Readaptação X Desvio de Função

A readaptação e o desvio de função são matérias fundamentais na discussão sobre a aposentadoria por invalidez do servidor público

Fonte: Bruno Sá Freire Martins

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Ao se discutir a aposentadoria por invalidez do servidor público a diferenciação entre os institutos da readaptação e do desvio de função se constitui em matéria fundamental e que influencia diretamente na concessão do benefício.


A aposentadoria por invalidez se constitui em benefício concedido ao servidor público em razão de o mesmo encontrar-se incapaz permanentemente para o exercício das atribuições de seu cargo.


Evidenciando-se, assim, sua diferenciação com relação ao mesmo benefício oferecido aos segurados do INSS, uma vez que, no Regime Geral exige-se que a incapacidade laboral permanente seja para o exercício de toda e qualquer atividade laboral.


Isso pode parecer estranho para aqueles que não estão acostumados com as peculiaridades do serviço público, mas é absolutamente normal quanto se deve analisar a presença de incapacidade laboral no serviço público.


Isso porque, na iniciativa privada o cidadão pode exercer atividades profissionais em qualquer segmento, mesmo que não esteja ligado a sua formação acadêmica.


No serviço público essa possibilidade não existe, já que o cidadão ao ser aprovado no concurso público limita sua atuação às atribuições definidas em Lei para seu cargo efetivo.


Ao mesmo tempo em que essa diferença é bastante clara, em termos de Lei, constitui-se em verdadeiro tormento no momento da definição da existência ou não de incapacidade.


Já que os peritos médicos dos Regimes Próprios são formados para avaliar as condições de saúde do servidor com base nos pressupostos que norteiam a perícia dos trabalhadores da iniciativa privada.


E, por isso, propõem uma série de readaptações em total desconformidade com a Lei.


A situação se agrava pelo fato de que os órgãos responsáveis pela orientação e supervisão dos Regimes Próprios confundem o conceito do instituto jurídico.


Prova disso reside no teor do Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal – 2010 da União que ao conceituar o instituto da readaptação afirma que:


Readaptação é a investidura do servidor, indicada por avaliação pericial, em cargo de atribuições e responsabilidades compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental.


A definição feita pela União, para seus peritos, e, que muitas vezes serve de fonte de pesquisa para os peritos dos demais RPPS, caminha em sentido oposto ao que estabelece a Lei n.º 8.112/90, senão vejamos:


Art. 24.  Readaptação é a investidura do servidor em cargo de atribuições e responsabilidades compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental verificada em inspeção médica.


§ 1º  Se julgado incapaz para o serviço público, o readaptando será aposentado.


§ 2º  A readaptação será efetivada em cargo de atribuições afins, respeitada a habilitação exigida, nível de escolaridade e equivalência de vencimentos e, na hipótese de inexistência de cargo vago, o servidor exercerá suas atribuições como excedente, até a ocorrência de vaga.


O artigo 24 deixa clara a necessidade de que sejam respeitadas as características legais do cargo ocupado pelo servidor que se encontra com sua capacidade laboral limitada.


Para tanto afirma que sua ocorrência deve se dar em cargo com atribuições afins, devendo-se respeitar, também, a habilitação exigida, o nível de escolaridade e a equivalência de remuneração entre os cargos.


No que tange à definição, a doutrina é mais feliz ao se manifestar sobre a readaptação, uma vez que toma por base o teor do dispositivo legal supramencionado, conforme se depreende da lição de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo in DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO, 23ª edição, Editora Método, página 404:


O cargo provido por readaptação deverá ter atribuições afins às do anterior. Tem que ser respeitada a habilitação exigida, o nível de escolaridade e a equivalência de vencimentos.


Então, a correta interpretação e aplicação do instituto pressupõe a compatibilidade do cargo não somente com as limitações do servidor, mas também com as peculiaridades legais do cargo efetivo ocupado por ele e para o qual se encontra incapacitado.


A situação pode parecer irrelevante, mas se reveste de grande importância em razão das consequências decorrentes da sua indicação errônea.


A título de exemplo, imagine um servidor aprovado em um concurso público para o cargo Professor de Nível Médio que possui carteira da OAB.


Mas, em razão de problemas de saúde, encontra-se incapaz para o exercício das atividades relacionadas ao magistério e sendo o perito conhecer de sua outra profissão, ao constatar a compatibilidade de sua doença ou lesão com a realização de atos privativos de advogado, recomenda a readaptação do mesmo para a assessoria jurídica da Secretaria de Educação ou de outro órgão qualquer.


Esse ato não se constitui em uma readaptação e sim em burla ao concurso público, conforme entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal, in verbis:


Súmula nº 685


É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.


Isso porque, a readaptação é considerada um forma de provimento de derivado e como tal deve observar as regras pertinentes ao concurso público, motivo pelo qual a Lei impõe tantas exigências para sua concretização.


De fato, o que se encontra caracterizado nessa conduta é o chamado desvio de função, consistente nos dizeres de José dos Santos Carvalho Filho MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO, 28ª edição, editora Atlas, página 634 em:


Desvio de função, fato habitualmente encontrado nos órgãos administrativos, que consiste no exercício, pelo servidor, de funções relativas a outro cargo, que não o que ocupa efetivamente.


E uma afronta direta à Lei e aos regramentos contidos nos Estatutos de Servidores Públicos, conforme se depreende da jurisprudência pátria:


ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA OFICIAL. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNCÃO. DIREITO A INDENIZAÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS. CABIMENTO. PARCELAS VINCENDAS. DESCABIMENTO. REMESSA OFICIAL E APELAÇÕES NÃO PROVIDAS.


1. O desvio de função caracteriza-se quando o servidor público se encontra no exercício de atribuições diversas daquelas próprias do cargo público em que fora investido, sem o correspondente aumento de remuneração, bastando a comprovação de que aquelas atribuições existem e de que as mesmas são próprias de cargo público diverso do por ele ocupado.


2. Sobre o tema, na esfera trabalhista, consolidou-se o entendimento segundo o qual há desvio de função quando o empregador modifica as funções originais próprias do emprego, destinando ao empregado o exercício de funções mais qualificadas do que aquelas, sem o correspondente aumento de salário, ou, ainda, sendo-lhe destinado o exercício de funções próprias de categoria diversa da sua, promovendo, insofismavelmente, o enriquecimento ilícito do empregador.


3. Valendo-se deste conceito, no contorno da Administração Pública, o desvio de função caracteriza-se quando o servidor público se encontra no exercício de atribuições diversas daquelas próprias do cargo público em que fora investido, sem o correspondente aumento de remuneração, bastando a comprovação de que aquelas atribuições existem e de que as mesmas são próprias de cargo público diverso do por ele ocupado.


4. No presente caso, diante dos documentos acostados aos presentes autos por ambas as partes, verifica-se que, realmente, o apelado, funcionário público federal lotado na UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC, apesar de ocupar o cargo de "operador de máquina de lavanderia", vem exercendo desde junho de 2001 a função de "auxiliar administrativo".


5. No entanto, mesmo com o desempenho desse labor, o recorrido não foi contemplado com a devida remuneração, o que, ao meu modesto sentir, é o quanto basta para demonstrar o desvio de função praticado pela Administração cuja reparação não lhe confere o reenquadramento no cargo desempenhado, mas uma indenização correspondente aos valores resultantes da diferença entre os vencimentos do cargo ocupado e o da função efetivamente exercida, sob pena de locupletamento indevido da Administração.


6. Precedentes: AgRg no AREsp 188.624/GO, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/05/2013, DJe 09/05/2013; AgRg no AREsp 44.344/MG, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 07/05/2012; AC557914/PB, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO, Terceira Turma, JULGAMENTO: 21/11/2013, PUBLICAÇÃO: DJE 28/11/2013 - Página 451; APELREEX29320/CE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, Quarta Turma, JULGAMENTO: 19/11/2013, PUBLICAÇÃO: DJE 21/11/2013 - Página 353.


7. Esse entendimento, inclusive, já se encontra consolidado no seio do STJ, com a edição da Súmula 378.


8. Não obstante seja reconhecido o desvio de função para o caso dos autos, não há que se falar em condenação ao pagamento de parcelas vincendas enquanto perdurar o desvio de função, pois, como bem ressaltou o magistrado a quo não se cuida aqui de reconhecimento de situação jurídica consolidada, o que poderia propiciar a aplicação do art. 290 do Código de Processo Civil, relativo ao pagamento de prestações periódicas.


9. Caberá ao autor, caso não haja correção pela Administração se sua situação funcional, requerer o pagamento de quantias eventualmente devidas em momento posterior à propositura da ação através do ajuizamento de nova ação, apta a discutir a continuidade do desvirtuamento de função.


10. No tocante aos honorários, considerando o êxito parcial do autor, bem como o disposto no art. 20, parágrafo 4º, do CPC, estes devem ser mantidos em R$ 1.000,00 (mil reais).


11. Remessa oficial e apelações não providas. (TRF5 PROCESSO: 00046868620124058100, APELREEX29369/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 28/11/2013, PUBLICAÇÃO: DJE 09/01/2014 - Página 101)


Então, para que o perito médico possa indicar a readaptação, conforme estabelece a Lei, é preciso que ele tenha conhecimento das atribuições legais do cargo efetivo ocupado pelo servidor e, ao menos, indique outras com elas compatíveis.


Para que na sequência ele mesmo ou outro profissional responsável pela análise do processo administrativo, verifique a presença dos requisitos para a concretização da readaptação sem que incida em desvio de função.


Bruno Sá Freire Martins

Bruno Sá Freire Martins

Servidor Público efetivo do Estado de Mato Grosso; advogado; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor da LacConcursos e de pós-graduação na Universidade Federal de Mato Grosso, no ICAP – Instituto de Capacitação e Pós-graduação (Mato Grosso), no Instituto Infoc - Instituto Nacional de Formação Continuada (São Paulo), no Complexo Educacional Damásio de Jesus - curso de Regime Próprio de Previdência Social (São Paulo); fundador do site Previdência do Servidor (www.previdenciadoservidor.com.br); Presidente da Comissão de Regime Próprio de Previdência Social do Instituto dos Advogados Previdenciários – Conselho Federal (IAPE); membro do Cômite Técnico da Revista SÍNTESE Administração de Pessoal e Previdência do Agente Público, publicação do Grupo IOB; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288) endereço www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE e REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS, todos da editora LTr e do livro MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO da editora Rede Previdência/Clube dos Autores e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.


Palavras-chave: Direito Administrativo Servidor Público Desvio de Função Indenização

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8 Comentários

ELIAS ALVES GUARDA MUINICIPAL DO RIO DE JANEIRO 03/07/2016 10:01 Responder

SOU READAPTADO PELA PERÍCIA MÉDICA DA PREFEITURA DO RJ , EM CONFORMIDADE COM A LEI 94, PARA SERVIÇOS LEVES,INTERNO,PRÓXIMO A RESIDÊNCIA, E DE FÁCIL ACESSO AO TRABALHO . A QUESTÃO É : MEU INSPETOR COMANDANTE , CONSTANTEMENTE ME ESCALA LONGE DA MINHA RESIDÊNCIA , EM LOCAL DE DIFÍCIL ACESSO COM MAIS DE 60 KM DE DIFERENÇA DO MEU POSTO DE ORIGEM. O QUE DEVO FAZER PARA ISSO CESSAR ? ELE É CONHECEDOR DA READAPTAÇÃO E SABE QUE NÃO PODERIA , MAS O FAZ! MEU Email é . eliaselvys@hotmail.com ELIAS

leandro servidor público29/05/2017 23:10 Responder

No caso do servidor publico concursado como motorista. Este vem a ter sua cnh suspensa por 12 meses. Caberia a readaptação a este servidor?

Jaqueline Vale Auxiliar de serviços gerais 07/09/2017 16:27 Responder

Olá, me chamo Jaqueline e sou funcionária pública concursada há 7 anos e meio. Fui diagnosticada com hernia de disco e gostaria de saber se tenho direito ao desvio de função no meu trabalho?

VANIA AUX SERVIÇOS EDUCACIONAIS18/02/2018 12:54 Responder

descobri recentemente que tenho rinite alérgica e em meu trabalho mexo justamente com poeira,fiz o exame de alergia e a minha alergista me deu um atestado comprovando de que eu não posso trabalhar na função, tenho direito ao desvio de função?

Maria Aparecida DANTAS Funcionaria publica estadual 23/02/2018 2:37 Responder

Sou funcionária pública do Estado de São Paulo da educação a escola que trabalho como agente de serviços escolar vai tercerizar eu trabalho no estado a 25anos tenho direito a insalubridade eu perco a insalubridade se mudar de cargo ou continuo sendo ASE mesmo porque já tenho 32 anos de trabalho estou esperando a minha aposentadoria já dei entrada

Maria Aparecida DANTAS Funcionaria publica estadual 23/02/2018 2:37 Responder

Sou funcionária pública do Estado de São Paulo da educação a escola que trabalho como agente de serviços escolar vai tercerizar eu trabalho no estado a 25anos tenho direito a insalubridade eu perco a insalubridade se mudar de cargo ou continuo sendo ASE mesmo porque já tenho 32 anos de trabalho estou esperando a minha aposentadoria já dei entrada

Maria Aparecida DANTAS Funcionaria publica estadual 23/02/2018 2:37 Responder

Sou funcionária pública do Estado de São Paulo da educação a escola que trabalho como agente de serviços escolar vai tercerizar eu trabalho no estado a 25anos tenho direito a insalubridade eu perco a insalubridade se mudar de cargo ou continuo sendo ASE mesmo porque já tenho 32 anos de trabalho estou esperando a minha aposentadoria já dei entrada

José de Ribamar da Conceicao inojosa Funcionário público municipal-sao Luís _MA28/03/2018 16:47 Responder

Sou portador de glaucoma primário de ângulo aberto,já perdi 67%por cento do campo visual e visão periférica, gostaria de saber se eu posso pedir aposentadoria por invalidez ou serei readaptado em outra função .pós a minha função é motorista e exerço a 34 anos no serviço público. Obrigado pela atenção. José inojosa.

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