Mulheres empregadas e horas extras

O presente artigo discorre sobre as mulheres empregadas e as horas extras

Fonte: Josiane Coelho Duarte

Comentários: (0)




A Constituição Federal – CF/88 trouxe a igualdade ou isonomia como garantia fundamental ao prever que:


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:


I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;


(...).


Todavia, ao contrário do que muitos pensam, referida igualdade não é material, concretamente, mas apenas formal com previsão em lei, pois a interpretação da norma deve ser realizada à luz de todo o ordenamento jurídico e analisando as circunstâncias que permeiam a realidade.


Sobre o conceito de igualdade, Aristóteles trouxe a seguinte definição: “igualdade é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”.


Examinando o clássico conceito de Aristóteles podemos extrair a essência da igualdade, ou seja, referido direito fundamental não significa tratar todos de forma igual indistintamente, haja vista que isto é desigualdade, mas sim observar as distinções de cada pessoa humana e a tratar conforme suas características peculiares que a difere dos demais.


Eis a razão para a existência das chamadas ações afirmativas conceituadas como:


“(...) políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão sócio-econômica no passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero ou de casta, aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural.” (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa - GEMAA. (2011) "Ações afirmativas". Disponível em: http://gemaa.iesp.uerj.br/dados/o-que-sao-acoes-afirmativas.html. Acessado em 02/03/2016.).


Assim, resta claro que a igualdade não pode ser vista como simplesmente tratarmos todos iguais, mas sim observar as distinções e só após elaborar leis que condizem com as diferenças e traga a igualdade material, no caso concreto, tal como ocorre com as pessoas com deficiência (PCD) e com as mulheres no mercado de trabalho.


Em relação ao trabalho da mulher a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, Lei 5.452/43, trouxe capítulo próprio denominado “Da proteção do trabalho da mulher”, no qual existem regras próprias para a realização de trabalhos por pessoas do sexo feminino inclusive proibindo qualquer forma de discriminação, dando, assim, efetividade à igualdade material.


No que tange à jornada de trabalho, há regras específicas na CF/88 (art. 5º, XIII) e na CLT (art. 58) que preveem a duração normal do trabalho de 8h diárias e 44 semanais, admitida a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva.


Ainda, a CLT permite a prorrogação da jornada de trabalho por no máximo 2h mediante negociação individual ou coletiva (art. 59 da CLT), salvo em caso de força maior, quando será permitida jornada de até 12h, observadas as determinações legais (§ 2º do art. 61 da CLT).


Para o cumprimento de horas extras basta a continuidade do trabalho após o limite legal de 8h, sem necessitar de observar qualquer requisito, seja para homens ou para mulheres, certo? Errado!


A CLT possui regra sobre o início das horas extras das mulheres que muitos empregadores desconhecem, ou burlam conscientemente, que é a obrigatoriedade de concessão de intervalo de descanso de 15 minutos antes do início da jornada extraordinária.


Conforme disposição da lei:


Art. 384 - Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho.


Mas seria referida regra constitucional? E o princípio da igualdade?


A questão se tornou tão controvertida nos Tribunais Regionais do Trabalho que foi objeto de decisão em 2014 no Recurso Extraordinário (RE) 658312, com repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, (o que torna a decisão obrigatoriamente aplicável a todos os casos idênticos) sendo que por maioria os Ministros firmaram posicionamento de que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela CF/88.


Nas palavras do relator, MIn. Dias Toffoli:


“(...) a Constituição de 1988 estabeleceu cláusula específica de igualdade de gênero e, ao mesmo tempo, admitiu a possibilidade de tratamento diferenciado, levando em conta a “histórica exclusão da mulher do mercado de trabalho”; a existência de “um componente orgânico, biológico, inclusive pela menor resistência física da mulher”; e um componente social, pelo fato de ser comum a chamada dupla jornada – o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no trabalho – “que, de fato, é uma realidade e, portanto, deve ser levado em consideração na interpretação da norma”. (Grifo meu).


Deste modo, resta claro que às mulheres é garantido um intervalo de 15 minutos antes do início do cumprimento das horas extras, sob pena de pagamento do período como hora extra, conforme entendimento firmado pelo Eg. Tribunal Superior do Trabalho, conforme ementa a seguir transcrita:


Ementa


RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 - HORAS EXTRAS - INTERVALO DO ARTIGO 384 DA CLT - NORMA DE PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER O Eg. TST firmou jurisprudência de que o artigo 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição da República, sendo devidas horas extras pela não concessão do intervalo nele previsto. Precedentes. (...). Recurso de Revista conhecido parcialmente e provido. Processo: RR 520642014504041. Órgão Julgador: 8ª Turma. Relator (a): Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. Julgamento: 14/10/2015. Publicação: DEJT 16/10/2015).


Portanto, cabe às mulheres observarem o cumprimento da norma e exigir que seu direito seja respeitado, fazendo, desta forma, valer o princípio fundamental da igualdade material nas relações sociais.


Josiane Coelho Duarte

Josiane Coelho Duarte

Advogada Bacharel em Direito pela Anhanguera Educacional S/A, pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNIVAG em convênio com a Amatra XXIII, Servidora Pública Estadual perfil Advogado e Professora do Ensino Superior.


Palavras-chave: CF CLT Horas Extras Igualdade de Direitos Isonomia Homens e Mulheres

Deixe o seu comentário. Participe!

colunas/josiane-coelho-duarte/mulheres-empregadas-e-horas-extras

0 Comentários

Conheça os produtos da Jurid