Recebo pensão como filho maior inválido, mas estou curado, o que vai acontecer?

Considerações do colunista Bruno Sá Freire Martins.

Fonte: Bruno Sá Freire Martins

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Recentemente recebemos o seguinte questionamento:


Sou pensionista em razão do óbito de um servidor público, na condição de filho maior inválido, fui ao médico e ele disse que estou curado e posso voltar a trabalhar, o que vai acontecer com o meu benefício?


A pensão por morte para beneficiário inválido, assim como a aposentadoria por invalidez, constitui-se em um benefício sob condição, ou seja, seu pagamento somente persistirá pelo período em que existir a incapacidade laboral.


Nesse sentido:


INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO INTERPOSTO PELO INSS. PREVIDENCIÁRIO. MANUTENÇÃO DE PENSÃO POR MORTE A FILHO NÃO INVÁLIDO QUE ATINGIU OS 21 ANOS. ILEGALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE SE CONFERIR INTERPRETAÇÃO QUE ALBERGUE SITUAÇÃO DE ILEGALIDADE. AFRONTA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE INTERPRETAÇÃO. DECADÊNCIA INOCORRÍVEL. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO. 1. Prolatado acórdão pela Turma Recursal do Rio Grande do Sul que abonou sentença de procedência de pedido de manutenção de pensão por morte à filha maior não inválida, sob a assertiva da decadência de se revisar o ato em pauta, ainda que ilegal. 2. Interposto Incidente de Uniformização de Jurisprudência pelo INSS, com fundamento no art. 14, § 2º, da Lei nº 10.259/2001. Alega o recorrente que a decisão contraria a legislação, bem como há divergências de julgados de Turmas Recursais, trazidos aos autos. 3. Incidente admitido na origem, sendo os autos encaminhados à TNU após Agravo, e distribuídos a este Relator. 4. Nos termos do art. 14, § 2º, da Lei nº 10.259/01, o pedido de uniformização nacional de jurisprudência é cabível quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por turmas recursais de diferentes regiões ou em contrariedade à súmula ou jurisprudência dominante da Turma Nacional de Uniformização ou do Superior Tribunal de Justiça. 5. O incidente merece ser conhecido, pois patente a distinção de interpretação das Turmas Recursais quanto à extensão da decadência para pensão a maior de idade. A decisão recorrida amplia o alcance interpretativo do art. 103-A para fulminar o dever poder do INSS de cassar benefício sem amparo em lei, ao passo que o paradigma confere interpretação de que o art. 103-A não alberga a decadência de pensão a maior de idade. 6. Quanto ao mérito, o Incidente de Uniformização de Jurisprudência é procedente. Como é sabido, em sede de antinomias interpretativas, cabe ao intérprete se socorrer dos princípios constitucionais para alcançar o efeito interpretativo que agasalhe valores constitucionais de maior magnitude. O caso apresenta embate entre o princípio da legalidade e o da proteção da confiança. Eis a questão decidida pelo juízo a quo: (...) No caso dos autos, o benefício deveria cessar com a maioridade da parte autora, em 10/11/1988. Porém, somente foi cancelado em 01/12/2009 - após, portanto, o dia 1º/02/2009, que corresponde a 10 anos da vigência da Lei n. 9.784/1999. Saliento, por fim, que para efeito de aplicação do instituto da decadência, não há qualquer distinção entre concessão ou manutenção (indevida) de benefício previdenciário. 7. Data venia, não se visualiza passível de compreensão que o art. 103-A da Lei nº 8.213/91 busque sustentar situações de ilegalidade - dada a natureza dos benefícios que alcança a tutelar – quer por força da ratio interpretativa do artigo em pauta que não sustentar a extensão apontada pela decisão recorrida; quer em face da própria má-fé que se dessume de situações como a presente, presunção jurídica que se deduz da situação, como regra de direito. 8. Eis a dicção do art. 103-A: Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004) § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. (Incluído pela Lei nº 10.839, de 2004) § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato 9. A doutrina há muito é categórica a repelir interpretações que atentam contra a natureza das coisas ou que respalde situação de ilegalidade ou má-fé para não se ir além do razoável à hipótese legal normativa. Nesse sentido, doutrina Daniel Machado da Rocha e João Baltazar Jr, in Comentários à Lei de Previdência Social, ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2012, 11º edição, p. 349 (grifei): O fundamento da regra é o princípio da moralidade administrativa (CF, art. 37), no particular aspecto de proteção da confiança, ou da boa-fé, de resto expressamente consagrado no inciso IV do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784/99. Claro está, ainda, que o dispositivo não é aplicável aos casos em que a própria lei autoriza a revisão, como é o caso da cessação da aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença em caso de recuperação da capacidade do trabalho. Na mesma linha, o beneficiário de pensão que ostenta essa qualidade por ser inválido ou menor, poderá ter sua quota extinta quando cessada a invalidez ou atingir a idade limite, ainda que esse fato se der mais de dez anos após a concessão. 10. Simples e categórico, o raciocínio traçado pelo jurista Daniel Machado da Rocha, cuja presença nessa Corte nos honra. Com efeito, a partir da maioridade da pensionista não subsiste qualquer resquício de boa-fé ou de proteção à confiança, pois a partir de então o gozo do benefício é extra legem, situação que aponta até mesmo, se for o caso, para a restituição dos valores, consoante nova orientação do Superior Tribunal de Justiça. Em outros termos, não há qualquer valor constitucional ou previdenciário a ser tutelado para a manutenção do benefício, nem mesmo a sua essência - a contingência existencial de dificuldade do pensionista (presente tão somente até a maioridade do beneficiário). 11. A própria Teoria Geral da Interpretação abona essa premissa, segundo explicito em Dissertação de Mestrado: Competência Legislativa dos Entes Federados; Conflitos e Interpretação Constitucional, FADUSP, 2011, p. 89/90, ao explicitar que a interpretação deve-se fincar na razão de sua lógica premida pela própria ponderação: Humberto Ávila ratifica essa orientação ao aprofundar o papel da ponderação para além dos princípios propriamente dito no âmbito do conflito normativo. Ensina o estudioso que a ponderação não é método privativo de aplicação dos princípios, enquanto sopesamento de razões e contra-razões que culminam com a decisão de interpretação, de forma que também é aplicável entre dispositivos de regras hipoteticamente contraditórios. Defende que a solução ao conflito situa-se no plano da aplicação, e não da validade, de forma que a ponderação concreta do caso apontará a solução mais sensata ao caso, diante das finalidades que estão em jogo . Advoga, ainda, que muitas vezes a exceção pode estar prevista no próprio ordenamento jurídico, hipótese em que o aplicador deverá, mediante ponderação de razões, decidir se há mais razões para a aplicação da hipótese normativa da regra ou, ao contrário, para a de sua exceção. Nesse sentido, decidiu a Suprema Corte brasileira quanto à aplicação de exceção contida na própria lógica do ordenamento quanto à presunção de violência de estupro (art. 213, CP), ao decidir que essa presunção é relativa, a teor do caso concreto e das circunstâncias particulares do caso em apreço . No esteio desse raciocínio Ana Barcellos observa que em ocasiões de crise (situações de ruptura) quando a aplicação de regras abstratamente válidas podem mostrar-se, em determinadas incidências, incompatíveis com outras disposições constitucionais ou profundamente injustas admite-se a ponderação dos interesses que ela tutela através da aproximação do parâmetro da equidade. Ou seja: respeitado o limite do texto e suas possibilidade, o intérprete poderá empregar uma interpretação conforme a equidade da regra, de modo a evitar a incidência iníqua (tal como o STF entendeu a interpretação do estupro com presunção relativa, supra relatado). Assim, quer em razão da sua relevância ao sistema, quer em razão da sua força pragmática para solver os conflitos, a ponderação tem-se destacado como elemento chave, de forma que merece estudo quanto à necessidade de se estabelecer parâmetros de controle, tanto normativos, como argumentativo. A ponderação é, pois, um raciocínio jurídico lato, como se denota das palavras de Dworkin : Os princípios, ao contrário das regras, podem ser contrários sem ser contraditórios, sem se eliminarem reciprocamente. E, assim, subsistem no ordenamento princípios contrários que estão sempre em concorrência entre si para reger uma determinada situação. A sensibilidade do juiz para as especificidades do caso concreto que tem diante de si é fundamental, portanto, para que possa encontrar a norma adequada a produzir justiça naquela situação específica. É precisamente a diferença entre os discursos legislativos de justificação – regidos pelas exigências de universalidade e abstração – e os discursos judiciais e executivos de aplicação – regidos pelas exigências de respeito às especificidades e à concretude de cada caso, ao densificarem as normas gerais e abstratas na produção das normas individuais e concretas – que fornece o substrato do que Klaus Günther denomina senso de adequabilidade, que no Estado Democrático de Direito é de se exigir do concretizador do ordenamento ao tomar decisões. Daí a conclusão de Menelick de Carvalho Neto de que vivemos um novo paradigma na tomada de decisões, outrora idealista baseada na aplicação simplista das regras; agora se exige uma leitura procedimentalista de efetividade da Constituição e seus princípios, através da análise de senso de adequabilidade das regras frente aos princípios, ao contexto e as particularidades do caso, para que assim as decisões judiciais apresentem um nível de racionalidade discursivo, próprio do Estado Democrático de Direito, onde a cidadania e a participação popular na criação e aplicação do Direito é inerente ao sistema político e jurídico do País . 12. Nesse passo, tenho como iníqua a interpretação que fulmina de decadência o poder-dever do INSS de cassar a pensão por morte de filho pensionista não inválido maior de idade, diante da extensão interpretativa do art. 103-A não albergar essa hipótese, nem tampouco qualquer outro valor constitucional sufragar essa assertiva. Factível, pois, a racionalidade da Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal ao caso: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.” 13. Incidente conhecido e provido para (i) firmar a tese no sentido de que o INSS tem o poder dever de cassar a qualquer tempo pensão por morte vigente, cujo filho pensionista saudável atingiu a maioridade (21 anos), pois inaplicável a decadência, via interpretação extensiva do art. 103-A da Lei nº 8.213/91 ao caso; (ii) reformar o acórdão recorrido para que o INSS casse imediatamente o benefício em pauta. Expeça-se ofício para tal fim. 14. Julgamento nos termos do artigo 7º, inciso VII, alínea “a”, do RITNU, servindo como representativo de controvérsia.Acordam os membros da TNU - Turma Nacional de Uniformização CONHECER e DAR PROVIMENTO ao incidente de uniformização interposto, nos termos do voto-ementa do Juiz Federal Relator. (TNU. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL 50040008920134047101, JUIZ FEDERAL DOUGLAS CAMARINHA GONZALES, DOU 21/11/2014 PÁGINAS 220/281.)


Tanto é assim que, em regra, a legislação dos Regimes Próprios estabelece a cessação da invalidez como uma das causas que põem fim ao benefício de pensão.


Dessa forma, a recuperação da capacidade laboral, a qualquer tempo, implica na extinção do benefício.


A qual pode se dar basicamente de três formas:


A primeira quando o próprio beneficiário comunica à Unidade Gestora que recuperou a capacidade, a segunda quando é convocado para uma reavaliação e é constatado que não mais é incapaz e a terceira quando o Regime Previdenciário toma conhecimento de que o pensionista recuperou a condição de trabalhar e promove a revisão de seu benefício.


Acontece que, em todas essas hipóteses, a cessação do benefício somente pode ser feita após a avaliação do pensionista pela perícia oficial que atende à Unidade Gestora do Regime Próprio.


Isso porque, como foi ela quem reconheceu que estava preenchido o requisito incapacidade para a concessão do benefício, também deve ser ela a responsável pela constatação de que esse não existe mais.


Portanto, constatada pela perícia oficial a recuperação da capacidade laboral a pensão por morte será encerrada.


Bruno Sá Freire Martins

Bruno Sá Freire Martins

Servidor Público efetivo do Estado de Mato Grosso; advogado; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor da LacConcursos e de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso, no ICAP – Instituto de Capacitação e Pós-graduação (Mato Grosso), no Instituto Infoc - Instituto Nacional de Formação Continuada (São Paulo), no Complexo Educacional Damásio de Jesus - curso de Regime Próprio de Previdência Social (São Paulo); fundador do site Previdência do Servidor (www.previdenciadoservidor.com.br); Presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE); membro do Cômite Técnico da Revista SÍNTESE Administração de Pessoal e Previdência do Agente Público, publicação do Grupo IOB; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE e REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, todos da editora LTr e do livro MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO da editora Rede Previdência/Clube dos Autores e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.


Palavras-chave: Pensão por Morte Beneficiário Inválido Aposentadoria por Invalidez INSS Previdência

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