A mulher em busca da lei para amenizar as desigualdades sexuais

Raíssa Góes Lira dos Santos, graduada em letras inglês pela Universidade Potiguar - UnP e acadêmica de Direito também, na Universidade Potiguar.

Fonte: Raíssa Góes Lira dos Santos

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Raíssa Góes Lira dos Santos ( * )

Ao longo da história, o sistema patriarcal prevaleceu na sociedade. Sabemos que durante muito tempo a história foi contada a partir do olhar uníssono do sexo masculino. Desse modo o discurso do sistema patriarcal enaltece o homem e inferioriza o universo feminino.

A mulher caminhava às margens da história tecida pelo sexo oposto. O sexo feminino era visto como incapacitado para assumir posições de prestígio na sociedade. Logicamente, houve mulheres que não aceitaram essa forma de submissão e transgrediram os discursos do patriarcado.

Muito tempo se passou, muitas revoluções ocorreram ao longo desses séculos de civilização. E a mulher começou a ser inserida no mercado de trabalho. As pesquisas, tanto as mundiais quanto as nacionais, mostram que ainda hoje o número de mulheres que assumem posições socialmente almejadas é bem reduzido, se levarmos em consideração a quantidade de homens que está no poder.

Esse desequilíbrio existente entre o sexo masculino e o sexo feminino é fruto desse processo de socialização por que passou a humanidade. Sabemos que a educação é um processo de sociabilização e instrumentalização dos indivíduos, e somente através da educação poderemos amenizar essa disparidade social. Porém, a educação no Brasil, devido não só à historicidade da colonização, continua sendo precária formando pessoas passivas. E com relação à educação feminina, a situação torna-se ainda pior.

A primeira legislação referente à educação feminina apareceu apenas em 1827, assegurando os estudos elementares. E o ingresso em escola normal de São Paulo aconteceu apenas em 1876, embora desde os anos 40 essa escola recebesse alunos de sexo masculino. Mesmo meados do século XIX, portanto, a mulher permanece isolada do ambiente cultural. E permanece isolada até do convívio de pessoas na sua própria casa. (GOTLIB, 2002, p. 105)

As mulheres não participavam da vida pública, eram obrigadas a casar cedo, não podiam ter o mesmo acesso à educação que os homens. Isso mostra como a nossa sociedade está marcada por relações de gênero determinadas pelo sexo, marcada pelo significado social, cultural e psicológico imposto sobre a identidade sexual biológica.

O homem contava a história e determinava as leis. Contudo a mulher foi sendo inserida na vida social, ou seja, passou atuar no mercado de trabalho, não por permissão do sexo, mas por este precisar de ajuda financeira para manter a família, então a mulher que já estava sendo educada, que estava aprendendo a ler e analisar criticamente a sua condição de mulher começou a ser mais ativa na sociedade.

Durante muito tempo a mulher foi oprimida e subserviente ao homem, pois precisava de sua ajuda para se sustentar, então ela se submetia a todo tipo de violência, fosse esta psicológica, física, sexual ou moral. Entretanto, como mencionamos existiu mulheres que transgrediram á esse sistema patriarcal e foram modificando a história.

As mulheres instrumentalizadas passaram a ler, a escrever e até a questionar o universo que o circundava. No Brasil no século XVIII começaram a surgir as primeiras vozes femininas, tivemos por exemplo, as vozes de Nísia Floresta e de Teresa Margarida da Silva e Orta, mulheres que através da sua obra literária começaram magistralmente a falar e analisar criticamente a condição da mulher no Brasil.

Ao passar dos séculos muitas foram as mulheres que como aquelas reinvidicaram seus direitos e até mesmo uma pequena minoria dos homens começaram a valorizar, aceitar a mulher e valorizar a mulher e o seu universo.

Somente no século XX com a criação do Partido Comunista do Brasil e com a Semana de Arte Moderna em São Paulo e sob a influência dos vários requerimentos sem sucesso de mulheres que buscavam o direito ao voto, já que elas não podiam votar de acordo com a Carta Magna de 1891, não por excluir a mulher do voto, mas porque na concepção dos constituintes não existia a idéia de mulher como indivíduo dotado de direitos, a mulher foi ganhando naquele século mais autonomia na vida pública e no ano de 1933 o código eleitoral estendeu o direito ao voto e a representação feminina na política. Esse fato também foi influenciado pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, criada pela feminista Berta Lutz.

Assim, a mulher ganhou mais autonomia na vida pública. Fazendo eclodir nas décadas de 1960 e 1970 na Europa, chegando ao Brasil em meados de 1977 o movimento feminista, que visa até a atualidade equitativar os direitos femininos com os masculinos. E, em 1975 a Organização das Nações Unidas (ONU) organizou o "Ano Internacional da Mulher".

A questão da mulher passou a ser tema de discussão nas universidades e em meio aos profissionais liberais. No mesmo ano aconteceu o Congresso Internacional da Mulher no México e simultaneamente no Brasil, sendo que este mandou ao México, Berta Lutz como sua representante. No Brasil, o movimento organizou a Semana de Pesquisa Sobre o Papel e Comportamento da Mulher Brasileira. Como resultado desse movimento criou-se, em setembro de 1975, o Centro da Mulher Brasileira, um órgão institucionalizado, responsável por intermediar e articular os objetivos feministas em forma de ação coletiva. Muitas mulheres haviam sido exiladas no exterior e voltavam com grandes contribuições para o Centro da Mulher Brasileira, propondo um centro de estudos que promoveu grandes seminários e grandes discussões e pesquisas sobre a condição da mulher. Daí surgiram várias publicações em jornais e revistas além da produção de livros.

Lídia Jorge escritora portuguesa com o conto Marido que teve a primeira publicação no ano de 1977, conta-nos a história da personagem Lúcia uma porteira que sofre agressões do marido, quando este às vezes chegava mais tarde em casa sob o efeito do álcool.

A personagem feminina vivia no prédio onde trabalhava e todos os moradores ofereciam ajuda para que ela pudesse sair daquela vida.

O advogado do quinto, simulando um recibo perdido, chamou-a para lhe dizer que, se ela desejasse separar-se do marido, ele mesmo asseguraria a papelada da separação. Esclareceu, com o recibo na mão, como era só uma questão de papéis. E o dobrou por fim o recibo para demonstrar a facilidade com que se dobrava um papel sob o vigor da lei. Bastavam umas testemunhas, mas segundo o advogado do quinto, em cada andar do prédio havia duas pessoas dispostas a testemunhar pela porteira e pela lei. Também o médico. O médico do segundo andar encontro-a como por acaso e disse-lhe, sem qualquer preâmbulo, que lhe passaria os atestados de que ela precisasse para mostrar em tribunal, reforçando a idéia de que de fato tudo era uma questão de papéis. (JORGE, 1998, p. 16)

Mas, Lúcia como muitas mulheres ainda hoje preferem continuar sendo agredidas pois, "que idéia triste aquela de a assistente social dizer de uma mulher é um ser completo. (...) E quem atarrachava as lâmpadas do tector? (...) Quem tinha força para empurrar os móveis?" (Idem, p. 18). Entretanto, aos poucos a história está sendo mudada e a mulher brasileira ganhou mais uma importante luta no ano de 2006 quando no dia 07 de agosto sancionou-se a Lei nº 11.340, essa lei no âmbito social é mais conhecida como a Lei Maria da Penha. Maria da Penha ficou paraplégica devido as agressões sofridas pelo marido e lutou durante vinte anos para que seu agressor fosse punido.

O caso chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA, que acatou, pela primeira vez, a denúncia de um crime de violência doméstica. Com efeito, apesar de ter sido condenado pelos tribunais brasileiros em dois julgamentos (1991 e 1996), Marco Antonio, o agressor nunca havia sido preso diante dos sucessivos recursos contra as decisões do Tribunal do Júri. Indo o caso parar nos organismos internacionais, o Estado brasileiro foi responsabilizado por negligência e omissão em relação à violência doméstica. O agressor foi preso e Maria da Penha Maia começou a atuar em movimentos sociais contra violência e impunidade e hoje é coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV) no Ceará.

Respaldado pelo § 8º, do artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, onde se preconiza que o Estado deve assegurar a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações, pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação contra as Mulheres e pela Convenção internacional para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher sancionou-se essa lei que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

A Lei 11.340 revela no seu artigo 1º que,

Toda mulher, independente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião gozam dos direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, sendo-lhe asseguradas às oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Sem dúvidas com a referida lei a mulher ganhou mais esta luta pela igualdade dos direitos e pela valorização de sua dignidade. A violência doméstica a partir da vigência dessa lei passou constituir-se como uma das formas de violação dos direitos humanos.

Um das principais bandeiras do feminismo hoje no País é combater a violência doméstica, que ainda atingi níveis elevados. A redução dessa violência contra o sexo feminino no Brasil ocorrerá com a conscientização de toda a sociedade e, com o cumprimento da legislação brasileira.

Logicamente, que textos como os de Nísia Floresta e Lídia Jorge também influenciam na modificação dos conceitos e contribuem para amenizar a violência doméstica, pois não existe sociedade sem Direito, assim como não existe Direito sem sociedade, ou seja, somente a sociedade é capaz de criar e modificar o Direito, adequado-o as novas realidades sociais. Por isso, faz-se necessário reavaliar as práticas sociais vigentes para criar leis como a 11.340, que visem melhorar os direitos e garantias individuais e coletivos.

Referências:

Lei 11. 340, de 07 de agosto de 2006.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

FUNK, Susana Bornéo. Da questão da mulher à questão de gênero. In: _____. Trocando Idéias. Sobre a Mulher e a literatura. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1994, p. 17 - 32.

GOTLIB, Nádia Battella. Boletim do GT. A mulher na literatura. Santa Catarina, v. 9, 2002, p. 102-139.

JORGE, Lídia. Marido e outros contos. 2º ed. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 09-24.


Notas:

* Raíssa Góes Lira dos Santos, graduada em letras inglês pela Universidade Potiguar - UnP e acadêmica de Direito também, na Universidade Potiguar.

Texto elaborado no dia 05 de outubro de 2007. [ Voltar ]

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1 Comentários

EDILSON FUNCIONÁRIO PUBLICO14/09/2014 14:29 Responder

Parabéns, ótima não tenho palavras para elogiar.

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