Abandono afetivo e suas consequências jurídicas

O presente artigo sobre sobre as consequências jurídicas em casos de abandono afetivo.

Fonte: Josiane Coelho Duarte

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Por mais que amar não seja um ato obrigatório, é o mínimo que se pode esperar de pessoas que se tornaram pais e, assim, colocaram uma vida no mundo, mas, infelizmente, não é o que sempre acontece. Seria tal atitude imune a gerar obrigações jurídicas?


Marcia Elena de Oliveira Cunha, psicóloga e advogada, afirma que o afeto “(...) pode ser compreendido como um aspecto subjetivo e intrínseco do ser humano que atribui significado e sentido à sua existência, que constrói o seu psiquismo a partir das relações com outros indivíduos.” (CUNHA, Márcia Elena de Oliveira. O Afeto face a Dignidade da Pessoa Humana e seus efeitos jurídicos no Direito de Família. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=482>).


O denominado abandono afetivo é de difícil definição e sua prova não é, igualmente, das mais fáceis. Todavia, podemos conceituar como o grave abandono emocional do filho, em relação a um ou ambos os genitores, capaz de desencadear lesões imateriais que sensibilizam o íntimo da vítima, causando danos em sua dignidade da pessoa humana e ferindo sua personalidade a ponto de gerar consequências severas em seu desenvolvimento como pessoa natural.


É sabido que:


“(...) dentre as obrigações parentais previstas constitucionalmente encontra-se a convivência familiar, decorrente do princípio da parentalidade responsável. E deve-se ir mais além: essa convivência familiar precisa ser regrada pelo afeto e cuidado. Surge deste entendimento o princípio da afetividade no Direito de Família: as relações familiares constituídas através de laços de afetividade representam a base da sociedade, pois é por meio do afeto que damos sentido à existência humana, que aprendemos a respeitar o outro e que desenvolvemos nosso caráter. A ausência destes elementos na criação dos filhos produz sequelas emocionais que podem comprometer o desenvolvimento da personalidade da criança e adolescente, assim como a capacidade deste individuo vir no futuro constituir uma base familiar regrada pelo afeto, inclusive em relação a seus próprios filhos.” (Krieger, Mauricio Antonacci; Kasper, Bruna Weber. In: Consequências do Abandono Afetivo. Acessado em: 06/04/2016).


Deste modo, certo que o afeto é algo primordial na vida de qualquer ser humano, mais ainda na fase de formação da pessoa, quando criança e adolescente momento em que seu caráter e personalidade estão sendo moldados.


Contudo, seria possível obrigar a amar? Qual o grau de afeto que uma pessoa precisa para viver feliz?


Referidos questionamentos ainda não foram definitivamente respondidos pela ciência médica, tampouco pela jurídica, ante sua complexidade.


O Direito brasileiro deu tratamento central à pessoa humana ao dispor na Carta Cidadã de 1988 que a dignidade da pessoa humana é princípio fundamental (art. 1º, III, CF/88), e diante disto as ofensas geradas a qualquer ser humano, seja de natureza material ou moral devem ser reparadas, conforme a dicção do art. 5º, X da CF/88 e artigos 186 e 927 do Código Civil.


Por dano moral entende-se a lesão que macula direitos imateriais, extrapatrimoniais da pessoa, que não pode ser objetivamente medida, é sentida por cada pessoa de um modo, mas sempre é indenizável.


Para a configuração do dano moral na seara do Direito de Família a análise se dá de modo subjetivo, ou seja, deve haver o fato, nexo causal e o dano devidamente provados.


Deste modo, o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:


APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ABANDONO AFETIVO. A condenação ao pagamento de indenização, em decorrência do abandono paterno, é possível, desde que cabalmente demonstrados os requisitos ensejadores da responsabilidade civil, ou seja a omissão paterna, o dano e o nexo de causalidade. Na hipótese, o réu somente soube ser pai do autor por meio de ação de investigação de paternidade, ajuizada quando o filho já contava com 25 anos de idade. Por outro lado, os laços afetivos são construídos ao longo de muitos anos de convivência, e não com a prolação de um provimento jurisdicional. O autor não logrou demonstrar o aventado dano que sofreu, não se desincumbindo do ônus probatório, nos termos do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. Sentença mantida. Negado provimento ao apelo. (TJ-SP - APL: 91077933020098260000 SP 9107793-30.2009.8.26.0000, Relator: Fábio Podestá, Data de Julgamento: 30/06/2015,  14ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Data de Publicação: 01/07/2015) http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/204171037/apelacao-apl-91077933020098260000-sp-9107793-3020098260000).


O abandono afetivo, falta de convivência sadia e proveitosa com um dos genitores, capaz de gerar consequências psicológicas no filho, de acordo com a jurisprudência (decisões dos tribunais) a qual me filio, é apto a gerar dano moral, nos seguintes termos:


CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO. 1. A indenização por danos morais decorrente de abandono afetivo somente é viável quando há um descaso, uma rejeição, um desprezo pela pessoa por parte do ascendente, aliado ao fato de acarretar danos psicológicos em razão dessa conduta. 2. O fato de existir pouco convívio com seu genitor não é suficiente, por si só, a caracterizar o desamparo emocional a legitimar a pretensão indenizatória. 3. Embargos desprovidos. (TJ-DF - EIC: 20120110447605, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, Data de Julgamento: 26/01/2015,  2ª Câmara Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 10/02/2015 . Pág.: 98. Fonte: http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/311027847/embargos-infringentes-civeis-eic-20120110447605) (Grifei);


INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS - RELAÇÃO PATERNO-FILIAL - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. O dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (TJMG. AC 408.550-5. DES. UNIAS SILVA. DJ. 01/04/2004) (Grifei).


Assim, resta claro que não basta a não convivência com um dos pais para que seja devida a indenização por abandono afetivo, mas a situação específica de cada caso concreto deve ser grave o suficiente para gerar danos à formação psíquico-emocional do filho, lesão esta que deverá ser judicialmente provada através de auxílio técnico de psicólogos e demais profissionais, cuja análise se fizer necessária.


Por fim, cabe salientar que a indenização porventura fixada deve ser capaz de gerar certo conforto à situação de angústia da vítima, já que o afeto jamais será restaurado e o dano em si não é compensável, bem como ser apto a constranger o ofensor a não mais repetir o ato lesivo, seja com o filho indenizado ou com outro, porém sem gerar enriquecimento sem causa do indenizado (art. 884 do Código Civil).


Josiane Coelho Duarte

Josiane Coelho Duarte

Advogada Bacharel em Direito pela Anhanguera Educacional S/A, pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela UNIVAG em convênio com a Amatra XXIII, Servidora Pública Estadual perfil Advogado e Professora do Ensino Superior.


Palavras-chave: CF CC Abandono Afetivo Direito de Família Ação Indenizatória

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