Breve histórico da súmula vinculante

Adelson Cremonini do Nascimento, estudante do 10º Período do Curso de Direito da Unilinhares- Linhares-ES.

Fonte: Adelson Cremonini do Nascimento

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Adelson Cremonini do Nascimento ( * )

A súmula vinculante é um instrumento novo no Brasil, que nasceu com o objetivo de acelerar os processos judiciais, bem como os processos administrativos e, no mesmo sentido, uniformizar a jurisprudência constitucional.

Nesse prisma, destaca-se que sua instituição, pela Emenda Constitucional nº. 45/2004, corresponde à tentativa de adaptação do modelo do common law (stares decisis) para o sistema romano-germânico (civil law), adotado pelo Brasil.

Nesse entendimento, Moraes afirma que o legislador constituinte derivado foi buscar o modelo anglo-saxônico, stares decisis, da expressão stare decisis et quieta non movere (mantenha-se a decisão e não se perturbe o que foi decidido) para impedir desigualdades perpetradas por diferentes interpretações judiciais da mesma norma(1). Ressalva, no entanto, que EC nº 45 não transformou o sistema de civil law (adotado pelo Brasil) em common law, trata-se de mera tentativa.

O exemplo marcante da adoção do sistema common law são os Estados Unidos da América, em que as decisões da Corte Suprema são acatadas como regra por todo o sistema judiciário e pela administração pública. O Ministro Carlos Velloso, ao escrever sobre o tema, elogia o sistema norte-americano, afirmando que:

No sistema judicial norte-americano, que garante aos indivíduos, de modo amplo, a tutela jurisdicional, todos os Tribunais estão vinculados às decisões da Suprema Corte, nos casos em iguais estados de fato em que a decisão da Suprema Corte foi tomada. Isso, sem dúvida proporciona segurança jurídica(2).

Apesar da inserção das súmulas vinculantes no ordenamento jurídico pátrio só ter se materializado no ano de 2004 (regrada em 2007), idéias com conteúdo semelhante já foram objeto de discussão em meandros de 1876, época imperial, quando o Supremo Tribunal de Justiça passou a gozar da possibilidade de editar assentos com força de lei(3).

Segundo Moraes esses assentos com força de lei seriam adotados quando ocorressem dúvidas na execução de leis civis, comerciais e criminais manifestadas em julgamento divergentes do mesmo tribunal, das relações e dos juízes(4). Entretanto, tal instituto não foi utilizado até a proclamação da República.

O festejado Silva, nessa mesma linha, assevera que "esse é um velho tema recorrente toda vez que se cuida de reforma do Judiciário"(5).

O autor menciona, ainda, que no ano de 1843, José Thomaz Nabuco de Araújo apresentou um projeto conferindo ao mais alto tribunal do império - o Supremo Tribunal de Justiça -, o direito de julgar definitivamente as causas em que concedesse revista, porque, para ele, era uma anomalia, que os tribunais inferiores pudessem julgar, em matéria de direito, o contrário do que tinha decidido o primeiro tribunal do império.

Noutra vertente, Filho argumenta que a Justiça do Trabalho, em particular, viveu, no passado, uma experiência próxima à súmula vinculante. Trata-se dos prejulgados, cuja previsão está no art. 902, §1º da Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT - publicada no ano de 1943(6).

Ao seu entender, esse dispositivo legal conferia ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) a possibilidade de adotar os prejulgados, que deveriam ser respeitados pelos graus inferiores de jurisdição (Tribunais Regionais e Varas), possuindo, portanto, caráter normativo.

Arremata o referido autor, afirmando que em 05 de outubro de 1982, a Lei nº 7.033 revogou o art. 902, pondo fim, por essa forma, ao império dos prejulgados trabalhistas, que perdurou por quase 40 anos.

Ainda numa análise das raízes históricas da súmula vinculante evidencia-se a Lei nº. 8.038/90, que instituiu normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF).

A esse respeito, Nogueira explica que o art. 38 da precitada lei, permite ao relator, no STF ou no STJ, decidir o pedido ou o recurso que contrarie súmula do respectivo tribunal, nas questões predominantemente de direito. E, não obstante a inexistência de vinculação dos Ministros às sumulas editadas, o aludido autor afirma que é inegável a tendência em sempre aplicá-la(7).

No ano de 1988 veio a lume norma de conteúdo assemelhado, Lei 9.756 que alterou, entre outros, o art. 557 do CPC, abaixo transcrito:

Art. 557 - O relator negará segmento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.(grifo nosso).

§ 1º-A - Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso(8).

A norma em apreço também vazou no sentido de conferir validade ao direito sumular e, em conseqüência, à jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça, do STF, ou de Tribunal Superior. Apesar de não haver precisamente um efeito vinculante - pelo menos nos moldes atuais - os relatores passaram a embasar suas decisões no art. 557 do CPC(9).

O que se destaca nessas digressões foi a crescente evolução legislativa pretendendo inserir no ordenamento jurídico as decisões com características normativas, ou seja, com o cunho de obrigatoriedade de cumprimento pelas instâncias inferiores.

Nesse contexto, é indispensável trazer à colação os preciosos comentários de Moreira citado por Nery:

Sem precisão de emenda, a vinculação, para fins práticos, em boa medida vai se insinuando, pé ante pé, sorrateiramente, como quem não quer nada, e não apenas em benefício das teses "sumuladas", senão até das simplesmente bafejadas pela preferência da maioria dos acórdãos(10).

Esse comentário encetado pelo autor se deu nos idos do ano de 1998. Posteriormente surgiu a lei 9.868/99, que prevê, em seu art. 28, parágrafo único, o efeito vinculante para as decisões do STF em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Nos seguintes termos:

Art. 28. Dentro do prazo de 10 dias após o transito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal(11).

Insta frisar, ainda, que a CF/88, à época mesmo de sua promulgação, já previa o efeito vinculante para as decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF nas ações declaratórias de constitucionalidade(12).

Por conseguinte, recentemente o STF criou a teoria da transcendência dos motivos determinantes de suas decisões. Isso significa que, na prática, os fundamentos da decisão do STF - a ratio decidendi - em sede de ADI vinculam o Poder Judiciário e Administração Pública à sua observância.

Em outras palavras, o Supremo Tribunal Federal entende que o efeito vinculante das decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade apresenta eficácia que transcende o caso singular, não se limitando à parte dispositiva da decisão, de modo que os motivos (fundamentos) de suas decisões vinculam o Poder Judiciário e Administração Pública a aplicar o mesmo entendimento do declarado pela Corte, na apreciação de casos análogos(13).

A respeito do tema, Botelho explica de forma elucidativa que os magistrados e administradores não podem aplicar ou executar qualquer norma de conteúdo semelhante aquele, já declarado inconstitucional pela Suprema Corte, por ofender igualmente ao preceito fundamental tutelado, devendo abster-se de contrariar as balizas decisórias do Pretório Excelso, porquanto também abrangidas pela eficácia erga omnes prevista no art. 102, § 2º, da CF/88, sob pena de autorizar o manejo da respectiva reclamação(14).

Após a edição da súmula vinculante, é relevante mencionar que a justiça ganhou mais uma aliada para combater a morosidade do serviço judicial. Trata-se da Súmula Impeditiva de Recursos, vazada com a publicação da Lei n° 11.276/06, passando a vigorar a partir do dia 09 de maio de 2007. Segundo Mello, esse instituto impede a tramitação recursal em casos contrários às decisões pacificadas pelo STF e pelo STJ, é resultado da insatisfação contra a súmula vinculante, que foi aprovada com o intuito de acelerar a solução de processos relativos às matérias sumuladas(15).

Essas evoluções demonstram que o sistema jurídico está em constante modificação, buscando consolidar a competência do STF para interpretar e dizer a Constituição, conferindo às suas decisões força vinculante. Nesta senda, é preciso esclarecer que a súmula vinculante tem aspectos próprios, sendo que, seu regime jurídico está caracterizado na própria CF/88, o que lhe confere um diferencial categórico. Por isso, delinear o seu conceito e características é medida que se impõe no presente trabalho, dada a similitude existente entre os diversos institutos outrora mencionados.


Notas:

* Adelson Cremonini do Nascimento, estudante do 10º Período do Curso de Direito da Unilinhares- Linhares-ES. [ Voltar ]

1 - MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 544.Voltar

2 - VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do poder judiciário: como torná-lo mais ágil e dinâmico - efeito vinculante em outros temas. In: Revista dos Tribunais. São Paulo. v. 6, n. 25, p. 10, out./dez.1998.Voltar

3 - MORAES, 2007, p. 544.Voltar

4 - Ibid., p. 544. Voltar

5 - SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 564.Voltar

6 - FILHO, Manoel Antonio Teixeira. Breves comentários à reforma do poder judiciário. 1. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 230-231.Voltar

7 - NOGUEIRA, Gustavo Santana. Reforma do judiciário. Primeiras reflexões sobre a emenda constitucional nº. 45/2004. Das súmulas vinculantes: uma primeira análise. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 270. Voltar

8 - BRASIL. Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - institui o código de processo civil. In: ANGHER, Anne Joyce. Vademecum universitário de direito 2006. 3. ed. São Paulo: Rideel, 2006.Voltar

9 - Ibid., p. 364.Voltar

10 - MOREIRA, 1998, apud JUNIOR, Nelson Nery. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: RT, 1999. p. 329 Voltar

11 - BRASIL. Lei n° 9.868, de 10 de novembro de 1999 - dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. In: ANGHER, Anne Joyce. Vademecum universitário de direito 2006. 3. ed. São Paulo: Rideel, 2006.Voltar

12 - O STF ainda decidiu, reiteradas vezes, que o efeito vinculante se aplica também às medidas cautelares deferidas nessas ações, conforme, por exemplo: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. acórdão do Tribunal Pleno, na Rel. 762-RJ, rel. Min. Sydney Sanches, publ. 07.02.2003. Voltar

13 - STF- Rcl - 2.363, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 23-10-03, DJ de 1º-4-05.Voltar

14 - BOTELHO, Sérgio Souza. Descomplicando o controle de constitucionalidade abstrato. Causa de pedir aberta, inconstitucionalidade por arrastamento e transcendência dos motivos determinantes. Breves notas. Disponível em: . Acesso em: 14 ago. 2007.Voltar

15 - Mello, Aymoré Roque Pottes de. Súmula Impeditiva de Recursos prestigia a liberdade do Juiz. Disponível em: http://www.rsvirtual.com.br/cgi-bin/artman/exec/view.cgi/26/7743. Acesso em: 03/09/07.Voltar

Palavras-chave: súmula vinculante

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