Abandono afetivo e suas consequências jurídicas
O presente artigo sobre sobre as consequências jurídicas em casos de abandono afetivo.
Por mais que amar não seja um ato obrigatório, é o mínimo que se pode esperar de pessoas que se tornaram pais e, assim, colocaram uma vida no mundo, mas, infelizmente, não é o que sempre acontece. Seria tal atitude imune a gerar obrigações jurídicas?
Marcia Elena de Oliveira Cunha, psicóloga e advogada, afirma que o afeto “(...) pode ser compreendido como um aspecto subjetivo e intrínseco do ser humano que atribui significado e sentido à sua existência, que constrói o seu psiquismo a partir das relações com outros indivíduos.” (CUNHA, Márcia Elena de Oliveira. O Afeto face a Dignidade da Pessoa Humana e seus efeitos jurídicos no Direito de Família. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=482>).
O denominado abandono afetivo é de difícil definição e sua prova não é, igualmente, das mais fáceis. Todavia, podemos conceituar como o grave abandono emocional do filho, em relação a um ou ambos os genitores, capaz de desencadear lesões imateriais que sensibilizam o íntimo da vítima, causando danos em sua dignidade da pessoa humana e ferindo sua personalidade a ponto de gerar consequências severas em seu desenvolvimento como pessoa natural.
É sabido que:
“(...) dentre as obrigações parentais previstas constitucionalmente encontra-se a convivência familiar, decorrente do princípio da parentalidade responsável. E deve-se ir mais além: essa convivência familiar precisa ser regrada pelo afeto e cuidado. Surge deste entendimento o princípio da afetividade no Direito de Família: as relações familiares constituídas através de laços de afetividade representam a base da sociedade, pois é por meio do afeto que damos sentido à existência humana, que aprendemos a respeitar o outro e que desenvolvemos nosso caráter. A ausência destes elementos na criação dos filhos produz sequelas emocionais que podem comprometer o desenvolvimento da personalidade da criança e adolescente, assim como a capacidade deste individuo vir no futuro constituir uma base familiar regrada pelo afeto, inclusive em relação a seus próprios filhos.” (Krieger, Mauricio Antonacci; Kasper, Bruna Weber. In: Consequências do Abandono Afetivo. Acessado em: 06/04/2016).
Deste modo, certo que o afeto é algo primordial na vida de qualquer ser humano, mais ainda na fase de formação da pessoa, quando criança e adolescente momento em que seu caráter e personalidade estão sendo moldados.
Contudo, seria possível obrigar a amar? Qual o grau de afeto que uma pessoa precisa para viver feliz?
Referidos questionamentos ainda não foram definitivamente respondidos pela ciência médica, tampouco pela jurídica, ante sua complexidade.
O Direito brasileiro deu tratamento central à pessoa humana ao dispor na Carta Cidadã de 1988 que a dignidade da pessoa humana é princípio fundamental (art. 1º, III, CF/88), e diante disto as ofensas geradas a qualquer ser humano, seja de natureza material ou moral devem ser reparadas, conforme a dicção do art. 5º, X da CF/88 e artigos 186 e 927 do Código Civil.
Por dano moral entende-se a lesão que macula direitos imateriais, extrapatrimoniais da pessoa, que não pode ser objetivamente medida, é sentida por cada pessoa de um modo, mas sempre é indenizável.
Para a configuração do dano moral na seara do Direito de Família a análise se dá de modo subjetivo, ou seja, deve haver o fato, nexo causal e o dano devidamente provados.
Deste modo, o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:
APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ABANDONO AFETIVO. A condenação ao pagamento de indenização, em decorrência do abandono paterno, é possível, desde que cabalmente demonstrados os requisitos ensejadores da responsabilidade civil, ou seja a omissão paterna, o dano e o nexo de causalidade. Na hipótese, o réu somente soube ser pai do autor por meio de ação de investigação de paternidade, ajuizada quando o filho já contava com 25 anos de idade. Por outro lado, os laços afetivos são construídos ao longo de muitos anos de convivência, e não com a prolação de um provimento jurisdicional. O autor não logrou demonstrar o aventado dano que sofreu, não se desincumbindo do ônus probatório, nos termos do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. Sentença mantida. Negado provimento ao apelo. (TJ-SP - APL: 91077933020098260000 SP 9107793-30.2009.8.26.0000, Relator: Fábio Podestá, Data de Julgamento: 30/06/2015, 14ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Data de Publicação: 01/07/2015) http://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/204171037/apelacao-apl-91077933020098260000-sp-9107793-3020098260000).
O abandono afetivo, falta de convivência sadia e proveitosa com um dos genitores, capaz de gerar consequências psicológicas no filho, de acordo com a jurisprudência (decisões dos tribunais) a qual me filio, é apto a gerar dano moral, nos seguintes termos:
CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO. 1. A indenização por danos morais decorrente de abandono afetivo somente é viável quando há um descaso, uma rejeição, um desprezo pela pessoa por parte do ascendente, aliado ao fato de acarretar danos psicológicos em razão dessa conduta. 2. O fato de existir pouco convívio com seu genitor não é suficiente, por si só, a caracterizar o desamparo emocional a legitimar a pretensão indenizatória. 3. Embargos desprovidos. (TJ-DF - EIC: 20120110447605, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, Data de Julgamento: 26/01/2015, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 10/02/2015 . Pág.: 98. Fonte: http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/311027847/embargos-infringentes-civeis-eic-20120110447605) (Grifei);
INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS - RELAÇÃO PATERNO-FILIAL - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE. O dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (TJMG. AC 408.550-5. DES. UNIAS SILVA. DJ. 01/04/2004) (Grifei).
Assim, resta claro que não basta a não convivência com um dos pais para que seja devida a indenização por abandono afetivo, mas a situação específica de cada caso concreto deve ser grave o suficiente para gerar danos à formação psíquico-emocional do filho, lesão esta que deverá ser judicialmente provada através de auxílio técnico de psicólogos e demais profissionais, cuja análise se fizer necessária.
Por fim, cabe salientar que a indenização porventura fixada deve ser capaz de gerar certo conforto à situação de angústia da vítima, já que o afeto jamais será restaurado e o dano em si não é compensável, bem como ser apto a constranger o ofensor a não mais repetir o ato lesivo, seja com o filho indenizado ou com outro, porém sem gerar enriquecimento sem causa do indenizado (art. 884 do Código Civil).