Reflexão: O complexo modelo das eleições presidenciais norte-americanas – procedimento

 O presente artigo discorre sobre o complexo modelo das eleições presidenciais norte-americanas

Fonte: Leonardo Sarmento

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Interessante notar, à título de informação preliminar, mas suplementar para melhor cognição final, que o modelo de eleição que disporemos infra foi instituído no momento da criação da Constituição dos Estados Unidos, em 1797. Àquela época, cada estado pretendia manter seus direitos, substancial autonomia e, principalmente os menores, temendo serem dominados pelos maiores, decidiram impor medidas que garantissem os seus desejos. Os líderes estaduais não confiavam no povo para escolher o Presidente, e neste compasso decidiram que mandariam seus delegados (como seus representantes) para fazer a eleição. Assim iniciou-se a complexidade do procedimento do escrutínio para presidência dos Estados Unidos.


Para se candidatar à Presidência nos Estados Unidos é preciso ter 35 anos de idade ou mais, ser nascido no país e viver lá por pelo menos 14 anos.


Em primeiro lugar, os norte-americanos escolhem os candidatos à Presidência de cada partido. Há vários partidos nos EUA, porém, os dois majoritários e que elegem mais Presidentes, como consabido, são o Democrata e o Republicano.


Os norte-americanos votam em um colégio eleitoral dentro de seu Estado em um representante. Para decidir quem representará o partido nas eleições, são feitas eleições primárias (ou prévias) em todos os estados, para que o povo escolha quem será o candidato de cada partido. Os representantes estatais eleitos pela população votam no candidato presidencial. O concorrente que obtiver a maioria de indicações no total dos Estados vence a eleição. Cada estado, então, decide como serão as primárias, abertas, fechadas, livres ou do tipo “cáucus” (espécie de assembleia popular - prévias sem cédulas). Dessa forma, decidem se os votantes devem ser filiados aos partidos, se podem participar das prévias dos dois partidos, e etc. As prévias começam bem antes das eleições à Presidência e o candidato escolhido é confirmado nas Convenções Partidárias. O candidato nomeado como candidato à Presidente escolhe quem será o seu vice.


E como esses representantes do colégio eleitoral são escolhidos? O povo não vota diretamente em seu candidato à Presidência da República. A população escolhe quem vai escolher o seu líder governamental, os chamados “superdelegados” (ou apenas delegados). A seleção acontece previamente, dentro dos partidos que concorrem às eleições presidenciais. O eleitorado espera que estes delegados votem no candidato do partido que representam e são muito raros os casos em que isso não acontece. Apesar disso, alguns estados do país criaram leis que obrigam os representantes a escolher o presidente de seu partido e evitar qualquer tipo de problema na disputa presidencial.


Além disso, na maior parte dos estados, a votação ocorre no modelo tradicional chamado “o vencedor leva tudo”. Nele, o partido do candidato com mais votos populares no Estado leva todos os delegados do colégio eleitoral. Nas eleições de 2008, por exemplo, Obama recebeu 61% dos votos na Califórnia e todos os 55 representantes do estado votaram nele, seguindo a preferência do voto popular. Isso significa que um candidato que receber 49% dos votos da população em um estado não vai receber nenhum voto dos delegados estaduais se o seu opositor conquistar mais de 50% do eleitorado. Por esta razão, a vitória dentro de cada uma das unidades federativas do país é o que decide a eleição presidencial dos EUA.


Ao todo, há um número de 540 delegados que fazem parte do Colégio Eleitoral nos Estados Unidos. Para ser eleito, o candidato deve ter o voto de 50% mais um dos delegados (271). Por mais votos populares que o candidato tenha, o mais importante é ter votos do Colégio Eleitoral, pois é ele que escolhe o novo Presidente.


O número de representantes em cada um dos Estados do país é definido pelo censo populacional: quanto maior a população, mais delegados que votam diretamente no presidente.


Diferentemente do Brasil, os norte-americanos não são obrigados a votar. Nas eleições presidenciais de 2008, por exemplo, 131 milhões de pessoas ou 64% do eleitorado votaram, batendo todos os recordes de comparecimento. Para incentivar a participação do eleitorado, as autoridades do país criaram mecanismos que facilitam o voto, mas que variam de acordo com o estado.


Quando um cidadão vota no seu candidato, esta pessoa está votando realmente é para instruir o delegado de seu estado em quem votar no colégio eleitoral. Por exemplo, se um eleitor vota no candidato do partido republicano, realmente esta pessoa está ordenando ao delegado de seu estado para que vote no candidato republicano no Colégio Eleitoral. Porém, mesmo que ganhe o voto popular em um determinado estado, ele deverá conseguir também os delegados desse estado.


Caso nenhum desses candidatos obtenha mais de 270 votos no Colégio Eleitoral, a 12ª Emenda entra em vigor e a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos decide quem será o novo presidente e o Senado dos Estados Unidos da América escolhe o vice. Cada delegação de congressistas de cada estado tem direito a um voto, e uma simples maioria de estados nomeia o vencedor.


Há criticas ao sistema norte-americano, como as que enfatizam que mesmo um candidato perdendo nos votos populares, ao conseguir 270 votos, se elege presidente pelo colégio eleitoral. Teoricamente, um candidato pode perder em 39 estados, mesmo não obtendo um só voto dos delegados, e sem problemas, eleger-se presidente por ganhar o voto dos delegados dos 12 estados abaixo: Califórnia: 55, Texas: 38, Nova York: 29, Flórida: 29, Ilinóis: 21, Nova Jersey: 20, Pensilvânia: 20, Ohio: 20, Michigan: 18, Carlina do Norte: 15, Geórgia: 15, Virgínia: 13, Total: 293.


É de fato um sistema eleitoral diferente e bem mais complexo que o nosso, mas conforme antecipamos logo de início, há motivações históricas que explicam o modelo pensado, criado e adotado pelos Estado Unidos, que prevê uma espécie de filtros para que a escolha final reverbere mais depurada, sem o simplismo do voto direto, servível para um modelo democrático maduro e discernido.


Terminamos com um questionamento: Conforme relatamos no século XVIII pairava uma certa desconfiança quanto as condições do povo norte-americano de escolher diretamente os seus presidentes, quando a participação popular decidiu-se para o bom funcionamento da democracia repercutiria indiretamente nas eleições para presidência dos Estados Unidos, por meio de intermediários, conforme aduzimos. Se fôssemos trazer este questionamento para o Brasil de hoje: O povo brasileiro do século XXI, com toda a sua ínsita e inapelável deficiência educacional e portanto cognitiva possui condições de escolher com critérios distintivos, diretamente, nossos presidentes?


É bom para refletir nosso modelo democrático quando comparado ao país mais democrático do mundo – ainda que com seus equívocos. Dar a maior liberdade para quem não foi preparado para dela gozar representa uma das formas mais eficiente que o poder dispõe de manipulação, de dominação.


Reflitamos em um sentido mais amplo, menos apequenado, míope e empobrecido de democracia e para isso lembremos que países como a vizinha Venezuela, entre outras ditaduras, se dizem democracias apenas por adotarem a perigosa e emblemática camuflagem do voto direto.


A confusão que propositalmente criam no objetivo de coincidir, fazer quase que expressões sinônimas, a democracia e voto direto, é um dos grandes perigos para a existência de uma democracia sadia, precipuamente quando tratamos de uma democracia impúbere e muitas das vezes desviadas de suas finalidades.


Para que não se criem confusões cognitivas, não advogamos a importação do modelo norte-americano, que conforme sustentamos possui sua explicação histórica naquele país. Nosso objetivo é apenas o de emitir luzes ao sentido de democracia desmistificado da supervalorização que certas culturas, muitas vezes com o fito de confundir, atribuem ao voto direto, que para sociedades despreparadas pode representar o mais profundo desvirtuamento dos ideais finalísticos de uma sadia democracia.


Para melhor estampar a reflexão que pretendemos, lembremos que o voto direto é uma previsão do poder constituinte com status de cláusula pétrea nos termos do art. 60, parágrafos 4º, II, da Constituição Republicana. Hoje, o voto direto é utilizado como argumento ardil pelo poder constituído para a manutenção de um poder corrupto e incompetente, afinal, foi o povo que diretamente escolheu. É como se presentear uma "ébrio intelectual", um demente, que não possui condições para discernir o jogo político lícito do ilícito, com uma arma de grosso calibre e a ela dar-lhe liberdade para que a use como lhe melhor aprouver, quando as consequências de seus atos serão partilhados por todos à partir de uma decisão de Estado que municiou quem não possuía condições para perpetrar livremente as suas escolhas.


Finalizamos dizendo que uma sociedade com educação não se constrói à curto prazo. Necessário vontade política para que à longo prazo se prepare uma sociedade capaz de vivenciar os ônus e o bônus de uma democracia com a consciência já discernida de suas escolhas.


Leonardo Sarmento

Leonardo Sarmento

Professor constitucionalista

Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV.


Palavras-chave: Complexo Modelo Eleições Presidenciais Norte-Americanas Constituição dos Estados Unidos

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