial que se encontra acostada aos documentos que instruíram a inicial, tudo na forma prevista no art. 1457 do Código Civil de 1916 (art. 771 do Código Civil de 2002).

Art. 1457. Verificado o sinistro, o segurado, logo que o saiba, comunica-lo-á ao segurador.

Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências.

De tudo se conclui, portanto, que regular se encontrava o contrato de seguro firmado entre os litigantes, sendo imperiosa a obrigação de adimplir ao quanto pactuado na apólice, notadamente em relação à indenização das mercadorias que ora estavam sendo transportadas pela demandante.

Neste compasso, não tendo sido produzidos elementos probatórios bastantes a desconstituir a tese disposta na inicial, em relação especialmente ao quantum equivalente às mercadorias transportadas pela autora, a ré haverá de suportar o montante pecuniário reivindicado, tanto mais porque não foi apresentado qualquer elemento modificativo ou extintivo do direito da suplicante.

O Egrégio Tribunal de Justiça da Bahia, em relação à vinculação e obrigatoriedade do contrato de seguro e o ônus probatório da seguradora, tem assim se posicionado:

AÇÃO INDENIZATÓRIA - CONTRATO DE SEGURO - O contrato de seguro se destina a garantir ao segurado o ressarcimento de prejuízo que venha a sofrer em seu patrimônio, caso ocorra a hipótese nele prevista. Ou seja, assume a seguradora o risco de indenizar um dano em potencial. A regra, nos contratos de seguro, é que a seguradora possui o dever de pagar a cobertura prevista quando se efetivar o dano, sendo seu o ônus de provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, de conformidade com o disposto no artigo 333, inciso II, do Código de Processo Civil, para se ver desonerada do dever de indenizar. Não conhecimento do apelo do autor. Improvimento do recurso da parte ré. (TJBA - AC 20.551-2/2005 - (11.459) - 4ª C.Cív. - Rel. Des. João Pinheiro - J. 23.11.2005).

* * *

APELAÇÃO CÍVEL -
Ação de indenização por danos materiais e morais. Rito adotado nos juizados especiais não permite a dilação probatória. Livre apreciação da prova pelo juiz encontra amparo na Lei. Agravo retido improvido. No mérito, comprovada a adimplência da parcela referente ao contrato de seguro avençado a responsabilidade de indenizar da seguradora, é evidente. Recurso improvido. "Sendo o juiz o destinatário da prova, somente a ele cumpre aferir sobre a necessidade ou não de sua realização". (TFR-5ª turma, AG 51.774-MG, Rel. Min. Geraldo sobral. DJU 15/05/89). (TJBA - AC 43545-4/04 - (11.446) - 4ª C.Cív. - Rel. Juiz Antonio Pessoa Cardoso - J. 18.05.2005).

Vistas tais premissas, observa-se que admissível e pertinente se afigura o pedido de condenação da demandada no pagamento da quantia de R$ 268.244,91 (duzentos e sessenta e oito mil duzentos e quarenta e quatro reais e noventa e um centavos), visto que tal montante seria equivalente ao ressarcimento das cargas roubadas por terceiros em prejuízo da suplicante.

A obrigação, de sua parte, encontra respaldo não só nos termos da apólice celebrada, como no art. 1461 do Código Civil de 1916, recepcionado pelo art. 779 do atual Estatuto Civil, ambos já transcritos em linhas anteriores.

De igual forma, a obrigação imposta ao segurador, no caso de tal estirpe de responsabilidade, é prevista no art. 776 do atual Código Civil (art. 1458 do Código Civil de 1916) c/c o art. 787 do Estatuto Civil de 2002.

Art. 776. O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido, salvo se convencionada a reposição da coisa.

Art. 1458. O segurador é obrigado a pagar em dinheiro o prejuízo resultante do risco assumido e, conforme as circunstâncias, o valor total da coisa segura.

* * *
Art. 787.
No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.

Seja como for, sob todas as óticas se conclui que inconteste se apresenta a obrigação da suplicada em reparar, custear ou indenizar o valor equivalente às mercadorias objeto de assalto realizado por terceiros em prejuízo da empresa suplicante.

Em situações semelhantes, a jurisprudência tem sido enfática ao determinar que "(...) deve a seguradora pagar a respectiva indenização se a carga, objeto do seguro, não chegou ao seu destino em razão de furto, uma vez que a interpretação das cláusulas contratuais deve ser em favor do consumidor (...)" (TJAP - AC 2514/05 - Rel. Des. Gilberto Pinheiro - 22.11.2005).

AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO DE TRANSPORTE AÉREO - EXTRAVIO DE EQUIPAMENTO MÉDICO UTILIZADO PARA REALIZAÇÃO DE EXAMES DE FLUXOMETRIA E URODINÂMICA - RELAÇÃO DE CONSUMO - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - RESPONSABILIDADE - OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR OS LUCROS CESSANTES - DENUNCIAÇÃO DA LIDE À EMPRESA SEGURADORA - 1 - Não obstante serem as partes pessoas jurídicas, reconhece-se entre ambas uma relação de consumo, porquanto objeto do contrato firmado entre as mesmas não é a aquisição do aparelho médico em si, tampouco sua utilização, mas sim seu transporte para o local indicado, sendo a empresa autora a destinatária final da prestação regularmente contratada com a empresa ré, qual seja, o serviço de transporte de equipamento. 2 - Prevalecem as disposições do Código de Defesa do Consumidor em relação à convenção de varsóvia, derrogando-se os preceitos desta que estabelecem a limitação da responsabilidade das empresas de transporte aéreo. 3 - Nos termos do art. 14 do CDC, "o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços", salvo se provado que o defeito na prestação do serviço inexiste ou que o dano se deu por culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros, hipótese de que não trata os autos. 4 - O quantum devido a título de lucros cessantes deve ser apurado em liquidação de sentença, tomando-se por fundamento a medida do faturamento obtido decorrente, exclusivamente, da realização de exames da urodinâmica e fluxometria. 5 - Tendo em vista o contrato de seguro firmado entre a empresa de transporte aéreo e a empresa seguradora, prevendo a obrigação desta em reembolsar aquela em face de incidentes relativos a transporte de carga, abrangendo-se aí a indenização por lucros cessantes devidos enquanto o equipamento permaneceu extraviado, procede a denunciação da lide à seguradora, que deverá pagar à denunciante, caso esta opte pela utilização do seu direito securitário, os danos em que foi condenada. 6 - Recurso provido em parte, apenas para acolher a denunciação da lide. (TJDF - APC 20000110512757 - 3ª T.Cív. - Rel. Des. Vasquez Cruxên - DJU 03.05.2005 - p. 135; grifos nossos).

A partir daqui, vislumbra-se que, agindo a demandada em evidente conduta contra legem, a mesma acabou por incorrer na prática de ato ilícito, na forma discriminada no art. 159 do Código Civil de 1916 (art. 186 do Código Civil vigente):

Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Por conseguinte, sendo o ato ilícito o elemento propulsor da incidência de lesão em prejuízo da empresa demandante, há que se apontar a obrigação indenizatória, conforme previsto no art. 927 do atual Código Civil (art. 159 do Código Civil de 1916).

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

E a lesão suportada pela autora, no caso dos autos, decorreu da repercussão negativa sobre sua imagem projetada pelo atraso na reparação dos danos a terceiros (clientes) ocorridos por força do assalto referenciado na vestibular.

Tanto procede a argumentação indicada, que o laudo pericial produzido às fls. 212/218, em suas conclusões e respostas aos quesitos apresentados, aponta claramente que ocorrera uma queda no faturamento da demandante, evidenciado após o período que envolveu o infortúnio e a negativa de quitação do seguro pela demandada.

Frise-se, porque oportuno, que tal prejuízo foi aferido, conceituado e quantificado por técnico designado por este Juízo, não tendo sido objeto de impugnação tempestiva das partes, uma vez que estas, à fl. 221, foram regularmente intimadas.

Ademais, conforme já consignado no relatório deste julgado, às fls. 328/330, este Juízo deferiu pedido formulado pela suplicante, no que tange ao desentranhamento da peça de fls. 262/268, bem como os documentos a ela acostados, de fls. 269/323, que se constituíam em manifestação tardia da suplicada sobre o laudo pericial juntado aos autos.

Anote-se, aqui, que se encontra defeso este Juízo a reapreciar as questões processuais já desatadas, por força da vigência do art. 471 c/c o art. 473, ambos do Código de Processo Civil.

Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo:

Art. 473. É defeso a parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão.

Assim sendo, imprestáveis se afiguram a peça de fls. 262/268, bem como os documentos a ela acostados, de fls. 269/323, por se tratarem de manifestação tardia da demandada, cujo desentranhamento dos autos já foi determinado.

Não havendo irresignação robusta, portanto, no tocante à prova pericial produzida, há que se reconhecer a existência e extensão da lesão material apontada, de repercussão na esfera moral, impondo-se a condenação da acionada, em primeiro lugar, no pagamento da quantia R$ 991.466,88 (novecentos e noventa e um mil quatrocentos e sessenta e seis reais e oitenta e oito centavos), equivalente ao quantum apurado no opinativo técnico tantas vezes referenciado em relação aos lucros cessantes.

O entendimento jurisprudencial, sobre o tema, de forma sucinta preconiza:

COBRANÇA - SEGURO - AGRAVAMENTO DE RISCO EM DECORRÊNCIA DE ATO DE TERCEIRO - FATO QUE NÃO ELIDE A RESPONSABILIDADE CONTRATUAL - ÀLEA NATURAL DA OBRIGAÇÃO - INDENIZAÇÃO DEVIDA - (...) LUCROS CESSANTES - NECESSIDADE DE PROVA EFETIVA - PROVIMENTO NEGADO - Não merece reforma a sentença de primeiro grau, que diante da comprovação de existência de lucros cessantes, fundadas em bases seguras e plausíveis, impõe a seguradora a obrigação de indenizar o que segurado deixou de ganhar. (...) (TJMS - AC-O 2004.014541-6/0000-00 - Nova Andradina - 4ª T.Cív. - Rel. Des. Elpídio Helvécio Chaves Martins - J. 06.12.2005).

Por outro lado, em consonância também com o art. 5º, V, da Magna Carta, deverá a acionada suportar ainda indenização a título eminentemente moral, na alçada ora fixada de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a qual se afigura bastante para reparar moderadamente a lesão suportada pela acionante, com equivalência e proporcionalidade à estirpe do dano e ao potencial econômico das partes envolvidas.

Art. 5º...........................................................

V -
é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

Alternativa, como se vê, não resta senão julgar procedente a ação ordinária intentada, confirmando-se integralmente os efeitos da medida antecipatória concedida, sendo a demandada condenada no pagamento das parcelas indenizatórias antes declinadas, acrescidas das despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados na monta de 20% (vinte por cento) sobre o total devido e a ser pago pela requerida.

DO EXPOSTO,

JULGO PROCEDENTES
os pedidos declinados na vestibular, confirmando os efeitos da medida antecipatória anteriormente concedida por este Juízo, e, por via de conseqüência, condeno a empresa demandada no pagamento da quantia de R$ 268.244,91 (duzentos e sessenta e oito mil duzentos e quarenta e quatro reais e noventa e um centavos), equivalentes à indenização prevista no contrato de seguro firmado entre os litigantes para ressarcimento do objeto segurado.

Condeno, mais, a demandada no pagamento de indenização, a título exclusivamente de danos morais, na alçada de R$ 100.000,00 (cem mil reais), no intuito de possibilitar a reparação da lesão suportada sobre o bom nome e reputação profissional da empresa autora.

Condeno, também, a acionada no pagamento de indenização material, a título de reparação das perdas e danos, bem como lucros cessantes, no montante arbitrado pelo laudo produzido às fls. 212/218, ou seja, R$ 991.466,88 (novecentos e noventa e um mil quatrocentos e sessenta e seis reais e oitenta e oito centavos), sobre os quais haverão de incidir, ainda, a devida atualização monetária, pelo índice INPC, desde o termo final da apuração pericial, acrescida dos juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação, tudo a ser regularmente apurado quando da liquidação do julgado.

Por fim, condeno a acionada no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados na alçada de 20% (vinte por cento) sobre o total devido e a ser pago pela demandada.

PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIMEM-SE.

Salvador, 22 de Setembro de 2006.

CLÉSIO RÔMULO CARRILHO ROSA
JUIZ DE DIREITO


Notas:

* Colaboração do Dr. Clésio Rômulo Carrilho Rosa, Juiz de Direito da 17ª Vara Cível da Comarca de Salvador - Bahia. [ Voltar ]

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2 Comentários

EMERSON TAVARES gerente de transporte27/03/2012 20:10 Responder

MUITO INTERESSANTE A DECISÃO DO JUIZ

dudu advogado09/07/2013 11:42 Responder

dudu

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