Constituição e investigação criminal

Entendem que a questão deve ser resolvida com o respeito estrito à Constituição, nos termos de seus artigos 129 e 144.

Fonte: Folha de S. Paulo

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No início de fevereiro, vários institutos científicos de estudo e desenvolvimento das ciências jurídicas, reunidos em São Paulo, na sede do IBCCrim, manifestaram preocupação quanto à pretensão de poderes investigativos exclusivos do Ministério Público na esfera criminal. Entendem que a questão deve ser resolvida com o respeito estrito à Constituição, nos termos de seus artigos 129 e 144.

Nessas normas, emerge claro que ao Ministério Público não foram atribuídos poderes para conduzir privada e diretamente investigação no âmbito criminal. A ele cabe o controle externo da atividade policial e requisições de diligências em inquéritos policiais, enquanto à Polícia Civil (federal e estadual), em sua função de polícia judiciária, cabe instaurar e realizar inquéritos policiais para a investigação dos crimes.

A segurança pública, segundo a Constituição (art. 144, caput), é bem jurídico de que participam todos os membros da comunhão social. É um equívoco acreditar que a investigação, se levada a efeito pelo Ministério Público, reduzirá a criminalidade ou ainda que será realizada de forma mais eficaz do que aquela efetuada pelas polícias. Na realidade, diante do que dispõe a Constituição, o Ministério Público possui atribuições suficientes para dinamizar os inquéritos policiais, não só por meio do efetivo controle externo da atividade policial, como também por requisição de diligências. O trabalho conjunto das polícias e do ministério é eficiente e produz excelentes resultados.

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O que se pretende é que o Ministério Público efetivamente desempenhe suas atribuições, sem subvertê-las
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Não se pode negar a responsabilidade do Ministério Público no que tange à demora e ineficácia dos inquéritos policiais. Todos sabem que o inquérito policial, periodicamente, é enviado ao Ministério Público para "controle da atividade policial" e "requisição de diligências investigatórias" (art. 129, incisos VII e VIII, respectivamente, da Constituição). Se o inquérito demora e é ineficaz, é porque o Ministério Público, que o controla e nele faz requisições, é tolerante ou permissivo de sua letargia e ineficiência. É o ministério quem deve ditar as regras de seu desenvolvimento. E, se este não se dá a contento, não podem os desvios ou atrasos ser imputados apenas à polícia.

Além disso, o Ministério Público não afirma querer abarcar todos os casos de investigação criminal hoje afetos à polícia, uma vez que é irrefutável sua falta de estrutura para tal. Haveria uma "escolha" de casos mais relevantes. Essa postura, de assunção apenas do que lhe interessar, aumenta e agrava o risco de deturpação do sistema investigativo policial traçado na Constituição.

Além das razões políticas, casuísticas e eleitoreiras, essa seletividade criará três problemas insolúveis, críticos e de raiz: a) quem definirá a relevância do caso e quais os critérios de definição dessa relevância, sendo possível a suposição de que o critério não será certamente do bem jurídico e da natureza, gravidade e extensão da lesão às vítimas, mas sim o critério da repercussão dos fatos nos meios de comunicação; b) com base na crença de que há crimes mais relevantes que outros, concluir-se-á que à polícia caberá investigar apenas os menos relevantes e, portanto, será gerado um descrédito da instituição policial por parte de todos; c) essa polícia desacreditada, desestimulada e com poucos recursos estruturais não conseguirá cumprir seu papel investigativo.

Novamente, será a população mais carente que pagará pelo erro de perspectiva de nossas instituições.

Em verdade, estamos cientes de que a almejada eficiência na investigação só poderá ser atingida com a valorização da atividade policial-investigativa, que decorre de cooperação entre todas as instituições envolvidas, com destaque ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à advocacia e à defensoria pública.

Também não procede o argumento de que as polícias não têm independência suficiente para investigar certos delitos, por sua subordinação ao Poder Executivo, sendo mais adequada a investigação desses casos pelo Ministério Público. Os adeptos de tal posição esquecem-se de que pode haver ingerência do Executivo na própria cúpula do Ministério Público: os procuradores-gerais de Justiça são nomeados pelos governadores. Ademais, não há critérios pré-estabelecidos para assegurar que o promotor natural efetuará as investigações até o seu término. Conjunturas políticas podem determinar a escolha de quem conduzirá uma investigação no âmbito do ministério e, ainda, seu afastamento.

Entretanto é importante esclarecer que a ninguém interessa que o Ministério Público seja um "mero despachante" ou "repassador de provas" em relação às polícias. O que se pretende é que, nos limites constitucionais, o Ministério Público efetivamente desempenhe suas atribuições, sem subvertê-las. A questão posta parece se resumir à cooperação. Entre as instituições constitucionais não reside uma "relação de mando", mas de cooperação.

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Marco Antonio Rodrigues Nahum, 59, juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, é o presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).

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