A repristinação da ação penal nos crimes de lesão corporal

Paulo Henrique de Godoy Sumariva, Mestre em Direito Público pela Universidade de Franca, Delegado de Polícia do Estado de São Paulo, Professor de Direito Penal e Processo Penal no Centro Universitário de Rio Preto - UNIRP e na Universidade Camilo Castelo Branco - UNICASTELO - campus de Fernandópolis, (graduação e pós-graduação), Professor, por concurso, da Academia de Polícia Civil de São Paulo, Professor Convidado de Direito Penal Econômico na Pós - Graduação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - Campus Três Lagoas e Faculdades Integradas de Três Lagoas - AEMS, especialista em Direito pela UNIRP.

Fonte: Paulo Henrique de Godoy Sumariva

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Paulo Henrique de Godoy Sumariva ( * )

Denominada Lei Maria da Penha, ou Estatuto da Mulher, a Lei 11.340 de 07/08/2006 trouxe importantes normas a serem seguidas e definidas pelo Estado na defesa da mulher. Dentre elas, no tocante à persecução penal, encontramos uma profunda alteração relacionada à ação nos crimes de lesão corporal decorrente de violência doméstica.

A "novatio legis", de maneira inovadora, passou a definir as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, apresentando medidas de prevenção no campo administrativo e punitivas no campo jurídico.

Desde a criação da lei 9.099/95, onde se instalou no Brasil o Juizado Especial Criminal, os crimes de lesão corporal de natureza leve e culposos passaram a exigir como condição de procedibilidade a representação do ofendido para que o Estado pudesse adotar as providências necessárias para exercitar o "jus puniendi", conforme previsão expressa do artigo 88 da citada lei. Com efeito, além de exigir a vontade expressa da vítima, este delito passou a ser classificado como de menor potencial ofensivo, alterando, nesses casos, a forma de atuação do Estado, onde não se instaurava mais inquérito policial, sendo substituído por um singelo termo circunstanciado e praticamente extinguindo a fase processual, reduzindo-a quase sempre a uma transação penal. O tratamento secundário dado pelo Estado aos delito de menor potencial ofensivo se verifica na prática pelo andamento dos procedimentos ali envolvidos. A atividade de polícia judiciária ficou praticamente extinta, limitando-se a um rápido termo circunstanciado, o que se justifica, uma vez que a prioridade é o combate a delitos de maior gravidade, e não fazia sentido a polícia ocupar o seu tempo com infrações de menor potencialidade. Tanto é verdade que hoje a atividade pré processual principal do Estado está direcionada a delitos de maior gravidade, deixando os de menor potencial ofensivo em um segundo plano.

Entretanto, a lesão corporal também passou a englobar este rol de delitos de segundo nível, como assim poderíamos defini-los. Conseqüentemente, a violência doméstica era assim tratada, de tal maneira que as agressões de maridos e companheiros quase nunca eram coibidas.

Este tratamento secundário do Estado à violência doméstica perdurou até o surgimento da recente lei 11.340/2006. De maneira específica, a pena da lesão corporal quando resultante de violência doméstica passou ser de três meses a três anos, abandonando o rol de crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, de segundo nível. Com isso, a partir da entrada em vigência da "novatio legis", retorna a obrigatoriedade do Estado em instaurar inquérito policial quando tal fato chegar ao conhecimento de suas autoridades, deixando de preencher apenas um singelo termo circunstanciado. Novamente volta o Estado a ter o seu devido poder de prevenção e punição do autor, podendo inclusive realizar prisões em flagrante delito quando assim a autoridade policial se convencer. Há onze anos este poder correcional foi tolhido da Polícia Judiciária, limitando-a a apenas um registro dos fatos. O legislador, de maneira sábia, retirou a lesão corporal resultante de violência doméstica do rol de menor potencial ofensivo, retornando-o para o seu devido lugar. Entendemos, inclusive, que os demais delitos classificados como de menor potencial ofensivo devem continuar recebendo o mesmo tratamento do Estado na sua solução.

Com efeito, além desta mudança, a lei 11.340/2006, em seu artigo 41, dispõe expressamente que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a lei 9.099/95. Não houve especificação de parte da lei, ficando claro que a sua totalidade deixará de ter eficácia em tais situações.

Com isso, considerando que foi a lei 9.099/95 que modificou a ação penal nos crimes de lesão corporal de natureza leve e culposa de pública incondicionada, passando a exigir como condição de procedibilidade a representação do ofendido, se ela não mais será aplicada nos casos envolvendo a lei 11.340/2006, é clara a conclusão de que ação penal no crime referido deixou de ser condicionada à representação, voltando ao seu "status quo".

Sendo assim, a partir da entrada em vigência da Lei Maria da Penha, a ação penal nos crimes de lesão corporal, seja qual for a sua natureza, passará a ser pública incondicionada, passando o Estado a agir de ofício, podendo, inclusive, prender em flagrante seu agressor.

A referida lei, em seu artigo 16 menciona que nos crimes resultante de violência doméstica de ação penal pública condicionada à representação da ofendida, só será admitida a sua renúncia perante a autoridade judiciária. Visível que este dispositivo se aplica aos crimes que exigem a condição de procedibilidade para seu início, como por exemplo, os delitos contra a honra. Não resta aqui, a priori, qualquer dúvida em relação a este posicionamento, que deverá ser acatado.


Notas:

* Paulo Henrique de Godoy Sumariva, Mestre em Direito Público pela Universidade de Franca, Delegado de Polícia do Estado de São Paulo, Professor de Direito Penal e Processo Penal no Centro Universitário de Rio Preto - UNIRP e na Universidade Camilo Castelo Branco - UNICASTELO - campus de Fernandópolis, (graduação e pós-graduação), Professor, por concurso, da Academia de Polícia Civil de São Paulo, Professor Convidado de Direito Penal Econômico na Pós - Graduação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - Campus Três Lagoas e Faculdades Integradas de Três Lagoas - AEMS, especialista em Direito pela UNIRP. [ Voltar ]

Palavras-chave: lesão corporal

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1 Comentários

André Rodrigues de Oliveira Advogado / Professor18/12/2006 22:13 Responder

Prezado colega, Impossível fazer apologia de uma lei que cria novos tipos de pena e impossibilita a aplicação da lei dos juizados especiais independentemente da pena. Em qualquer caso creio válido o artigo, eis que trouxe uma hipótese que, apesar de vedada, poderá ser abraçada por alguns juízes. Att André

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