Tragédia nossa, de cada dia
A tragédia surgiu juntamente com a comédia, no teatro grego, e a primeira tinha nobre missão dentro das comemorações ao deus da fertilidade, capturar a essência humana e sua relação com valores como amor, ódio, medo, traição e, etc. Nas festas em homenagem ao deus Dionísio, havia concursos de tragédias, cujo prêmio ao vencedor era uma cabra.
Toda
tragédia tem uma trajetória previsível. Chega até ser clichê. De acordo com
Aristóteles, a tragédia era um gênero maior capaz de transmitir as sensações
vivenciadas pelas personagens. Funciona por meio de catarse, e promove uma
purificação ou purgação de pensamentos e sentimentos.
Etimologicamente
tragédia vem do grego tragoedia e significa literalmente canção ao
bonde. Isto porque durante as celebrações ao Deus Dionísio, um bode era
sacrificado como oferenda.... e, também por a tragédia estar relacionada com as
figuras dos sátiros que eram metade humanos e metade bodes.
Em
“Prometeu Acorrentado”, uma das principais tragédias de Ésquilo, trata do
castigo imposto por Zeus a Prometeu, devido ter roubado o fogo que pertencia
aos deuses e, ter concedido à humanidade.
Auspiciosamente
o titã Prometeu[1]
roubou o fogo de Zeus para dá-lo aos mortais. E, como punição o Deus dos deuses
mandou acorrentar Prometeu a um rochedo e, mandou-lhe uma água para devorar seu
fígado, que, no entanto, tinha a capacidade de se regenerar toda noite.
Anos
e anos se passaram, até que um dia o centauro Quíron resolveu salvá-lo,
libertando-o das correntes e matando a água com belo arremesso de flecha
certeiro. Depois de ser salvo, Prometeu se tornou um deus, pois Quíron
ofereceu-lhe a sua imortalidade.
Prometeu
seria o responsável pela criação da espécie humana, pois na Terra só existiam
plantas e animais e, segundo a mitologia, Prometeu teria criado o homem a
partir do barro tendo como molde a forma física dos deuses.
Finda
a sua modelagem, Prometeu criou seres humanos e concedeu-lhe a alma dos
animais. E, mais tarde, admitindo o modelo criado por Prometeu, Atena, a deusa
da sabedoria substituiu a alma dos animais pelo espírito, soprando-lhe o
divino.
Desta
forma, Prometeu ensinou aos humanos vários ofícios, tal como a carpintaria, e
percebendo que lhes faltava algo, ofereceu-lhes o fogo que representa o símbolo
do conhecimento intuitivo.
Édipo-Rei[2] é um personagem
emblemático sendo citado por Aristóteles em sua obra “Poética”. Segundo a lenda
grega, Édipo era filho de Laio e Jocasta, reis de Tebas, porém, a cidade fora
assolada pela peste[3].
Ao consultar o oráculo de Delfos, Édipo previu o trágico sobre sua vida, pois
fora amaldiçoado pelos deuses.
Fatidicamente,
o oráculo revelara que estava destinado a desposar a mãe, com quem teve dois
filhos e duas filhas e, ainda, a assassinar seu pai, que era o rei que
governava a cidade antes de Édipo[4]. Ao saber da verdade, sua
mãe enforcou-se, e Édipo envergonhado, perfurou seus próprios olhos.
Tudo
começou quando seu pai teve um filho com Jocasta. Um dos oráculos já lhe tinha
avisado sobre seu destino trágico: ser morto por seu próprio filho. Somente depois
do nascimento da criança, Laio se arrepende. Pede para um de seus servos
abandonar o bebê no Monte Citerão (entre Tebas e Corinto) com os pés amarrados
numa árvore.
Entretanto,
ele fora encontrado por um pastor e acabou sobrevivendo, sendo adotado pelo rei
de Corinto Pólibo, que o considerou como sendo seu próprio filho.
Já
adulto, Édipo decide abandonar Corinto e ir à Tebas consultar o oráculo que o
revela sobre sua maldição: matar seu pai e casar com sua mãe.
Atordoado
com a revelação, seguiu em direção a cidade e no meio de sua jornada, acaba
matando seu pai por uma discussão que tiveram numa encruzilhada.
Além
disso, encontrou a Esfinge na porta da cidade de Tebas, ser mitológico metade
leão e metade mulher. A Esfinge que aterrorizava grande parte do povo tebano
com seus enigmas, posto que quem não adivinhasse era imediatamente devorado por
ela.
Todavia,
Édipo acertou a pergunta feita por ela, e por fim, ela acabou se matando. Esse
fato que o tornou um herói e, assim, foi eleito o novo Rei de Tebas.
O
enigma proposto pela Esfinge[5] foi: "Qual é o animal
que de manhã tem quatro pés, dois ao meio dia e três à tarde?" Sem
hesitar, Édipo responde que essa figura é o homem.
Isso
porque na infância engatinha, na idade adulta anda ereto com os dois pés, e na
velhice necessita da bengala (o terceiro pé) para se apoiar.
O
conhecimento é sempre processo doloroso e arma de dois gumes. Apenas o tolo
pensa que sabe. O Édipo de Sófocles teve que aprender esta lição a duras penas
e, a toda reinterpretação do mito e do enigma corre-se o mesmo risco.
A
busca do conhecimento se resume, assim, violência feita contra o que se quer
conhecer, justamente por sujeitá-lo ao arbítrio do nosso conhecimento. E,
assim, nesse sentido, o conhecimento é pecado, é sacrilégio. Édipo-Rei traz a
representação dessa tragédia do saber humano.
Na
Psicanálise, o afamado "complexo de Édipo"[6] foi conceito criado por
Freud inspirado nessa tragédia grega de Sófocles, refere-se ao transtorno
durante a fase da vida humana, em que o menino se sente atraído por sua mãe.
Já, a menina, por sua vez, sente-se atraída por seu pai, o que ficou denominado
de “complexo de Electra”[7].
No
fundo, a tragédia grega permitiu ao grego conhecer-se melhor, sem colocar-se em
oposição à vida pública e as crenças gerais. O sujeito reconhece erros e
limites e, enfim, tenta superá-los através da purificação e, finalmente, aprende
ter domínio sobre seus desejos e a controlar a hybris[8].
Assim,
o sujeito conhece a temperança ou sphosyne, que traz a justa medida, o
equilíbrio da ação. Consagra a tragédia
como sendo ritual capaz de expurgar toda a superioridade e a subjetivação.
Torna-te, o que tu és[9].
A
consciência do destino, do qual nada sabe, e o reconhecimento que não era dono
dos próprios passos. Afinal, o grego era homem integrado a physis, a
natureza. Originalmente, abarca o céu e a terra, as pedras, plantes, animais e
integrante no cosmos numa dinâmica peculiar e especial.
O
homem assim como os deuses, é excluído da cidade tal como um bode expiatório,
como se o corpo social devesse ao mesmo tempo purgar-se pelo alto e pelo baixo.
Trata-se de um saber trágico pois não atinge o conhecimento, mas apenas a
tomada de consciência da problemática do homem.
Enfim,
conforme lecionou Jean-Pierre Vernant: "O homem não pode ser definido, não
possui uma essência, é um monstro, um enigma sem resposta" (VERNANT,
2002).
É
o conhecimento, que segundo Platão e Aristóteles que nos iguala aos deuses,
sendo apenas desenvolvido em nós esta parte, posto que sejamos divinos.
A
tragédia grega propõe questões sobre o homem, sua natureza, sua problemática e
sua responsabilidade, em relação com seus atos, mas não terminamos de
colocá-la.
Édipo-Rei
está inserido numa trama metafórica que trabalhou com profundidade as
principais questões éticas e políticas, antecipando temas que mais tarde foram
mais estudados pela filosofia de Aristóteles.
O corpo de Édipo retrata a cultura da culpabilização de atos humanos e poderia ser classificado como maldito, como demolidor da moral, como corruptor, é absorvido pela terra como sagrado. A morte do herói[10] é nobre posto que sua vida repleta de valores altíssimos, porque soube traçar para si mesmo horizonte. Ainda que Édipo tivesse tomado outro caminho, uma trajetória diversa da que escolheu, mesmo assim, teria encontrado o seu destino.
O
ideal é, portanto, que tomemos decisões sobre nós mesmos, sobre os rumos que devemos
seguir, pois são estas que podem, de alguma forma, nos tornar singulares.
E,
no evoluir natural de nascer, crescer e reproduzir, e, finalmente, morrer
permanecerá se impondo, mas nossa vida é o conteúdo que se preenche nessa
trajetória educativa e existencial, que é traz inevitáveis agruras, incertezas,
cegueiras (propositais ou não) e traições, mas, igualmente traz alegrias,
amadurecimento, contentamentos, felicidades, isto é, a autêntica tragédia,
nossa de cada dia.
Nesse
sentido, Fustel de Coulanges apontou que Aristóteles ensinou que é preciso
procurar, não o que é conforme ao costume dos pais, mas o que, em si, seja bom.
E, acrescentou que a necessidade, à medida que o tempo caminha, se torna
necessário modificarem-se as instituições.
A
popularização das tragédias seja na teoria literária ou na seara estética,
traça um processo de ordenar a experiência humana, através do ritual, onde se
deve compreender e representar a experiência humana.
A
tragédia traduz um locus ético-político, essencialmente, no qual os
problemas da cidade são debatidos e purificados, com intenção de encontrar um
prazer ou uma sensação diferente, não de natureza racional, nem puramente
estética, sendo o diálogo entre esses dois. Édipo[11] traduz bem o espírito
humano, indivisível, inquieto e questionador.
Portanto,
o significado da tragédia[12] era, simultaneamente, uma
prece pelo bem-estar de toda a cidade, bem-estar compreendido não apenas como
prosperidade material, mas igualmente, como ordem natural para família,
ancestrais e membros presentes e, gerações futuras.
Cada
tragédia constitui uma mensagem ética encerrada num texto, humanizada pelas
personagens, possibilitando o diálogo entre plateia e o poeta trágico e,
também, a reflexão ampla sobre crenças, valores, sensibilidades, modalidade de
ação e do agente.
Enfim,
a tragédia é testemunha da mudança de teogonia: de um mundo titânico,
governado, principalmente, pelas forças da natureza, para a teogonia olímpica,
em que laços familiares próximos aos que conhecemos se fazem presentes e
obedecem às regras estritas.
Até que novas transgressões se delinearam a partir de novas regras. E, tudo é concomitante à estruturação da nova cidade, a pólis grega nasceu e, tentou estabelecer nova sociabilidade, baseada em recém-definidos preceitos de democracia para uma parte de seus habitantes que eram considerados cidadãos.
Referências:
ARISTÓTELES.
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Acesso em 16.3.2021.
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jurídicas. Trad. Roberto Cabral Machado e Eduardo Jardim Morais. Rio de
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LEAL,
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Enock da Silva. A mitologia e a tragédia como formas de pensar a educação.
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Ordep José Trindade Serra. Breve reflexão sobre a tragédia sofocleana Rei
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Jean-Pierre. Entre Mitos & Política. Tradução de Cristina Murachco.
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_____________;
VIDAL-NAQUET. Mito e Tragédia na Grécia Antiga. Volume I e II. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1988.
Notas:
[1]
Em sua defesa, Prometeu procurou destacar inicialmente o sentimento de pena
pela fragilidade do homem diante da “ignorância da natureza humana: “Em seus primórdios
tinham olhos, mas não viam, / tinham os seus ouvidos, mas não escutavam. Ao
dominar o fogo roubado de Zeus pelo titã, a raça humana conseguiu atingir
“elevados fins”. A partir deste momento, o homem dotado de razão – iluminado
fogo presente - a do por Prometeu – tornou-se capacitado a dar os primeiros
passos na direção de uma nova forma de conduzira vida e a sua existência de
maneira madura e consistente, deixando de ser como criança irracional.
[2]
O bebê recebe o nome de Édipo (que significa pés inchados), nesta altura você
deve imaginar porque esse nome. Caso ainda não tenha caído a ficha pense em
como deveria estar os pés da criança depois de uma longa viagem onde eles
estavam fortemente amarrados. Mas os bons tempos para Édipo não terminam por
aqui. O camponês trabalha para um rei, de uma rica cidade chamada Corinto, o
rei já está velho e não conseguiu, com sua esposa, nenhum filho, isso é um
grave problema pois estamos em uma sociedade de dinastia.
[3]
Tal como Édipo a fizera a si mesmo, antes de suplicado, essa pergunta poderia
explicitar-se assim: — Que me diz a peste em meu reino? Que resposta me exige?
Ao surgir na consciência de Édipo e na de seus súditos, a interrogativa
“preliminar” envolve uma certeza muito plena, embora ela não se explicite: a
peste resulta da violação de uma norma sagrada. Traduz um ato impuro, um
sacrilégio. A partir desta convicção, indaga-se (em silêncio): Que impureza é
esta, que assim repercute? Que crime a doença do povo, a miséria dos úteros e a
terra gasta significam? É preciso identificá-lo para acabar com a desgraça.
Édipo apenas verte a questão em termos práticos quando busca saber do deus o
que fará, ou dirá, para a salvação da urbe. A resposta trazida pelo oráculo vem
de encontro à expectativa dos indagadores: corresponde a uma silenciosa
convicção do povo e do rei (“há algo de podre na sociedade tebana”).
[4]
Em Rei Édipo, o sujeito dramático concentra de forma espantosa a ação e a
paixão, que se entrelaçam e refletem uma na outra. Na história de Édipo tal
como Sófocles a narra, o herói é multiplamente autókheir: agride-se
trucidando o pai e possuindo a própria mãe, amaldiçoa-se e condena-se, leva a
mãe e esposa a matar-se, ataca seu aliado, cega-se. E faz tudo isso a procurar
por si mesmo, em sua ignorância. Mas note-se conforme ele declara, é Apolo quem
o leva a golpear-se com as próprias mãos. E Apolo é quem o leva a reconhecer
este fato. Eis porque a tenebrosa revelação do herói, na “mais trágica das
tragédias”, é também uma epifania do daímon fulgurante. Como já advertira
Reinhardt, este drama vem a ser um ecce homo... e um ecce deus.
Édipo aproxima-se perigosamente do divino, toca o intocável... no cúmulo de sua
impureza. A ligação entre o homem e o deus revela, então, seu insuportável
excesso com a ruptura que provoca, manifestando a tensão trágica da existência.
In: SERRA, Ordep José Trindade Serra.
Breve reflexão sobre a tragédia sofocleana Rei Édipo. Disponível em: https://ordepserra.files.wordpress.com/2009/01/breve-reflexao-sobre-a-tragedia-sofocleana-rei-edipo.pdf Acesso em 16.3.2021.
[5]
Esfinge é khresmológos, ou seja, uma profetiza — como a Pítia — que
canta seus "oráculos" (khresmoí). Também na versão de
Sófocles, a tremenda cantadora ocupa uma posição oposta e simétrica à de Apolo:
o deus soberano dá respostas enigmáticas, a donzela bestial profere enigmas,
inquirindo. A adivinha é uma espécie de simétrico do responso oracular, também
tortuoso (loxíaco). Ora, antes de tornar-se um monstro, Édipo celebrizou-se por
confrontar um monstro: a Esfinge cantadora que deixava suas vítimas enleadas.
Em grande número de representações plásticas dos ataques da Esfinge aos tebanos
e do confronto decisivo entre o herói errante e a "cadela rapsoda",
mostra-se um "duelo" sem armas: uma disputa de palavras e um desafio
de olhares. Humilhada com a inteligência do destemido rapaz, a esfinge se jogou
do alto de um penhasco. O salvador da cidade, Édipo, recebeu como recompensa a
mão da rainha, Jocasta, a quem imediatamente desposou. Cumpriu-se a profecia.
Na lógica de Sófocles, somos impotentes contra o destino.
[6]
O Complexo de Édipo é vivido entre os três e os cinco anos e desempenha um
papel fundamental na estruturação da personalidade e na orientação do desejo
humano. Ele ainda ressalta a influenciado comportamento dos pais na vida da
criança.
[7]
O Complexo de Electra é expressão utilizada por Carl Jung, que é o fundador da
Psicologia analítica, para designar o complexo de Édipo feminino, marcando sua
existência nos dois sexos. Jung possuía divergências teóricas em relação a
Freud, entre elas, a leitura de que o Édipo se centrava no vínculo dos meninos
com suas mães, sendo pouco elaborado no que diz respeito aos casos femininos.
Então, em 1913, no Ensaio de exposição da teoria psicanalítica, apresentou o
complexo de Electra, no qual a menina desejaria o pai e odiaria a mãe, por quem
teria identificação complexa. Por sua vez, recorreu ao mito de Electra como
paradigma do desenvolvimento feminino, atribuindo a ele, metaforicamente, uma
maior aplicabilidade para descrever os fenômenos. Na narrativa, pois, Electra
assassina sua mãe, para vingar o crime contra seu pai, morto por ela e seu
amante. O complexo de Electra, entretanto, muitas vezes é incluído no complexo
de Édipo, uma vez que os princípios que se aplicam a ambos são muito
semelhantes.
[8]
O pecado original do herói trágico é ser o produto de uma hybris, uma violação
da medida, da ordem natural do universo determinada pelos deuses, ordem esta
que não pode ser rompida. E, gozando de elevada reputação, este é movido pela
soberba e pelo orgulho. Assim, trata-se de alguém caracterizado por excesso de
confiança em si, de caráter transgressor. É exatamente esta sua especificidade
a responsável por dar-lhe maior segurança sobre seus valores e a ousadia suficiente
para enfrentar os valores opostos aos seus, impulsionando-o para a desventura
por incorrer em erro. Cego por sua hybris, o herói trágico não tem olhos para a
dikê. Seu erro apesar de transgressor, não é moral.
[9]
Por que fazemos o mal? Por que somos imorais? Por três motivos: Para os gregos
e as tradições antigas como os romanos e de certa forma mesmo os cristãos
medievais: Agimos imoralmente e maleficamente por deixar-se entregar pelas
paixões e pelos desejos mais tenebrosos (caóticos), ou por desconhecimento e
finalmente por destino. Sendo que nosso destino está atrelado a uma cadeia de
fatos que nos antecede. Isso parece estranho, mas vou tentar mostrar que não é
tanto assim retornando ao nosso personagem.
[10]
O heroísmo é um dos fenômenos mais presentes e vívidos na cultura grega. E, a
maioria dos heróis da Grécia Antiga é fenômeno cultural de dimensões
extraordinárias, hábil em referenciar a percepção de vasto espectro de
fenômenos sociais, políticos, religiosos, éticos e psicológicos. Tradicionalmente
o heroísmo foi de caráter puramente masculino.
[11]
Édipo é um estranho caso de bode expiatório. Levado pelo pai, com os pés
trespassados e carregado como se ele fosse um animal caçado, é abandonado no
monte Citerão e não é devorado pelos bichos, como mais tarde, já adulto, não é
devorado pela Esfinge. Duas vezes recusado como vítima sacrificial, acaba-se
impondo, ele próprio, o sacrifício da visão e, a partir deste momento sofre seu
destino, desta vez procurando a morte, que só encontrará já velho, nem em Tebas,
nem em Corinto, mas num ponto intermediário, equidistante das duas, que é
Atenas, no solo das Eumênidas cadas). Aparentemente, só reconciliado com Apoio
e seu oráculo na medida em que as próprias Eumênidas aceitaram a liderança de
Apolo. É neste momento que entra em cena Teseu, o famoso herói ateniense, a
quem a lenda atribui ter sido o primeiro soberano da Ática a cunhar moeda, além
de uma série de façanhas, num ciclo mítico que começa em Atenas, pela união de
Etra e Egeu (pai social, humano de Teseu), tendo Etra, na mesma noite estado
também na ilha de Esféria, frente a Trezena, onde se uniu a Posidão. Teseu
passa sua infância em Trezena. Curiosamente, aos sete anos, vem a conhecer
Herakles, a quem tanto admira que se empenha em toda uma série de façanhas
muito semelhantes às do herói dórico, façanhas estas que se desenrolam ao longo
da costa do mar Sarônico, em sentido anti-horário, passando pelo istmo, próximo
a Corinto e terminando o círculo em Atenas, onde é reconhecido rei.