Big Brother, Orkut, YouTube e o direito à própria imagem

Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz, Advogado e Doutor em Direito Constitucional. E-mail: marcoaurelio@fortioli.com.br.

Fonte: Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz

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Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz ( * )

É inegável a relevância da imagem na sociedade do século XXI. A imagem sempre teve um papel relevante para a informação social. Durante muito tempo a comunicação humana foi principalmente oral, auxiliada por expressões corporais, gestuais, gritos etc. Afortunadamente o ser humano criou a representação gráfica das imagens por símbolos, e, posteriormente, a escrita. Atualmente a imagem tem um papel sobressalente tanto na individuação, carteira de identidade, universidade, passaporte e outros documentos públicos ou particulares; como também na individualização da pessoa, quando representa uma manifestação de sua personalidade. A imagem irrompeu nos periódicos, na televisão, nas revistas gráficas ou eletrônicas, no cinema, na internet, para informar sobre os acontecimentos públicos; e a isso se une a crescente utilização da imagem humana pelo particular nas câmeras fotográficas, nos vídeos e agora nos celulares.

E o que seria o direito à própria imagem? Há uma explicação história para este debate jurídico. Antes da invenção da fotografia em 1829 pelo químico francês Nicéforo Niepce, e depois aperfeiçoada por Luis Jacobo Mandé Daguerre (criador do daguerrotipo - 1839), a imagem de uma pessoa era representada, normalmente, com o consentimento do titular. Para que se fizessem quadros, bustos, esculturas, desenhos etc., o retratado necessária e usualmente deveria posar para o pintor, desenhista ou escultor. O descobrimento de tal fenômeno físico permitiu, portanto, que se representasse a imagem sem a autorização da pessoa retratada, e, consequentemente, sua exposição sem o consentimento do titular de forma mais frequente e ostensiva. A fotografia teve uma impressionante aceitação popular, o que fez impulsionar na Europa, a finais do século XIX, a comercialização das câmeras fotográficas rudimentares. A imagem humana, depois desta relevante incursão na vida cotidiana das pessoas, adquiriu cada vez mais importância com a aparição de novas tecnologias (como a televisão, a internet, etc.), até o ponto de reclamar uma proteção jurídico-constitucional.

O uso da imagem absorveu uma incomensurável expansão não só quantitativa como também qualitativa. Esta afirmação se constata com o atual e crescente predomínio da informação visual sobre a escrita-verbal. A informação visual chega à sensibilidade crítica sem obedecer, necessariamente, às inflexões do raciocínio, pois os efeitos visuais cognitivos, em um primeiro instante, são indiferentes às capacidades intelectuais e culturais do sujeito receptor. A progressiva substituição do verbal pelo visual pode levar a acentuar os traços de irracionalidade e, por conseguinte, proporcionar o descenso e o demérito do discurso crítico. Desde esta perspectiva, a preponderância da expressão e da informação visuais sobre a verbal conquistou um agressivo espaço na publicidade de ideias e produtos. Aqui reside a importância do valor publicitário da imagem, pois seu caráter visual-sensitivo a situa no ápice da informação contemporânea, configurando, pois, um verdadeiro mercado de imagens. Por isso a afirmação de que "uma imagem pode valer mais que mil palavras" se tornou tão frequente.

A necessidade de proteção contra a arbitrária utilização da imagem deriva de uma exigência da individualidade pessoal, a qual impõe que a pessoa é quem decide consentir ou não a representação de sua própria imagem. O sentido da própria individualidade cria duas perspectivas na configuração jurídica de tal direito: de um lado, una exigência de circunspecção, de reserva, de exclusão, que garante a inviolabilidade pessoal e, de outro, estabelece a autonomia jurídica individual e a autodeterminação do indivíduo para se projetar socialmente. O direito à própria imagem, então, tem duas dimensões: uma negativa-moral que é a faculdade de excluir a possibilidade de captação, reprodução, publicação da imagem; e uma positiva, que é a autonomia exclusiva de decidir sobre a difusão da própria imagem, também relacionada com a potência patrimonial deste bem jurídico.

A representação da imagem deve ser visível, é dizer, está relacionada com o sentido visual-cognitivo; deve ser reconhecível, o seja, que o titular possa ser reconhecido; e deve individualizar, pois mediante ela se determina a alguém concreto, único, diferente e diferençável de todos os demais seres humanos. O conceito do direito à própria imagem, pois, consiste na faculdade de aproveitar ou de excluir a possibilidade da representação gráfica das expressões ou evocações pessoais visíveis do aspecto físico externo que singularizam e tornam reconhecível a figura da pessoa humana.

Infelizmente nos dias atuais são diversas as vulnerações a tal importante direito. Com o avanço tecnológico, tornou-se comum filmar, tirar fotos, gravar vídeos, sem que isso desperte a consciência que é uma afronta ao direito de quem tem sua imagem captada. A internet se converteu em um dos maiores, senão o maior, instrumento de veiculação (e consequentemente de ataque) da imagem humana. Os sites de redes sociais de amizade (Orkut, facebook, etc) e os sites de publicação de vídeos (YouTube) são campeões de acessos, e traduzem o quão pouco se sabe sobre os possíveis danos que se pode ter quando se usa a imagem humana de forma ilícita. A televisão, com o efeito Big Brother, banaliza ainda mais o uso inconsentido da imagem da pessoa humana. Vários programas televisivos e revistas especializadas usam, sem nenhum critério legítimo, imagens de pessoas para ilustrar matérias sensacionalistas, com o fim único de ter uma audiência garantida. Igualmente, não raro nos são pedidas fotos ou somos forçosamente filmados em todas as empresas públicas e/ou privadas que adentramos. Contudo, quem se propõe a entrar num programa de reality show e quem divulga, ao seu próprio talante, suas fotos na internet dá um consentimento inequívoco para tal situação e, em tese, sabe dos riscos que sofre por tal autorização. Quem entra nas repartições pública e/ou particulares não.

O motivo para a restrição do direito à própria imagem pelas empresas (e até em elevadores) é a segurança. Mas qual é a segurança que se oferece de que as nossas imagens serão usadas de maneira adequada? Qual a garantia é ofertada para que não haja abuso do "direito à segurança" das instituições que captam as nossas imagens? Não há nenhuma lei que legitime ou dê fidedignas garantias a para utilização das diversas câmeras que diuturnamente captam, de forma não consentida, a imagem humana.

Só que quem não quer que se utilize suas fotos ou vídeos contra a sua vontade pode recorrer à Constituição Federal. A Cidadã de 1988, influenciada por Portugal e Espanha, estabeleceu expressamente que a imagem humana é um direito fundamental, e por isso inviolável. Foi inserida na parte dogmática do Texto Constitucional, no Título II: "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos" a, e é citada em três incisos distintos do artigo 5º. Portanto, se você é daqueles que se sente incomodado(a) com as presentes ofensas atuais à sua própria imagem, saiba que para combater a utilização não autorizada deste direito existem meios jurídicos inscritos na norma máxima do Estado Brasileiro: a Constituição da República Federativa do Brasil.



Notas:

* Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz, Advogado e Doutor em Direito Constitucional. E-mail: marcoaurelio@fortioli.com.br. [ Voltar ]

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8 Comentários

Marcela Souto Advogada03/04/2009 16:22 Responder

Excelente esta matéria sobretudo pelas informações prestadas.

Vivian Paulitsch Arquiteta e Doutora em História da Arte03/04/2009 17:43 Responder

Muito boa a matéria e em uma linguagem acessível a todas as áreas de conhecimento. Parabéns!

Celia Fallone Serventuaria da Justica04/04/2009 12:31 Responder

Excelente materia, numa linguagem simples, estilosa e com conhecimento de causa. Parabens !

06/04/2009 11:33 Responder

06/04/2009 11:34 Responder

Chyntia Barcellos advogada06/04/2009 17:14 Responder

Marco, parabéns pelo artigo. Você conseguiu tranmitir uma clara, acima de tudo informativa, esclarecedora e de grande repercussão.

Chyntia Barcellos advogada06/04/2009 17:17 Responder

Chyntia Barcellos - advogada (chyntia@edsonbarcellosadvogados.com.br) - goiânia, GO 06/04/2009 - 16:14 Marco, parabéns pelo artigo. Você conseguiu transmitir uma mensagem clara, acima de tudo informativa, esclarecedora e de grande repercussão

camyla jornalista13/04/2009 15:33 Responder

Marco Infelizmente, tenho a impressão de que vivemos numa época em que não só a nossa imagem está exposta o tempo todo. Mas nossas vidas também. Sites de relacionamentos mostram pessoas cada vez mais felizes, bonitas e interessantes. Será assim a vida real? Um monte de poses feitas na praia ou no jardim de casa? Parabéns pelo artigo, admiro muito sua competência e capacidade.

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