Aspectos controvertidos na lei de informatização do processo judicial

Wesley Roberto de Paula, Bacharelando em Direito pela PUC-Minas. Programador de computador.

Fonte: Wesley Roberto de Paula

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Wesley Roberto de Paula ( * )

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Ausência de padronização do Processo Judicial Eletrônico. 3. Cadastramento/credenciamento prévio nos órgãos do Poder Judiciário. 4. Comunicação processual por meio eletrônico e sua forma ficta. 5. Inviabilidade de utilização dos sistemas por problemas técnicos. 6. Investimentos em tecnologia no Judiciário: a realidade que contradiz a missão da informatização do processo judicial. 7. Conclusão. 8. Referências bibliográficas.

1. Introdução

Após acalorados debates promovidos por representantes da advocacia, do Judiciário e do Legislativo, concernentes ao modelo mais adequado de informatização do processo judicial, foi sancionada, em 19 de dezembro de 2006, a Lei nº 11.419, dispondo sobre a matéria. Com a sanção dessa lei, torna possível ao jurisdicionado a prática de atos judiciais, tais como peticionamento, interposição de recursos e demais comunicações processuais, de forma remota e eletrônica, máxime através da rede mundial de computadores. O diploma consagra um novo paradigma na ciência jurídica processual brasileira, consoante um milênio forjado por inovações tecnológicas. Surge em um contexto desditoso, em que a morosidade na prestação jurisdicional é causa de insatisfação daqueles que dela dependem. Com efeito, insta demonstrar essa assertiva com o trecho da justificativa à propositura do incipiente projeto de lei de informatização do processo judicial, cuja tramitação iniciou na Câmara dos Deputados (BRASIL, 2006):

A morosidade é, sem dúvida, o principal fato gerador de insatisfação com o serviço judiciário, como revelam todas as pesquisas realizadas sobre o assunto. Em 1993, em pesquisa de opinião coordenada pelo IBOPE, foi proposta a seguinte afirmação: 'o problema do Brasil não está nas leis, mas na Justiça, que é muito lenta'. Dos entrevistados, 87% consignaram suas concordâncias, 8% discordaram e 5% não souberam responder. Já em 1999, o jornal 'O Estado de São Paulo' chegou a índices ainda mais elevados: 92% consideraram a Justiça muito lenta. A morosidade transformou-se em consenso absoluto inclusive entre os juízes. Pesquisa feita em 1995 pelo Conselho da Justiça Federal concluiu que 99,12% dos magistrados federais viam o referido atributo como o principal problema desse ramo do Judiciário.

Cappelletti (1988, p. 20), ao final da década de oitenta já alertava sobre a morosidade e seus efeitos na prestação da tutela jurisdicional, destacando que:

Em muitos países, as partes que buscam uma solução judicial precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisão exeqüível. Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerando os índices de inflação, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito.

Continua o autor lecionando que "[...] a justiça que não cumpre suas funções dentro de 'um prazo razoável' é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível" (1988, p. 21). Infelizmente o deslindar do processo legislativo brasileiro mostra-nos que as leis podem assumir feições perversas, que deturpam seu espírito. Assim ocorreu com a intitulada Reforma do Judiciário promovida pela Emenda Constitucional 45, de dezembro de 2004. Sua proposta, alcançar maior celeridade processual, não atinge seu intento devido à ausência de mecanismos tangíveis para esse desiderato. Hoffman (2005) corrobora essa assertiva ensinando que:

Entretanto, é lamentável constatar que, sem antes tomar medidas de ordem prática e sem alterar nada na ineficiente estrutura e condições do Poder Judiciário, seja simplesmente acrescido o parágrafo LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, para garantir o direito constitucional da razoável duração do processo no sistema brasileiro. Válido será, porém, se mais que um princípio constitucional, tornar-se um autêntico compromisso.

Igual efeito é percebido por Gomes (2001, p. 86) em profícuo trabalho sobre o papel dos Juizados Especiais instituídos pela Lei nº 9.099/95, asseverando que: "Se em teoria a Lei dos Juizados Especiais foi concebida para restringir os efeitos maléficos da intervenção penal, na práxis, muitas vezes, o que está ocorrendo é uma indevida aplicação de sanções alternativas porque as garantias penais e processuais não estão sendo observadas".

Não foi diferente com o novel diploma. Embora seja um nobilíssimo avanço, capaz de alcançar a almejada celeridade processual, sua sanção sem um estudo detido que alie as melhores técnicas de informática às garantias processuais, fez com que ele fosse aprovado sob a contingência de eivas que poderão perverter seu desígnio. A proposta do presente trabalho, embora não tenha a pretensão de ser liquidante em temática tão recente, ambiciona analisar pontos controvertidos da lei, que no futuro poderão ensejar a revisão dos preceitos por ela instituídos.

2. Ausência de padronização do processo judicial eletrônico

A norma em estudo demonstra que não foi preocupação primária do legislador a padronização dos procedimentos judiciais eletrônicos no âmbito do Poder Judiciário. Essa assertiva pode ser corroborada pela leitura do art. 4º (caput e parágrafo 5º), arts. 7º e 8º. A lei sancionada disciplina o processo judicial eletrônico que, por sua vez, terá espeque nos diplomas processuais já instituídos (Código de Processo Civil, Código de Processo Penal e Consolidação das Leis Trabalhistas). Isso posto, não é coerente pensar que cada órgão do Poder Judiciário utilize um modelo de sistema para administrar a marcha processual, uma vez que a legislação atinente é única.

O correto, em nosso entendimento, seria a utilização de um sistema, cujos moldes fossem padronizados para todos os órgãos do Poder Judiciário, evitando-se riscos de incompatibilidades. O legislador, de forma furtiva, oferece uma solução incoerente para os casos em que hajam incompatibilidades advindas da falta de padronização dos sistemas, contrariando o desígnio da lei. O art. 12, § 2º, assim prevê:

Os autos de processos eletrônicos que tiverem de ser remetidos a outro juízo ou instância superior que não disponham de sistema compatível deverão ser impressos em papel, autuados na forma dos arts. 166 a 168 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, ainda que de natureza criminal ou trabalhista, ou pertinentes a juizado especial (grifo nosso).

Noutras palavras, a solução dada pelo legislador é: sistemas incompatíveis, imprimam-se os autos. Importará essa solução em manutenção dos problemas que justificaram a implantação do processo judicial eletrônico tais como, economia financeira, de espaço e processual, maior celeridade processual e facilidade de acesso aos autos, entre outros. Embora seja um árduo percurso, a busca da padronização dos procedimentos judiciais em âmbito nacional não é impossível. Exemplo dessa padronização é o Sistema Único da Justiça do Trabalho (BRASIL, 2006), que congrega um padrão único de informações geradas nos procedimentos processuais eletrônicos em todo o Brasil. Inconteste que essa unificação não foi rápida, mas não se mostrou impossível. Postergar a unificação nos demais órgãos do Poder Judiciário equivale a sobrestar a solução indefinidamente.

3. Cadastramento/credenciamento prévio nos órgãos do Poder Judiciário

O conteúdo do art. 1º, § 2º, II, alínea 'b', considera como sendo assinatura eletrônica apta à produção de atos processuais em meio digital: a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica; e b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos. Além disso, o art. 2º, § 3º, normatiza que os órgãos do Poder Judiciário poderão criar um cadastro único de usuários.

A mera faculdade, e não um rumo definido legalmente, para que os órgãos do Judiciário adotem uma base cadastral única, reverterá em transtornos para o jurisdicionado. Caso não haja essa unificação, será necessário que, anterior à produção do ato em juízo, o advogado que nele deseja postular faça seu cadastro. Isso deverá ser feito em todos os tribunais e órgãos do Judiciário brasileiro.

A leitura da parte final da alínea 'b' infere-nos ao entendimento de que cada órgão será responsável por disciplinar o cadastramento dos usuários em seu âmbito. Contudo, entendemos que o Poder Judiciário não poderá usurpar as competências exclusivas garantidas em leis às entidades classistas dos advogados (Ordem dos Advogados do Brasil, Lei nº 8.906/94) e dos membros do Ministério Público (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, Lei nº 8.625/93) à guisa de fomentar um cadastro único.

4. Comunicação processual por meio eletrônico e sua forma ficta

O Capítulo II disciplina a comunicação eletrônica dos atos processuais. O art. 5º dispõe: "As intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2º desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico". Esse dispositivo normatiza que, optando a parte por receber a comunicação processual pelo sistema exclusivo destinado a esse fim, fica o órgão do Judiciário dispensado de disponibilizá-lo em outro meio, inclusive no Diário Oficial em sua versão eletrônica.

Indubitavelmente, essa regra contribuirá com a celeridade das comunicações processuais, possibilitando àqueles que as aguardam, em Comarcas distantes, o seu recebimento em tempo equivalente ao dos residentes nas Comarcas metropolitanas. Ainda, no conjugado de normas constantes do art. 5º, o § 3º indica um novo marco de fixação do dies a quo para cumprimento do ato processual: "A consulta referida nos §§ 1o e 2o deste artigo deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo" (grifo nosso).

Dessa forma, aquele que se cadastrou no sistema de recebimento de intimações do Poder Judiciário, poderá receber um informativo (um simples e-mail) da existência da comunicação aguardando sua visualização (art. 5º, § 4º). Caso não o faça em dez dias, dar-se por comunicado (leia-se intimado ou citado, conforme art. 6º). Destina-se esse preceito a fixar um marco temporal de início da contagem do prazo para prática do ato. Assim sendo, deveria também alterar o Código de Processo Civil, mediante inclusão de um sexto inciso no art. 241, que trata da matéria. Essa inserção evitaria controvérsias futuras sobre a preclusão temporal no processo eletrônico.

Um último aspecto notado, que poderá insurgir contra o equilíbrio processual, tangencia o tratamento indistinto ao decurso do prazo processual. O interstício decenal fixado para início da contagem do prazo da comunicação eletrônica não existe no formato hodierno de comunicação. Hipoteticamente, em uma lide em que somente uma das partes utilize o processo eletrônico, ter-se-á vinte e cinco dias v.b. para interpor um recurso de apelação, enquanto a outra terá preclusivamente quinze dias para o mesmo fim. Esse prazo carencial para início da contagem do prazo para a prática do ato judicial eletrônico poderá abalroar os princípios processuais que pretendem equilibrar a atuação das partes em uma relação processual.

5. Inviabilidade de utilização dos sistemas por problemas técnicos

O § 2º do art. 10 disciplina: "[...] se o Sistema do Poder Judiciário se tornar indisponível por motivo técnico, o prazo fica automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema". Em homenagem à segurança jurídica, norteadora da atuação do Poder Judiciário perante o jurisdicionado, em caso de ocorrência de problemas técnicos, deveria constar nessa norma a forma de certificação de que o problema ocorrido no sistema é exclusivamente de responsabilidade do órgão, e que a prática inviabilizada será prorrogada. Contudo, olvidou o legislador de esposar essa previsão.

A não inserção dessa regra talvez se justifique de forma tácita no imaginário do legislador, pois o art. 18 da lei em comento delega competência aos órgãos do Poder Judiciário para regulamentarem o referido diploma no que couber. Contudo, a questão proposta por esse parágrafo, inafastavelmente, possui cunho processual, atinente a prazos processuais, cuja competência é eminentemente do legislador infraconstitucional.

6. Investimentos em tecnologia no Judiciário: a realidade que contradiz a missão da informatização do processo judicial

Dispõe o art. 10, § 3º: "Os órgãos do Poder Judiciário deverão manter equipamentos de digitalização e de acesso à rede mundial de computadores à disposição dos interessados para distribuição de peças processuais". Sob pena de tornar-se uma forma de burocratização tecnológica, para que a informatização do processo judicial seja uma realidade, deverão ser feitos investimentos financeiros mais significativos do que os que atualmente são destinados aos setores tecnológicos dos órgãos do Judiciário. A Corte Mineira, e.g, destina a exígua parcela de 1,04 % (um vírgula zero quatro por cento) de sua despesa para investimentos em tecnologia. É propícia e majestática a iniciativa de disponibilizar equipamentos de informática para utilização pelo jurisdicionado nas sedes dos órgãos do Judiciário. Contudo, não basta disponibilizá-los. É imperativo que eles sejam constantemente atualizados para que não se transformem em avançadas máquinas de escrever, inócuas ao mister do processo judicial eletrônico.

7. Conclusão

Alguns preceitos apresentados pelo novel diploma são louváveis. A possibilidade de o postulante praticar o ato judicial até a vigésima quarta hora do dies ad quem (art. 3º, parágrafo único) é inexoravelmente um significativo avanço. O art. 12, § 5º, normatiza a possibilidade de digitalização dos autos findos ou em tramitação mediante consulta ao jurisdicionado sobre o interesse de manter pessoalmente os documentos originais. Essa medida desocupará os enormes espaços destinados a arquivos físicos, revertendo em satisfatória redução de custos para o Poder Judiciário. Outro ponto que merece ser enaltecido e festejado diz respeito ao encerramento de uma retrógrada celeuma sobre a validade dos atos processuais pretéritos praticados em meios eletrônicos cuja validação restou sobrestada. O art. 19 disciplina que esses estão convalidados, desde que tenham atingido seu fim.

No entanto, a nosso ver, a temática albergada nessa norma poderia ter sido mais bem implementada técnica e juridicamente, em promoção a um processo judicial eletrônico verdadeiramente eficaz. Superados os pontos controvertidos esposados nesse trabalho, entendemos ser de grande valia e considerável avanço a legislação que se apresenta, mas para sua efetiva implantação insta promover ajustes normativos visando a extirpar controvérsias existentes, primando sempre pela segurança jurídica e para que as normas futuras que almejem o mesmo fim, não incidam em idênticos percalços.

8. Referências bibliográficas

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Informação para a Imprensa. Disponível em: . Acesso em: 22 dez. 2006.

CAPELLETTI, Mauro. Acesso a Justiça. Tradução e revisão Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

GOMES, Luiz Flávio. Juizados criminais federais, seus reflexos nos juizados estaduais e outros estudos. As ciências criminais do século XXI, São Paulo, 2001.

HOFFMAN, Paulo. O direito à razoável duração do processo e a experiência italiana. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2006.


Notas:

* Wesley Roberto de Paula, Bacharelando em Direito pela PUC-Minas. Programador de computador. [ Voltar ]

Palavras-chave: informatização

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