Collor e o mito de fênix

Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga. E-mail: mlucia@sercomtel.com.br

Fonte: Maria Lucia Victor Barbosa

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Maria Lucia Victor Barbosa ( * )

Dizem que somos um povo desmemoriado. Pode ser. De minha parte, para que o esquecimento não me faça injusta ou tola, escrevo, porque ?a palavra voa, mas a escrita permanece?. E vendo e ouvindo na tarde de 15 de março, o ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello a discursar em plenário, voltei atrás algumas páginas da história que tive o cuidado de registrar em um dos meus livros, já esgotado: ?América Latina ? em busca do Paraíso Perdido? (São Paulo, Editora Saraiva, 1995). Creio que vale a pena tentar sintetizar nesse pequeno artigo o que no livro foi bem mais aprofundado.

Em 1989 assistia-se ao final do governo Sarney, onde, conforme expressão do sociólogo Hélio Jaguaribe, era evidente a ?canibalização do Estado brasileiro?. Essa situação vinha à tona através da imprensa, que, destacando as performances dos poderes Executivo e Legislativo, colaborava para a formação de uma opinião pública capaz de vincular à classe política, de modo geral, antivalores como desonestidade, irresponsabilidade, corrupção, parasitismo e incompetência. E foi nesse quadro, depois de quase trinta anos sem eleições diretas para presidente, que se processou a campanha para a escolha do mais alto mandatário da Nação.

Entre os excessivos candidatos ? excesso permitido por uma legislação pródiga em liberalidades para a formação de partidos ? estavam Fernando Collor de Mello, do Partido da Reconstrução Nacional (PRN) e Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT).

Collor obteve mais votos no primeiro turno. No segundo turno, em dia 17 de dezembro, Lula beijou a cédula na hora de votar, fez declarações de vitória e partiu num helicóptero para longe do nervosismo das apurações. Nas ruas, seus eleitores e adeptos festejaram prematuramente, sacudindo as bandeiras vermelhas e emitindo o grito de guerra: ?Lulalá?.

Em breve, porém, se faria o luto petista. Collor obteve 35.089.998 votos (42,75%) e Lula , 31.076.364 (37,86). A vitória ficou com o ?caçador de marajás?, aquele que prometera derrubar a inflação com um só tiro. O moço das Alagoas havia encarnado o sonho e a esperança, e a sorte estava lançada na democracia de massas em que se convertera o país.

Ao tomar posse Collor encontrou pela frente um pesadelo chamado Brasil. A inflação, herdada do catastrófico governo Sarney atingira uma taxa anual de 12.874%, com previsões de ascender para 56.000% ao ano. A desmoralizante dívida externa era de US$ 27 bilhões. O serviço público ineficiente deveria consumir entre 60% a 80% da receita disponível. A educação precária apontava para trinta milhões de analfabetos e de cada duas crianças que entravam na escola, uma era reprovada no primeiro ano. A saúde mostrava um Brasil doente, pois de cada mil crianças que nasciam, sessenta e cinco morriam antes de completar um ano de vida. O déficit habitacional já atingia dez milhões de moradias.

Para enfrentar problemas dessa magnitude Collor tomou medidas impopulares. Com isso bateu de frente com a CUT que passou a organizar seguidas greves. Chamou a elite de empresários de arcaica e angariou sua animosidade. Não fez conchavos no Congresso nem comprou seus membros. Enfrentou inúmeros escândalos que atingiram o Executivo e o Legislativo.

O presidente, então, renovou seu ministério, que poderia ter sido o melhor havido no país. Anunciou novas medidas econômicas, precursoras do Plano Real, mas um fato aleatório o fez sucumbir antes de tentar mudar o rumo de sua gestão: a entrevista à Veja, dada por seu irmão Pedro, em maio de 1992. Pedro acusou Paulo César Cavalcanti Farias ? tesoureiro da campanha presidencial de Collor ? de exercer atividades ilícitas no governo.

Isso interessava a muitos políticos e Luiz Inácio, que desde a derrota tinha acessos de revanchismo, levantou a idéia do impeachment. O julgamento pelo Congresso pela primeira vez foi rápido. Multidões tomadas por delírio cívico e lideradas pelas forças contrárias ao presidente foram às ruas gritar ?fora Collor?. Mesmo com a renúncia deste o julgamento prosseguiu no Senado, e o senador Pedro Simon gritou para seus pares: vamos adiante, senão, o que vão pensar de nós?.

Mais tarde o STF inocentou Collor, o que não impediu que ele ficasse fora da vida política como cassado. Muito tempo se passou e hoje a complacência popular com a corrupção, com os mega escândalos políticos, com a incompetência do governo e suas mentiras e falcatruas é total.

De todo modo, na tarde de 15 de março, quando todos seu algozes reconheceram que foram excessivos em seus julgamentos, Collor pareceu personificar o mito de Fênix ao renascer das cinzas. O PT que se cuide ou volte a abatê-lo em pleno vôo.


Notas:

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