Cobrança (i)legal de tarifa ou preço público de saneamento básico

O Direito Tributário trata dos dois institutos diferenciando-os com base em critérios objetivos.

Fonte: Josiane Coelho Duarte

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Antes de adentrarmos o cerne da questão, importante conceituar taxa e distingui-la da tarifa ou preço púbico, expressões muito utilizadas no dia a dia de nós brasileiros. O Direito Tributário trata dos dois institutos diferenciando-os com base em critérios objetivos.


É necessário dizer que, por força dos artigos 145, II, Constituição Federal de 1988 e do Código Tributário Nacional, taxa é espécie tributária, ao passo que tarifa deriva de relação contratual; ambas são prestações pecuniárias que remuneram serviço público específico e divisível, ou seja, pode-se mensurar o que cada cidadão utilizou (ou que o foi posto à disposição no caso da taxa) e o que deverá, assim, ser pago pelo serviço.


Conforme entendimento do e. Supremo Tribunal Federal – STF, a diferença entre os institutos está na essencialidade do serviço. Assim, os serviços essenciais propriamente estatais, emissão de passaporte e outros documentos pessoais e o serviço jurisdicional, por exemplo, são classificados como serviços de utilização compulsória e remunerados mediante o pagamento de taxa.


Por outro lado, os serviços essenciais ao interesse público, que são aqueles prestados a um particular no interesse público, tais como o fornecimento de água, esgoto e coleta de lixo, são remunerados mediante tarifa ou preço público, cujo pagamento se dá apenas quando houver o efetivo consumo, não pelo simples fato do serviço ser colocado à disposição.


Sobre a natureza jurídica do pagamento da contraprestação do serviço de saneamento básico houve muita celeuma, contudo o e. STF e C. Superior Tribunal de Justiça - STJ já firmaram posicionamento no sentido de se tratar de tarifa, assim:


Embargos de divergência. Contraprestação cobrada pelo serviço público de água e esgoto. Natureza jurídica de tarifa. Precedentes do STJ e do STF. 1. Este Tribunal Superior, encampando entendimento sedimentado no Pretório Excelso, firmou posição no sentido de que a contraprestação cobrada por concessionárias de serviço público de água e esgoto detém natureza jurídica de tarifa ou preço público. 2. Definida a natureza jurídica da contraprestação, também definiu-se pela aplicação das normas do Código Civil. 3. A prescrição é vintenária, porque regida pelas normas do Direito Civil. 4. Embargos de divergência providos. (STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 690.609-RS (2006/0044431-6) Relatora: Ministra Eliana Calmon Embargante: Departamento Municipal de Água e Esgoto - DMAE Procurador: Patricia Dornelles Schneider e outro(s) Embargado: Gladis Terezinha Santos Dias Advogado: Luciano Santos Dias EMENTA Tributário.).


Em relação ao pagamento da tarifa de saneamento básico (esgoto), a questão ainda gera bastante controvérsia no âmbito dos tribunais no que diz respeito à legalidade de sua cobrança e seus limites.


A 1ª Seção do e. STJ, no julgamento de Recurso Repetitivo (que deve ser aplicado a todos os casos idênticos) autorizou a cobrança de referida tarifa pelas concessionárias de serviço público mesmo que estas não cumpram todas as etapas do processo de saneamento básico.


Assim:


ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SERVIÇO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COLETA E TRANSPORTE DOS DEJETOS. INEXISTÊNCIA DE REDE DE TRATAMENTO. TARIFA. LEGITIMIDADE DA COBRANÇA. 1. (...). 2. À luz do disposto no art. 3º da Lei 11.445/2007 e no art. 9º do Decreto regulamentador 7.217/2010, justifica-se a cobrança da tarifa de esgoto quando a concessionária realiza a coleta, transporte e escoamento dos dejetos, ainda que não promova o respectivo tratamento sanitário antes do deságue. 3. Tal cobrança não é afastada pelo fato de serem utilizadas as galerias de águas pluviais para a prestação do serviço, uma vez que a concessionária não só realiza a manutenção e desobstrução das ligações de esgoto que são conectadas no sistema público de esgotamento, como também trata o lodo nele gerado. 4. O tratamento final de efluentes é uma etapa posterior e complementar, de natureza sócio-ambiental, travada entre a concessionária e o Poder Público. 5. A legislação que rege a matéria dá suporte para a cobrança da tarifa de esgoto mesmo ausente o tratamento final dos dejetos, principalmente porque não estabelece que o serviço público de esgotamento sanitário somente existirá quando todas as etapas forem efetivadas, tampouco proíbe a cobrança da tarifa pela prestação de uma só ou de algumas dessas atividades. (...) 6. Diante do reconhecimento da legalidade da cobrança, não há o que se falar em devolução de valores pagos indevidamente, restando, portanto, prejudicada a questão atinente ao prazo prescricional aplicável as ações de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto. 7. Recurso especial provido, para reconhecer a legalidade da cobrança da tarifa de esgotamento sanitário. (Processo submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ. REsp 1339313 / RJ


RECURSO ESPECIAL 2012/0059311-7 S1 - PRIMEIRA SEÇÃO Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142). Data do julgamento: 12/06/2013. DJe 21/10/2013.)


Neste ano de 2016 o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mais uma vez, condenou a concessionária local a restituir as tarifas pagas por um consumidor pelo período de 10 anos, haja vista que todas as etapas de saneamento básico (a coleta, o transporte e o tratamento) não foram cumpridas no bairro onde mora, conforme diretrizes da Lei 11.445/2007, que dispõe sobre o saneamento básico.


Nas palavras do Relator Cláudio de Mello Tavares:


“Todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais danos, por vícios ou defeitos, dos bens e serviços fornecidos ao mercado. Não se vislumbra plausível que, em se tratando de prestação de serviço público, sobre o qual a legislação consumerista exige eficiência, tal requisito seja dispensado no caso do esgoto, que envolve serviço essencial e que atinge diretamente a saúde e a dignidade das pessoas, bem como o direito a um meio ambiente equilibrado”. (Grifo meu).


Eis o teor do acórdão:


ACORDÃO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C RESSARCIMENTO DE DANOS. SAAE/BM. PRESTAÇÃO PRECÁRIA DO SERVIÇO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO. INOBSERVÂNCIA AO ART. 22 DO CDC. SERVIÇO PÚBLICO QUE DEVE SER PRESTADO DE FORMA EFICIENTE. OBRIGAÇÃO DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO ADEQUADO, PREVISTA NO ESTATUTO DAS CONCESSÕES E NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PREJUÍ- ZOS AO MEIO AMBIENTE. AFRONTA AO DIREITO ASSEGURADO PELO ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COBRANÇA INDEVIDA. RESTITUIÇÃO SIMPLES DAS VERBAS EQUIVOCADAMENTE COBRADAS, OBSERVADO O PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL. A CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO COM O MUNICÍPIO NÃO AFASTA A LEGITIMIDADE DA RÉ, PORQUANTO FOI QUEM ASSUMIU, PERANTE O CONSUMIDOR, A OBRIGAÇÃO PELO FORNECIMENTO DE ÁGUA E PELA COLETA E TRATAMENTO DOS ESGOTOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJRJ. Apelação Cível n.º 0173960-09.2011.8.19.0001 Secretaria da Décima Primeira Câmara Cível Rua Dom Manuel, 37, 3º andar, sala 334, Lâmina III, Centro, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20010-010 Tel. + 55 21 3133-6011 – Email: 11cciv@tjrj.jus.br 1 Apelante: Wander Moreira Apelado: Companhia Estadual de Águas e Esgotos CEDAE Relator: Des. Claudio de Mello Tavares). (Grifo meu).


Da análise da decisão do e. STJ resta claro que a cobrança pode ser realizada quando pelo menos uma das etapas for cumprida, mesmo que não conclua o tratamento sanitário antes do deságue. Assim, a contrário sensu, é afastada a cobrança quando nenhuma atividade é cumprida pela concessionária de serviço público.


Ora, como pode a concessionária de serviço público efetuar a cobrança de tarifa de esgoto se sequer existe esgoto na localidade, ou caso existente a coleta não é realizada? Não pode!


Sobre o tema, eis o entendimento firmado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso:


REEXAME NECESSÁRIO DE SENTENÇA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COBRANÇA DE TAXA DE ESGOTO – ILEGALIDADE – NATUREZA JURÍDICA DE TARIFA – COBRANÇA EM FUNÇÃO DO CONSUMO E NÃO PELO SERVIÇO POSTO A DISPOSIÇÃO – JUROS DE MORA - AÇÃO AJUIZADA APÓS A EDIÇÃO DA MP Nº 2.180/01 - FIXAÇÃO NO PATAMAR DE 6% AO ANO – SENTENÇA SOB REEXAME PARCIALMENTE RETIFICADA. O e. Superior Tribunal de Justiça já fixou que o serviço de esgoto é tarifa, inclusive por julgamento de recursos repetitivos – art. 543-C do CPC, sendo cobrada em função do consumo, e não do serviço colocado à disposição. Às ações ajuizadas posterior a vigência da medida provisória 2.180-35/01, deve ser aplicado os juros moratórios de 6% ao ano.


(TJMT. ReeNec 95731/2011, DES. MARIANO ALONSO RIBEIRO TRAVASSOS, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 29/05/2012, Publicado no DJE 07/06/2012). (Grifo meu).


As decisões dos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e do Mato Grosso enfrentam com propriedade a questão, posto que é ilógico e ilegal admitir que seja cobrada taxa de prestação de serviço que não é prestado, o que, ainda, gera enriquecimento sem causa da concessionária de serviço público, vedado pelo ordenamento jurídico pátrio (artigos 884 e seguintes do Código Civil).


Desta forma, resta evidente que a decisão do e. STJ não comporta interpretação no sentido de permitir a cobrança de tarifa de saneamento básico nas localidades que inexiste sequer uma das etapas em que a mesma consiste (coleta, transporte e tratamento).


Por fim, caso o consumidor se sinta lesado por pagar referida tarifa sem a contraprestação da concessionária de serviços públicos, pode e deve socorrer-se do Poder Judiciário para ser ressarcido dos pagamentos indevidos, bem como para que as cobranças ilegais cessem até que o serviço seja efetivamente prestado.


Josiane Coelho Duarte

Josiane Coelho Duarte

Advogada Bacharel em Direito pela Anhanguera Educacional S/A, pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNIVAG em convênio com a Amatra XXIII, Servidora Pública Estadual perfil Advogado e Professora do Ensino Superior.


Palavras-chave: CF CC CTN Cobrança Ilegal Taxa Preço Público Saneamento Básico

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