A clássica distinção entre relações de trabalho e relações de emprego: a necessidade de revisitação do critério da subordinação jurídica

Cláudio Victor de Castro Freitas, Bacharel em Direito pela Universidade do Estado Rio de Janeiro. Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Ex-advogado trabalhista do Escritório Vinhas Advogados. Advogado concursado da Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobrás, atuando no Setor Jurídico Trabalhista (pólo Rio de Janeiro). Artigo elaborado em Janeiro de 2007.

Fonte: Cláudio Victor de Castro Freitas

Comentários: (1)




Cláudio Victor de Castro Freitas ( * )

Uma fundamental distinção que invade o ramo juslaboral é aquela que distingue a relação de trabalho da relação de emprego.

Antes de mais nada, tem-se que relação de trabalho é "o antecedente de que a relação de emprego é o conseqüente"(1), ou, ainda, o gênero, do qual se tem como espécie a relação de emprego.(2) No dizer de José Affonso Dallegrave Neto:

Considerando que o conceito de relação de trabalho é aquele que pressupõe qualquer liame jurídico entre dois sujeitos, desde que tendo por objeto a prestação de um serviço, autônomo ou subordinado, não há duvidas que não só os contratos celetistas estão nele abrangidos, mas também boa parte dos contratos civis e comerciais.(3)

Com base nisso, pode-se concluir que a relação de emprego, conforme acima explicitado, é uma das espécies de relação de trabalho e é em torno dessa relação laboral que se construiu o Direito do Trabalho pátrio. Assim é que, conforme leciona Mauricio Godinho Delgado:

[...] a prestação de trabalho pode emergir como uma obrigação de fazer pessoal, mas sem subordinação (trabalho autônomo em geral); como uma obrigação de fazer sem pessoalidade nem subordinação (também trabalho autônomo); como uma obrigação de fazer pessoal e subordinada, mas episódica e esporádica (trabalho eventual). Em todos esses casos, não se configura uma relação de emprego (ou, se quiser, um contrato de emprego). Todos esses casos, portanto, consubstanciam relações jurídicas que não se encontram sob a égide da legislação trabalhista (CLT e leis trabalhistas esparsas) e nem sob o manto jurisdicional próprio (competência própria) da Justiça do Trabalho.(4)

Desta forma, pode-se ter uma relação de trabalho subordinado típico (a relação de emprego)(5), atípico (trabalho eventual, avulso, temporário, voluntário, dentre outros) ou especial, também denominado em regime diferenciado(6) (trabalho rural, doméstico, artístico, dentre outros).

Com exceção do trabalho subordinado típico, todas outras formas de prestação laboral exibem um diferencial para que não se caracterizem como uma relação de emprego.

Assim, no caso do trabalho subordinado atípico se encontra presente o elemento subordinação, mas, por não haver alguns outros elementos da relação de trabalho subordinado típico, ou por eles se encontrarem de forma mitigada, não se deu a àquela forma de trabalho a mesma proteção que o Direito trabalhista pátrio confere a este último.

Já no trabalho subordinado especial (ou em regime diferenciado), o trabalho subordinado se caracteriza por preencher todos os elementos da relação empregatícia, mas, em virtude de algumas características especiais que possuem os trabalhadores subordinados a cada tipo de regime jurídico de sua categoria, acabam por se diferenciar dos trabalhadores subordinados típicos. Ou seja, são empregados, mas, em razão de peculiaridades presentes a cada tipo de relação jurídica, possuem tratamento legal específico, com aplicação ou não de todos ou alguns dos dispositivos celetistas.

Dessa forma, imperioso concluir pela imprecisão da afirmativa segundo a qual relação de trabalho e relação de emprego possuem o mesmo significado.

IV.2- Trabalho Subordinado X Trabalho Autônomo

Em ponto extremamente oposto à típica relação de emprego situa-se a relação de trabalho autônomo, gênero da relação de trabalho, mas com características peculiares que a distingue de qualquer forma de trabalho subordinado, seja típico, atípico ou especial.

Tem-se por autônomo o trabalhador que, ele próprio, "estabelece e concretiza, cotidianamente, a forma de realização dos serviços que pactuou prestar."(7) Não há, dessa forma, a figura do tomador de serviços direcionando as atividades do prestador, sendo esse mesmo que coordenará estas atividades por ele realizadas, assumindo os riscos do empreendimento..

O trabalhador autônomo não possui proteção legal trabalhista, permanecendo sua tipificação no Direito Civil, como os casos de contratos de prestação de serviços (artigos 593 a 609, do Novo Código Civil - Lei 10406/02), de empreitada (artigos 610 a 626, do Novo Código Civil), dentre outros que a legislação civil definir.

Um problema corriqueiro com o qual se depara a Justiça do Trabalho se refere aos chamados falsos autônomos, aqueles que, de acordo com os documentos do seu contrato, são caracterizados como trabalhadores autônomos, mas, na realidade, prestam uma relação típica de trabalho subordinado, ou seja, são verdadeiros empregados. O magistrado do Trabalho põe-se em uma delicada situação de concessão ou não da proteção do Direito juslaboral ou não, em restando caracterizada uma relação de emprego ou de trabalho autônomo, respectivamente.

O que deve prevalecer, neste casos, é a aplicação do princípio da primazia da realidade, levando-se em consideração os fatos em detrimento dos documentos carreados aos autos. Busca-se tornar nulo qualquer ato que vise a desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos celetistas, de acordo com o artigo 9°, da CLT.(8) Deve-se ter em mente que o contrato de emprego é um contrato-realidade, partindo-se para a apuração da verdade dos fatos, independentemente da formalidade aparentemente demonstrar ser outra.

IV.3- A fuga da subordinação e sua "crise"

Diante da nova dinâmica empresarial guinada com os novos tempos, reflexo de uma economia globalizada onde a busca ávida por lucros cresce em detrimento dos gastos com salários e encargos deles decorrentes, assiste-se, ao lado do surgimento de novas relações de trabalho, à utilização de subterfúgios legais com fins de diminuição dos custos com a produção. É o que se chama de fuga do elemento da subordinação.

Essa fuga se protagoniza com o uso de meios legalmente postos à disposição do tomador de serviços. Exemplos corriqueiramente utilizados são os da cooperativa de trabalho e a terceirização. Isso porque, no primeiro caso, conforme o próprio artigo 442, parágrafo único, da CLT(9) e o disposto no artigo 90, da Lei de Cooperativas(10) (Lei n° Lei 5784/71), expõe-se que não há criação de vínculo empregatício entre as partes, ao passo que no segundo caso, o vínculo empregatício é tomado em face da empresa prestadora de serviços, não com a tomadora.(11)

Reflexo de toda essa profunda modificação estrutural na sociedade, economia e, por conseqüência, no Direito do Trabalho, conclui-se que, ao lado deste ramo do Direito, assiste-se a uma crise(12) do critério da subordinação jurídica. Segundo lição de Pinho Pedreira:

[...] passou o critério da subordinação jurídica por um processo de revisão crítica, argüindo-se que ele reunia em seu âmbito pessoas de condição social muito diferentes, levando o Direito do Trabalho a tutelar pessoas que, conquanto subordinadas, não necessitam de proteção, enquanto deixa desamparadas outras que, embora autônomas, padecem de debilidade econômico-social.(13)

Afirma-se isso, ressalte-se, pelo fato de estarmos diante de novas situações antes inimagináveis à época da formulação teórica clássica do Direito juslaboral. Tinha-se - e, ainda hoje, tem-se - o contrato de emprego como cerne protetivo celetista, não se estendendo a proteção do texto consolidado a outras relações de trabalho que não fosse a caracterizada pela subordinação típica, ou seja, a empregatícia.

Ocorre que a realidade social se modificou: busca-se constantemente o menor vínculo possível do tomador para com o trabalhador.

Somado a isso, são criadas novas relações de trabalho que se situam em uma zona grise, restando separadas por uma tênue linha entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo, mas, em razão da não modelagem àquele, acabam por ficar à margem da aplicação nas normas contidas na CLT. A essas novas modalidades de trabalho chama-se trabalho parassubodinado.

A presente modalidade de trabalho, surgida no Direito Italiano, não possui tratamento adequado no ordenamento jurídico pátrio, razão pela qual a ele pouco se refere a doutrina brasileira. Segundo o mestre Pinho Pedreira:

[...] passou o critério da subordinação jurídica por um processo de revisão crítica, argüindo-se que ele reunia em seu âmbito pessoas de condição social muito diferentes, levando o Direito do Trabalho a tutelar pessoas que, conquanto subordinadas, não necessitam de proteção, enquanto deixa desamparadas outras que, embora autônomas, padecem de debilidade econômico-social.(14)

Em uma singela definição, pode-se trazer que o trabalho parassubordinado se caracterizaria pelos elementos da

a) pessoalidade;

b) coordenação: ou seja, "é a atividade empresarial de coordenar o trabalho sem subordinar o trabalhador".(15) Significa que "ambas as partes possuem medidas a propor para alcançar o objetivo comum".(16);

c) onerosidade;

d) continuidade e

e) dependência econômica: é nesse requisito que repousa a "revisitação" do critério da subordinação jurídica como elemento definidor da relação de emprego, relação de trabalho esta protegida pelos institutos celetistas.

Afirmam os doutrinadores que o critério da dependência econômica é utilizado como elemento definidor do trabalho parassubordinado.

Segundo o presente elemento, retiraria o trabalhador o seu sustento através da contraprestação onerosa fornecida pelo tomador de serviços. Não há a subordinação jurídica, da mesma maneira que ocorre nas relações empregatícias, mas um outro critério, que é essa dependência econômica.

Esta modalidade de trabalho ainda impende de mais abordagens na doutrina e jursiprudência pátrias para que, assim como no Direito Italiano, alcance-se seu tratamento legal.

Referências Bibliográficas

ALVES, Amauri César. Novo Contrato de Emprego. Parassubordinação Trabalhista. São Paulo: LTR, 2004.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTR, 2005.

NETO, José Affonso Dallegrave. Nova competência trabalhista para julgar ações oriundas da relação de trabalho. Revista do TST, Brasília, vol. 71, n° 02, Mai./Ago. 2005.

SILVA, Luis de Pinho Pedreira. Um novo critério de aplicação do Direito do Trabalho: a parassubordinação. Revista do Instituto Bahiano de Direito do Trabalho - Ergn, vol. XLVII, ano XLVI.

SILVA, Otavio Pinto e. Subordinação, Autonomia e Parassubordinação nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTR, 2004.

PIMPÃO, Hirosê. Das relações de emprego no Direito do Trabalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Konfino, 1960.


Notas:

* Cláudio Victor de Castro Freitas, Bacharel em Direito pela Universidade do Estado Rio de Janeiro. Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Ex-advogado trabalhista do Escritório Vinhas Advogados. Advogado concursado da Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobrás, atuando no Setor Jurídico Trabalhista (pólo Rio de Janeiro). Artigo elaborado em Janeiro de 2007. [ Voltar ]

1 - PIMPÃO, Hirosê. Das relações de emprego no Direito do Trabalho. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Konfino, 1960, p. 13. [Voltar]

2 - Além da relação de emprego, podem ser elencadas outras relações laborais, tais como a relação de trabalho autônomo, a de trabalho eventual, avulso ou de qualquer outra modalidade admissível pelo ordenamento jurídico trabalhista. [Voltar]

3 - NETO, José Affonso Dallegrave. Nova competência trabalhista para julgar ações oriundas da relação de trabalho. Revista do TST, Brasília, vol. 71, n° 02, p. 241, Mai./Ago. 2005. [Voltar]

4 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTR, 2005, p. 287. [Voltar]

5 - Ao qual se aplica o artigo 3º, caput, da CLT, que preleciona: "Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário", trazendo os elementos da relação de emprego, quais sejam, a prestação de trabalho por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, subordinação jurídica e onerosidade. Somado ao artigo 2º, caput, CLT ("Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço."), acrescenta-se mais um elemento, que é a alteridade, ou seja, a prestação de serviço por conta alheia, sem assunção dos riscos pelo empregado, mas pelo empregador. [Voltar]

6 - SILVA, Otavio Pinto e. Subordinação, Autonomia e Parassubordinação nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTR, 2004, p. 29. [Voltar]

7 - DELGADO, Mauricio Godinho. Op. cit., p. 334. [Voltar]

8 - "Art. 9°. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação." [Voltar]

9 - "Art. 442, Parágrafo único. Qualquer que seja o ramo da atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela". [Voltar]

10 - "Art. 90. Qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados." [Voltar]

11 - Cumpre ressaltar que, mesmo sem criação de vínculo empregatício com a tomadora de serviços a priori, pode acontecer de este vínculo ser reconhecido em um caso de terceirização fraudulenta. Em ocorrendo, e.g., uma fraude de contratação, deve-se proceder àquele reconhecimento, aplicando-se o princípio da primazia da realidade ao caso posto em tela. Além disso, os encargos trabalhistas podem ser suportados pela empresa tomadora de serviços, mesmo em um caso de terceirização lícita, mas de modo subsidiário, na forma do inciso IV, da Súmula 331, do C. TST. [Voltar]

12 - Coloca-se aqui o termo entre aspas, pois, assim como ressaltado no item II, o que ocorre é "uma necessária redefinição de seu papel e institutos diante de uma nova era, onde o emprego não mais se mostra como a única forma de trabalho humano". O que se deseja é que haja uma adaptação à nova realidade. Não se quer colocar o elemento da subordinação por terra, abandonando-o em detrimento de algum outro, mas que se adeque às novas situações, garantindo-as a proteção trabalhista. [Voltar]

13 - SILVA, Luis de Pinho Pedreira. Um novo critério de aplicação do Direito do Trabalho: a parassubordinação. Revista do Instituto Bahiano de Direito do Trabalho - Ergn, vol. XLVII, ano XLVI, p. 130, 2002. [Voltar]

14 - SILVA, Luis de Pinho Pedreira. Op. cit., p. 130, 2002. [Voltar]

15 - ALVES, ALVES, Amauri César. Novo Contrato de Emprego. Parassubordinação Trabalhista. São Paulo: LTR, 2004.p. 89. [Voltar]

16 - SILVA, Otavio Pinto e. Op. cit., p. 106. [Voltar]

Palavras-chave: relações de trabalho

Deixe o seu comentário. Participe!

noticias/a-classica-distincao-entre-relacoes-de-trabalho-e-relacoes-de-emprego-a-necessidade-de-revisitacao-do-criterio-da-subordinacao-juridica

1 Comentários

Mariana Alfer Advogada01/02/2007 18:00 Responder

Muito bom artigo.

Conheça os produtos da Jurid