Museu do Lula ou do trabalhador? Quem seria o verdadeiro homenageado? Quem é o real beneficiário?

Projetado para homenagear o movimento sindical brasileiro, os trabalhadores e, como consequência, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Museu do Trabalhador, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, tem a sua construção cercada de suspeitas de irregularidades.

Fonte: Leonardo Sarmento

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Com o prazo de conclusão estourado em mais de dois anos, a obra, bancada com 80% de recursos da União, está sendo investigada pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público (MP) e ainda deve custar 30% acima do previsto.

Paralisada há nove meses, a construção, conhecida na cidade como “Museu do Lula”, é hoje um esqueleto de concreto num terreno tomado por mato e entulho, em frente à sede da prefeitura. A indicação da data de início da obra na placa oficial foi pintada. Restou apenas o prazo de nove meses para a entrega do prédio, o que deveria ter ocorrido em janeiro de 2013.

Além das investigações, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) julgou irregular a licitação porque o edital impunha exigências que atrapalhavam a competição.

O Ministério da Cultura estuda liberar mais R$ 3,6 milhões para o Museu do Trabalhador em São Bernardo do Campo. Pelo convênio firmado em 2010 pelo prefeito Luiz Marinho (PT), amigo de Lula, o museu receberia R$ 14,4 milhões do governo federal e contaria com mais R$ 3,6 milhões da administração local, com orçamento total de R$ 18 milhões. Porém, em 2014, Marinho concluiu que a quantia não era suficiente.

Em abril, pediu e conseguiu mais R$ 600 mil da União. Com os R$ 200 mil da prefeitura que entrariam como contrapartida, o custo total do museu saltou para R$ 18,8 milhões. Quatro meses depois, Marinho reavaliou que precisava de mais dinheiro. Pediu para o ministério R$ 3,6 milhões e se comprometeu a destinar R$ 900 mil oriundos do cofre da cidade. Se o aditivo for aprovado, o custo total do museu chegará a R$ 23,4 milhões, um acréscimo de R$ 5,4 milhões em relação ao valor previsto inicialmente.

O inquérito da Polícia Federal investiga a demora para a conclusão da obra. Já a investigação do Ministério Público Federal tem como alvo a participação de um suposto laranja na sociedade da empresa responsável pela construção.

A licitação, já em julho de 2014, foi reprovada pelo TCE-SP, por considerar o edital direcionado a partir das exigências que lá constavam e ainda apontou sérios indícios de superfaturamento no orçamento da obra. O MPU abriu inquérito civil.

O proprietário da CEI, “vencedora” da licitação para construção do Museu do Lula em 2013 tinha um sócio eletricista desempregado, que logo que foi descoberto morador de um bairro modesto, em um imóvel tão modesto quanto, em São Paulo. Logo após a descoberta referida laranja foi retirada da laranjada... O Ministério da Cultura, que não precisamos dizer à quem está hierarquicamente subordinado autorizou a captação de mais 14,6 milhões via Lei Roaunet.

Lamentavelmente, quem lida com Direito Público percebe com nitidez “ululante” (sem qualquer trocadilho com o ex- presidente Lula), que há notórios indícios de superfaturamento da obra com reversão de boa parte do erário público disponibilizado pela União para fins político-privatistas. Da mesmo forma foi utilizada a prática já mais que conhecida de montar-se um edital licitatório restrito, com exigências que o mercado não possui naquela localidade, com publicidade restrita, com participantes laranjas para formar um mínimo legal, para que seja declarado vencedor o licitante já informalmente pré-contratado disposto à dividir o dinheiro público empenhado na obra para interesses indubitavelmente distantes do interesse público.

Hoje temos PPPs (parcerias público-privadas) que não fazem sangrar tanto o erário, mas em compensação a margem para desvios de dinheiro público é muito mais reduzida. Uma participação de 80% de dinheiro da União deveria tratar-se de uma obra sem qualquer interesse privado de exploração futura, o que definitivamente não é o caso. Por que então está quantidade absurda de dinheiro público?

É assim que vemos enriquecimentos abruptos e sem causa qualificados pela ilivitude, com paraísos fiscais como garantia ao menos temporária de riqueza em lastro, sonegação fiscal a partir e desvios de dinheiro público, assim que vemos campanhas políticas milionárias com a maior parte de seus valores não declarados.

Temos a impressão que o alcunhado “Museu do Lula” já prestou seu contributo, ainda que nada nobre ou heroico, um contributo oculto e concebido, ao que nos parece sob a pecha da ilegalidade, da imoralidade, da pessoalidade e da ineficiência. Nosso lamento está em perceber que o contributo não contemplou como beneficiário quem teve seu nome utilizado como de “batismo”, que serviu como fundamento para aprovação da obra, o sempre explorado trabalhador, mas provavelmente quem pouco trabalhou e outros companheiros.

O mais complicado seria explicar os milhões gastos dos cofres públicos com materiais de baixa qualidade que apodrecem, se destroem pelo tempo e pelo abandono. Outra prática corrente de superfaturamento é agora, para recuperar o investimento de milhões desviados e mal empregados o aporte de novos milhões para que a obra seja encerrada e qualificada, quando novos desvios se oportunizam.

Assentamos que indícios, enquanto não suficientemente provados segundo o devido processo legal, não são suficientemente hábeis para condenar ninguém, por isso não sejamos levianos. Por maior robustez que se obtenha a partir de fatos, nosso sistema garantista rege-se pela “presunção de inocência”, pela necessidade do trânsito em julgado da decisão que muitas das vezes é mais política que de direito, e que valerá a cada novo fato que se demonstre criminoso, praticado pelo maior benfeitor ou pelo maior facínora, em que prevalecerá o “in dúbio pro reo” sem qualquer distinção, que não, claro, às de ordem política, que em regra interferem no processo para promover a impunidade pela “insuficiência de provas”. É assim que funciona, muito à grosso modo, nosso sistema punitivo. É assim que nós explicaríamos em parcas linhas à um leigo que nos perquirisse. É assim que funciona parcela do nosso Estado Democrático de Direito, ainda que nem sempre direito, por vezes bem torto.


Leonardo Sarmento

Leonardo Sarmento

Professor constitucionalista

Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV.


Palavras-chave: TCE Polícia Federal Direito Público Museu do Lula

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