Concorrência em desuso

Responsáveis pela análise dos contratos, os técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) que o digam.

Fonte: Jornal O Globo

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Idealizado como instrumento de moralidade, o modelo brasileiro de concorrência pública para compras e contratações feitas pelo governo está caindo em desuso, ou, em alguns casos, sendo burlado. Ano passado, 51% das compras do governo federal, todas elas licitáveis, foram realizadas sem licitação, consumindo R$ 6,6 bilhões de um total de R$ 13,1 bilhões. Em 2001 e 2002 ? dois últimos anos de governo de Fernando Henrique Cardoso ? esse percentual já beirava a metade das despesas, sendo de 48% dos gastos com material de consumo, diárias, passagens, obras e instalações, mão-de-obra e serviços de pessoa jurídica.

Como um processo de licitação (a concorrência) chega a exigir mais seis meses, a dispensa pode ser um atalho na administração pública. Mas sem exageros. Num hospital do Rio, por exemplo, o fato de uma trava de segurança para um arquivo deslizante ser automática ? e não manual ? justificou a inexigibilidade de licitação num contrato de R$ 13,7 milhões por notória especialização. E não são raras as dispensas amparadas em calamidade pública para obras que ainda hoje não estão concluídas.

Responsáveis pela análise dos contratos, os técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) que o digam.

? A Lei de Licitações (8.666) é de 1993. Como, à época, a preocupação era com a forma, não interessando o tempo, ela está desatualizada. Agora, o problema é que, em vez de modernizar a 8.666, ficam forçando interpretações e buscando brechas ? avalia o procurador-geral do TCU, Lucas Furtado.

Segundo a assessoria do Planejamento, os ministérios obedecem à Lei de Licitações, sendo cada um responsável por seus contratos perante o TCU, responsável pela fiscalização.

Leilões eletrônicos ganham espaço

A tentativa de contornar o processo de licitação está expressa nos números do próprio governo federal. A cada ano, cai o volume de compras feitas por meio de concorrência. Criada para obras com orçamento superior a R$ 1,5 milhão e serviços de no mínimo R$ 650 mil, essa modalidade ? que requer um mês só para a validação do edital ? chegava a representar 37% dos gastos licitáveis em 2001 (R$ 5,2 bilhões). Esse índice baixou para 34% (R$ 4,4 bilhões) em 2002, chegando a 27% (R$ 3,545 bilhões), em 2003.

Os primeiros dois meses do ano confirmam essa tendência. Dos R$ 425,5 milhões destinados às compras de janeiro e fevereiro, apenas R$ 75,1 milhões (18%) foram objeto de concorrência. No primeiro bimestre de 2003, quando as compras somavam R$ 419,9 milhões, as despesas em processo de concorrência eram quase o dobro: R$ 142,9 milhões.

O crescente sucesso dos pregões ? leilões eletrônicos com prazo de oito dias para produtos sem maior sofisticação ? é a prova desse drible. Em 2001, essa modalidade só correspondia a 4% dos gastos governamentais licitáveis, sendo de R$ 544,3 milhões. Em 2003, o volume de gastos via pregão foi de R$ 1,7 bilhão, 13% de todas as despesas licitáveis. Agora, nos primeiros dois meses do ano, já chega a 32% das compras: R$ 134,1 milhões contra os R$ 48,8 milhões do primeiro bimestre de 2003.

Mas, segundo os números do próprio governo, a dispensa de licitação e a inexigibilidade continuam sendo os principais recursos na administração pública. Tanto em 2001 como em 2002, significaram 48% dos gastos, respectivamente R$ 6,950 bilhões e R$ 6,204 bilhões.

Esses números foram objeto de estudo do Instituto Licitus, criado por empresários interessados em garantir um pressuposto da Lei das Licitações: a igualdade de oportunidade aos concorrentes num processo público. Segundo o diretor-executivo do Licitus, Léo Voight, o que preocupa é o excesso de licitações feitas sob encomenda para um fornecedor, chamadas de direcionadas.

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