Prova & verdade

Atingir a verdade real pode ser utópico e até surreal. Mas o processo judicial deve ser uma tentativa honesta de conhecer os fatos, deduzir direitos e dar materialidade e efetividade aos direitos, deveres e garantias do cidadão e do jurisdicionado. Enfim a relação entre a prova e a verdade é íntima, intensa e complexa.

Fonte: Gisele Leite

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Analisar a função da prova no processo e, se esta realmente representa um eficaz instrumento para a descoberta da verdade[1] é um desafio cada vez mais contemporâneo.


Também devemos analisar se o processo seja civil o penal está estruturado para o real alcance da verdade e, ainda a conveniência de se adotar determinados modelos probatórios para o sistema processual.


Além de verificarmos se admitir ou não a participação ativa do juiz na fase probatória (com a busca da “verdade substancial”) que tem justificado os amplos poderes probatórios ao juiz.


A verdade (sua descoberta ou o seu conhecimento) é assim considerada como pressuposto dos julgamentos justos. Aliás, o sistema jurídico herdado do positivismo com suas bases iluministas, de certa forma, alimenta a ideia de que o direito como instrumento de revelação de verdades por meio de raciocínio silogístico.


De fato, quanto maior a porção de verdade revelada, maiores serão as chances de que o julgamento seja essencialmente justo. A justiça depende do conhecimento mais amplo e completo que possível da verdade.


O processo é reflexo da Constituição Federal e o sistema processual deve refletir aqueles valores consagrados no texto fundamental. Conforme alude Dinamarco, uma das relações que se estabelecem entre o sistema processual e a Constituição é a missão das normas constitucionais que ditam o padrão político da vida do processo.


E mesmo a legislação infraconstitucional que corresponde a um desdobramento da legislação constitucional estabelecendo o padrão político, social e econômico de um povo. Tanto o processo como a Constituição harmoniza uma série de valores que por vezes colidem.


O sistema processual de uma democracia forma-se porque a Constituição constrói uma ordem de convicções[2] e, nem sempre a verdade é o valor preponderante.


Por vezes, a verdade é relegada ao segundo plano, seja porque sua obtenção seja impossível ou inalcançável, seja porque ocorra a prevalência de outros valores.


Até existem outros momentos que a verdade seja mesmo desprezada, mas isto, não significa que seja irrelevante, mas apenas que o direito estabelece mecanismos indutivos, dedutivos ou mesmo ficções já materializadas pela lei, sejam ainda realizadas pelo intérprete com a autorização legal que atendem a outras finalidades igualmente importantes.


O valor representado pelo conhecimento da verdade não goza de prevalência absoluta em relação a outros a que o processo deve prestar deferência.


Portanto avaliar a função da prova no processo se refere às teorias sobre a possibilidade de a verdade ser revelada ou não pela atividade do homem. Também podemos observar os institutos processuais que limitam a atividade destinada à busca da verdade, o que revela que esta é apenas um dos valores presentes no sistema e que deve ser harmonizado com os demais valores de igual relevância.


No modelo persuasivo, a prova pertence à argumentação. Tal modelo entende que é impossível atingir a verdade histórica dos fatos. Pretende a teoria a reconstrução dos fatos o mais próximo que possível da realidade, e nega a aptidão da prova em reconstituir a própria realidade.


Desta forma, a relação entre a prova e a verdade deixa de ser ontológica para assumir caráter teleológico. Embora que não se chegue a negar a existência da relação entre a prova e a verdade, apenas afasta a ideia de que possa valer um vínculo conceitual porque impraticável.


Para alguns doutrinadores que são partidários dessa teoria da prova com função persuasiva, afirmam que a prova[3] como meio para alcançar a verdade, não passa de um mito.


Juan Montero Aroca aponta que a pretensão de se descobrir a verdade mediante a prova é uma aspiração demasiadamente ambiciosa. Marinoni e Arenhart destacam que embora a teoria processual, esteja calcada na ideia de verdade como único caminho pelo qual se pode chegar até as soluções justas.  Mas chegar a verdade por meio do processo é mesmo uma utopia[4].


Noutra passagem, os mesmos doutrinadores consideraram que a possibilidade de se atingir a verdade substancial é um mito, ou uma miragem, enfim, algo sem menor respaldo.


Igualmente Leonardo Greco apesar de ser a favor dos métodos aptos a revelar a verdade, chegou a afirmar que a verdade real[5] é utópica e mesmo inatingível.


A ideia já permeou o pensamento aristotélico que distinguiu o silogismo apodítico do silogismo dialético. O primeiro como ciência demonstrativa, partindo de premissas verdadeiras, e o segundo estabelece procedimentos lógicos cujos pontos de partida e chegada são opiniões.


A petição inicial deve ser um silogismo, ou seja, um argumento dedutivo formado de três proposições encadeadas de tal maneira que das duas primeiras encerra-se uma terceira. Tais proposições são chamadas de premissa maior, premissa menor e conclusão. O silogismo em seu aspecto formal é composto pela premissa maior, pela premissa menor e conclusão.


Já o aspecto material depende do conteúdo, que poderá ser apodítico, dialético ou sofístico. Por apodítico entende-se o silogismo que contém premissas verdadeiras, e apresenta conclusão igualmente verdadeira.


Já o silogismo dialético traz a premissa maior como verdadeira, e a conclusão provável, isto é, dialética. Tal se evidencia no processo argumentativo, quando a assertiva apresentada é aceita pela maioria dos homens comuns em função de ser a assertiva provavelmente verdadeira.


Em tal silogismo articula-se um raciocínio aceito pela maioria dos homens comuns.


No silogismo sofístico há o objetivo de apresentar uma proposição falsa como verdadeira, como forma de ludibriar, enganar o ouvinte. O raciocínio partiu de uma premissa verdadeira, contudo a premissa menor e a conclusão são inválidas, porque distorcem os significados e as interpretações existentes.


O silogismo da petição inicial é composto de fatos que representam a premissa maior, enquanto que os fundamentos jurídicos representam a premissa menor, e o pedido representa a conclusão. A petição inicial deve ser redigida apresentando ideias concatenadas, tendo introdução, desenvolvimento e conclusão.


A dialética é a arte do diálogo, da persuasão destinada a alcançar uma verdade provável. Justamente à verdade que sobressai de uma discussão. Presente aqui a noção de que o juízo não se baseia sobre os fatos reputados como verdadeiros ou falsos, mas sobre uma reconstrução mental que se opera sobre os enunciados fáticos trazidos ao processo.


Vêm da filosofia contemporânea as opções de realismo crítico que prestigiam o significado da realidade empírica. Partidários do realismo jurídico norte-americano, como Jerome Frank e William James atribuem o caráter interpretativo e hermenêutico ao que se entende por realidade, assumindo a postura marcada pelo relativismo cognitivo ou gnosiológico.


Ainda destacou Taruffo que o objetivo do processo é produzir decisões justas, ainda que seja aceito definir o objetivo do processo de outro modo, como o de decidir a controvérsia com a satisfação das partes.


Porém, a decisão não será justa se baseada num acertamento equivocado e pouco confiável. Não é qualquer solução do conflito que se aceita como válida, mas aquela que resultar da aplicação do critério de justiça.


Ademais, a norma possui uma estrutura se F (fato) então C (consequência jurídica) pelo que nenhuma norma poderia ser corretamente aplicada se não está definido corretamente o que seja F.


Uma justiça sem verdade equivaleria a um sistema de arbítrio em que não existem garantias substanciais e nem processuais. Defender que o processo civil deva buscar o acertamento da verdade dos fatos pressupõe que esse acertamento seja possível, mas não diz respeito qual “versão” da verdade se tem focado.


Enfim, trata-se de escolha ideológica e pode estar fundada em diversas epistemologias. Pode haver uma escolha oportuna porque favorável ao princípio da verdade judicial dos fatos, mas infundada, pois embasada em uma teoria equivocada da verdade.


Conclui-se que a verdade dos fatos no processo é teoricamente possível e ideologicamente necessária, Taruffo[6] se dedica a demonstrar a sua possibilidade na prática.


Várias razões existem apontando que a verdade judicial não tem nada em comum com a verdade que exista fora do processo. Primeiro porque as regras legais que disciplinam a prova e o acertamento dos fatos no processo não exaurem o objeto, ao contrário são verdadeiramente residuais.


Em segundo lugar, porque, ainda que as normas de provas legais em sentido estrito possam operar no sentido de vincular o juízo a uma verdade legal que tende a ser diversa da verdade empírica, nem todas as regras jurídicas em matéria de prova são normas desse gênero, eis que também haveria normas que favorecem a determinação da verdade histórica dos fatos, regulando procedimentos específicos de controle sobre a prova.


Os modelos persuasivos e os demonstrativos trazem noções diferentes sobre a função da prova e de seu papel no processo.


E tais concepções estão de certas formas ligadas aos contextos políticos e históricos do processo. Por essa razão, os processualistas da primeira metade do século XX adotaram concepções céticas em relação à possibilidade de revelação da verdade.


A transformação dogmática do pós-guerra (segunda grande guerra mundial) e que só foi alcançada pelo Brasil tardiamente em 1988 representou a construção de uma ordem jurídica calcada no primado da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, na qual a verdade assume um valor humanitário, pressuposto necessário para a tutela jurisdicional efetiva.


O Estado Social impõe a verdade como um valor cultural. É preciso que os jurisdicionados confiem na aptidão do processo para gerar certezas, porque do contrário, prevalecerá a sensação de insegurança e descrença nas instituições públicas.


O processo deve garantir a todo litigante o acesso a todos os meios de prova adequados para que os fatos sirvam de suporte ao seu direito.


Há quem refute cogitar em verdade formal e verdade material, alegando que a verdade não aceita adjetivações.


A primeira preocupação seria a pertinência absoluta entre a afirmação (ou alegação) e o que se passou na realidade fenomênica, enquanto que a segunda seria a verdade meramente refletida no processo. E que se encontra juridicamente apta a fundamentar uma decisão, identificando-se mais uma ficção da verdade.


Essa forma distinta de tratar a verdade teve início com a obra de Büllow, na doutrina alemã e prosseguiu por Wach[7], Von Castein como reação à constatação de que, em muitas oportunidades, fatos declarados provados não coincidem com o que ocorreu no mundo físico, enquanto alguns fatos substancialmente verdadeiros eram considerados como não comprovados.


É comum imaginar que o processo penal estaria relacionado ao conceito de verdade substancial, enquanto que o processo civil poderia se contentar com a verdade formal.


No entanto, tal distinção está atualmente superada. A justificativa inicial para a distinção deve-se ao fato do processo penal pelo menos em tese lidar com bens jurídicos mais relevantes, enquanto que o processo civil normalmente se dedica a estabelecer regras do processo destinado a resolver uma controvérsia patrimonial.


O processo penal demandaria a atuação de ofício de juiz porque a verdade material se impunha como valor com o qual não se pode transigir.


A gravidade das consequências penais, normalmente restritivas do direito de liberdade, faria com que o direito processual penal não se compadecesse com uma decisão que não refletisse fielmente a verdade (material ou real).


A distinção hoje carece de significado, porque o processo penal não possui peculiaridade que autorize esse tratamento especial no que diz respeito à reconstrução dos fatos.


A premissa é falsa, pois também o processo penal é ferramenta utilizada para resolver controvérsias de menor potencial ofensivo. Enquanto que o processo civil contém as técnicas de solução de controvérsias a respeito de uma agressão cuja sanção sequer passa pela privação da liberdade do suposto ofensor.


Sustenta-se que há situações que revelam a aplicação da verdade formal do processo penal, tais como o perdão do ofendido nas ações penais privadas e a possibilidade de transação penal, prevista na Lei dos Juizados Especiais.


Carnelutti[8] há muito destruiu o mito da verdade formal demonstrando que a verdade é una. Nesse sentido, ou a verdade formal coincide com a verdade material (e não será nada mais do que a própria verdade) ou se distancia dela, e então será uma não verdade.


Um fato (ou, se preferir, a afirmação que se formula a respeito de um fato) é ou não verdadeiro, na medida em que o fato ocorreu ou não ocorreu.


Não existem meias-verdades porque o juízo não pode ser parte falsa e em parte verdadeira, a verdadeiro está no todo.


Taruffo já afirmara as limitações e peculiaridades da estrutura do processo civil são incompatíveis com a busca da verdade absoluta, ou seria que a verdade que trata o processo não seja compatível com a verdade dos fatos.


Em última análise compactua-se com a noção de que existe mais de uma verdade (a real, a relativa, a formal, a possível e, etc.).


Mas esta fundamental se quiser que se adjetive, e ela é ou não alcançada. E definitivamente, o processo não está estruturado para alcança-la, senão acidentalmente.


Se for verdade, que a contraposição entre os modelos apresentados, há a contraposição entre os conceitos de verdade e verossimilhança, como Antonio Carrata, pertencendo a verdade ao modelo demonstrativo (lógica, analítica cartesiana) e a verossimilhança ao modelo persuasivo (ou argumentativo, de lógica dialética), somos levados a concordar com a ideia de que o processo não possui a verdade, embora a persiga continuamente, aspirando obtê-la por intermédio das provas.


A prova não demonstra a veracidade de um fato ou de um enunciado fático. Os fatos pertencem ao passado, esgotando-se no exato momento em que acontecem.


Depois isso, no instante imediatamente subsequente, os fatos são sepultados em definitivo, em algum lugar, que a inteligência humana não é capaz de alcançar e o que resta são afirmações sobre o que se passou.


E, tais afirmações poderão ser falsas ou verdadeiras, mas desvendar o mistério exigiria do homem ressuscitar os fatos, fazê-los sair do seu sepulcro, enfim, fazer uso de uma máquina do tempo (que até hoje não fora criada).


A intenção é justamente demonstrar que o processo se serve de técnicas, assim como o legislador e os juízes elegem determinados valores, que nem sempre estão voltados à busca de verdade, que nem sempre estão voltados à busca da verdade.


São comuns, assim, mecanismos como os que preveem a assunção de determinados fatos como verdadeiros a partir de indícios e presunções.


Também são comuns as limitações à atividade probatória – supostamente destinada ao alcance da verdade – em prestígio a outros valores, especialmente os constitucionalmente consagrados.


Não é ocioso registrar que a verdade encontra limitações na medida em que sequer se impõe como um dever aos litigantes e aos seus patronos.


Fora o fato a prova exercer uma função meramente persuasiva e não demonstrativa, convém notar que o próprio sistema processual está estruturado de maneira a tornar a verdade um elemento acidental, nunca essencial.


São várias as situações em que o juiz[9] sequer tem acesso à integralidade dos fatos.


Ab initio, basta observar que a atividade cognitiva exercida pelo juiz está irremediavelmente vinculada aos fatos alegados pelas partes, decorrência do princípio dispositivo.


A afirmação das partes vincula o juiz o juiz quanto aos fatos, de um lado, porque não pode levar em consideração fatos que não hajam sido afirmados pelas partes (vedada a fundamentação por fatos de sua ciência privada); de outro, porque não pode deixar de apreciar um fato que tenha sido afirmado por uma das partes (ne procedat iudex ex officio ne eat iudex ultra petitum).


Após, com a estabilização da demanda, não é dado às partes suscitar novos fatos, nem ao juiz, conhece-los de ofício, cristalizando-se o arcabouço fático sobre o qual os personagens do processo passarão a verter seus esforços na tarefa de instruir o processo.


Um sistema assim estruturado, moldado pelo poder de disposição dos litigantes sobre a matéria de fato – os fatos que, no fim do caminho, servirão de norte para a resposta do Estado por meio da prestação jurisdicional, permite que as partes possam determinar o conteúdo da sentença, seja alegando fatos reais, seja aduzindo fatos imaginários.


Nesse último caso, o juiz estará constrangido a formular uma sentença que compreenderá uma situação de fato distante da realidade. Afora isso, a própria iniciativa probatória do juiz não deve ser vista como regra.


Muitas são as ressalvas feitas ao ativismo judicial em matéria probatória são muitas e, frequentemente, são feitas críticas relacionadas à perda do essencial à atividade de buscar e apresentar as provas.


Mesmo os defensores do ativismo judicial na matéria probatória admitem que deva ser feito com prudência e apenas supletivamente e quando a iniciativa das partes não for suficiente para esclarecer todos os fatos considerados relevantes para o julgamento da controvérsia.


A justificativa para investigação ex officio dos fatos muitas vezes está na suposta necessidade de descobrimento da verdade para melhor acertamento dos fatos e, por conseguinte, maior justiça do julgamento.


No processo penal, especialmente em períodos históricos dos governos autoritários marcados pela supressão das liberdades individuais, a busca da verdade material já levou o Estado a colocar em prática medidas agressivas e ilegais à esfera de direitos individuais do réu, desrespeitando-se direitos e garantias dos cidadãos, tão caras à consciência jurídica contemporânea.


Essa iniciativa judicial admitida, só seria autorizada ao julgador que se envolve no drama do processo e, integrando o contraditório, conduz o feito vigilantemente, demonstrando aos interessados em que medida seu raciocínio está sendo influenciado pelos seus argumentos, bem como expondo a razão pela qual acredita que o material probatório é insuficiente.


Na literatura os confessadamente publicistas, francamente favoráveis, a uma postura mais ativa do juiz, veem com certas reservas a atividade probatória judicial[10].


Dinamarco defende que o juiz não deve exceder-se em iniciativas probatórias ou liberalizar ajuda às partes, sob pena de transmudar em defensor e acabar por perder a serenidade.


Adiante, o mesmo doutrinador reconhece que a estática judicial deve ser a regra na difícil tarefa de encontrar o ponto de equilíbrio entre os modelos dispositivos e inquisitivos, admitindo que o juiz adote iniciativas probatórias apenas em certos casos.


Barbosa Moreira em seus estudos de provas ilícitas sustenta a forte tendência, no processo contemporâneo, ao incremento dos poderes do juiz na investigação da verdade, inegavelmente subsiste a necessidade de assegurar aos litigantes à iniciativa que, em regra, costuma predominar no que tange à busca e apresentação de elementos capazes de contribuir para a formação do convencimento do órgão judicial.


É fato que logo na peça exordial o processo define quais os fatos relevantes sobre os quais poderá ser produzida prova. Fatos alegados pelo autor e também pelo réu em sua contestação.


E, a rigor a prova deve incidir sobre os fatos controvertidos que são obtidos mediante a confrontação dos atos alegados pelo autor e os fatos alegados pelo réu. Considerando os fatos como confessados quando estes não foram objeto de contestação (e, portanto, presume-se que sejam verdadeiros).


Já na fase probatória, apenas as provas indicadas pelas partes serão produzidas. O princípio do dispositivo relega a descoberta da verdade à iniciativa das partes, portanto, os fatos do processo são aqueles livremente escolhidos pelas partes, e do contraste das alegações feitas pelos litigantes e os meios de provas são limitados ao expressamente indicado pelas partes.


As provas ilícitas são definidas como as demonstrações de fatos obtidas por modos contrários ao direito, quer referente às fontes de prova, quer quanto aos meios probatórios.


A intimidade não alcança somente “a proteção objetiva da privacidade do lar doméstica, mas também do corpo humano, do pudor e da liberdade de exteriorização das ideias perante interlocutores conhecidos”.


Também é digno de proteção o direito ao sigilo das comunicações (correspondências, inclusive as eletrônicas) e o direito de estar só.


A violação a essa proteção constitucional acarreta a inadmissibilidade das provas que tenham sido obtidas por meios ilícitos e, eventualmente, a nulidade da decisão fundada nessas provas.


O direito à intimidade tem sofrido pela jurisprudência brasileira avanços e retrocessos, ora se inspirando nos tribunais norte-americanos, ora influenciados pela jurisprudência europeia.


A jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão criou a chamada teoria dos três graus de proteção da privacidade, subdividindo os direitos relacionados à intimidade em níveis correspondentes a uma maior ou menor proteção.


Assim, o primeiro nível seria aquele relativo aos direitos insuscetíveis de qualquer ponderação, porque direitos relacionados à própria dignidade da pessoa humana.


O segundo nível conteria os direitos relacionados ao vínculo mantido pelo titular com outros sujeitos da comunidade que podem ser sacrificados se necessário para salvaguardar direitos de primeiro nível ou igual importância.


Os de terceiro nível são correspondentes às relações comuns entre pessoas de um mesmo grupo social em que o conteúdo da comunicação prevalece sobre interesses individuais.


Rogério Lauria Tucci citando Canotilho e Vital Moreira formula construção semelhante (no sentido de admitir graus diversos de proteção), indica vedação absoluta quando se tratar da integridade física e relativa nos demais casos, devendo ser considerada abusiva a intromissão realizada fora das hipóteses legais e sem autorização judicial.


A consequência processual do reconhecimento da prova ilícita é a sua absoluta ineficácia. E existem outros meios no sistema processual que cogita na possibilidade de rescisão da sentença e mesmo da repetição do ato.


Para conjugar os interesses em jogo deverá o juiz usar da proporcionalidade para ponderar os interesses ou valores em julgamento. Em algumas ocasiões prevalecerá o direito de intimidade e, em outras prevalecerá o direito à produção da prova.


Não existe solução recomendável a priori. Tudo vai depender dos elementos do caso concreto. De qualquer maneira, toda restrição aos direitos fundamentais seja encarada como medida excepcional, devendo ser suficientemente fundamentada para que seja possível sua revisão por instâncias superiores até mesmo dotar a decisão de legitimidade. A ponderação[11] praticada pelo juiz deverá preservar o bem jurídico mais valioso.


Interessante fenômeno ocorre quando da utilização da prova que venha posteriormente ser considerada como ilícita o simples contato com uma prova posteriormente considerada ineficaz (porque produzida por meio ilícito) já compromete a capacidade de o juiz julgar desconsiderando a sua existência.


Pois a referida “contaminação psicológica” afeta a sua imparcialidade[12] e isenção para julgar, pois conheceu o fato graças apenas às provas ilícitas.


Um julgador sabedor da culpa do réu por meio de prova considerada ilícita seguramente é capaz de indicar na sua decisão bons argumentos para a condenação, mesmo sem se referir à prova ineficaz.


Então a proibição ao juiz e as partes de se referir às provas ilícitas não deixa de ser mais uma ficção jurídica[13], pois todos devem agir como não soubessem de algo que, na verdade que todos já sabem.


O simples desentranhamento da prova não é capaz de expurgar todos os nefastos efeitos da prática antijurídica. Há quem aponte a suspeição do juiz que já tomou contato com a prova declarada ilícita.


O que acarretaria a distribuição do processo para outro juiz, que não teve contato com a prova considerada ilícita e, estaria em condições julgar com base apenas nas provas lícitas sem sofrer qualquer tipo de influência (inconsciente ou não). Trata-se de desdobramento da tese da descontaminação do julgamento.


Posiciona-se contra a suspeição do julgador nesses casos, Oscar Valente Cardoso. Provas ilícitas e suspeição do julgador. Para o doutrinador, a adoção do livre convencimento motivado pelo nosso sistema processual impõe que as decisões estejam fundamentadas exclusivamente nos elementos constantes dos aceitos.


Por fim, para melhor advertir sobre os perigos de uma generalizada e pouco meditada concessão de medidas autorizativas de supressões de direitos individuais da personalidade.


Se escutas telefônicas se apresentam nos dias que correm como importante ferramenta no auxílio da atividade de polícia e do Ministério Público, em especial para desbaratar organizações criminosas, mas devem tais medidas devem ser excepcionais, sob pena de instaurar o Estado policialesco[14] incompatível com o Estado Democrático de Direito.


Efetivamente, a implementação de medidas restritivas de direito de personalidade deve ser exceção, sendo imprescindível que estejam fundamentadas e, que seja fruto de um processo decisório seguro.


Os direitos da personalidade dada a sua especialidade, reclamam mecanismos processuais de prevenção de dano ou mecanismos que impeçam que o dano continue a se produzir – funcionando com eficácia reduzida os métodos repressivos e sancionatórios.


Nesse sentido, a adoção de modelos norte-americanos, ou mesmo da jurisprudência das cortes dos Estados Unidos da América, deve ser encarada com ressalvas, devida a reduzida importância que devota aos direitos de personalidade.


O sistema processual da common law está estruturado no sentido de facilitar o “alcance da verdade”. Embora reduzida a iniciativa oficial da demanda e esteja o controle das atividades probatórias concentrado nas partes e em seus representantes, a especial valorização que recebem as provas orais colhidas sob o sistema do cross examination e os mecanismos pré-processuais de compartilhamento das informações (como seja o discovery[15] e o disclosure) que se desenvolvem em um ambiente de cooperação, sob pena de severas sanções para atos de deslealdade (contempt of court[16]), contribuem para um acertamento mais completo dos fatos.


A tradição dos países da civil law é marcada pela prova escrita e pela atenuação das provas legais, preponderando a atividade do juiz sobre a das partes, e sem que haja mecanismos pré-processuais tão eficientes de compartilhamento de informações.


Sobre as provas que foram alcançadas pela violação de um direito. A intenção é apenas para demonstrar não é possível sustentar que o processo está voltado para obtenção da verdade.


Há outros valores de igual ou maior importância que a obtenção da verdade e que devem ser harmonizados, de maneira que só atenta ponderação comparativa dos interesses no caso concreto afigura-se capaz de permitir que se chegue à solução conforme a Justiça.


O sentido das regras que regem a atividade judicial de admissão e de valoração da prova parte da consciência de que o acertamento dos fatos controvertidos não pode ser perseguido a qualquer custo, devendo respeitar os limites que fixar o legislador.


Indício é fato, no significado vulgar é sinal ou vestígio. Mas no sentido jurídico é fato devidamente comprovado, conduz ao conhecimento e fato desconhecido a ele relacionado, a partir de uma operação mental.


Os indícios não integram os fatos jurígenos. Os indícios são fatos a partir dos quais se infere a existência de outros fatos – estes sim jurígenos – a partir do raciocínio indutivo.


O raciocínio lógico indutivo[17] difere do raciocínio lógico dedutivo[18] sendo que o primeiro se constrói de ilações partindo do particular para o geral; as inferências partindo do conhecimento de fatos particulares, enquanto o dedutivo seria o raciocínio que parte de ações universais para se chegar ao conhecimento de outros fatos particulares.


As presunções consistem exatamente nessas inferências ou ilações responsáveis por construir a ponte que liga o indício ao fato jurígeno.


Segundo Leonardo Greco as presunções são provas indiretas, porque seu objeto não é fato probando, mas o indício, ou seja, um fato secundário e a priori irrelevante para o julgamento; e críticas porquanto deduzem a existência de um fato valendo-se de operações lógicas, como máximas de experiência e cálculo de probabilidades.


Existem presunções[19] legais e judiciais. Essas últimas são as que operam mentalmente de maneira que, provada a existência de um fato, seja possível logicamente inferir a existência ou inexistência de um segundo fato, se não com certeza, “ao menos com forte dose de probabilidade”.


O processo mental se desenvolve sobre a relação entre o fato provado (indício) e o fato desconhecido, servindo o primeiro como premissa lógica para o segundo.


Já as presunções legais visam garantir certos valores[20] em situações especiais mediante a regulação do ônus da prova[21]. As presunções legais podem ser absolutas ou relativas; As presunções relativas podem ainda ser classificadas como de direito e de fato.


As primeiras criam presunções acerca de situações jurídicas (por exemplo, o adquirente que é havido por proprietário do imóvel enquanto o registro não é invalidado e cancelado) enquanto que as últimas criam presunções a respeito de situações de fato, tendo os fatos por provados (por exemplo, presumem-se o pagamento pela entrega do título a devedor).


Por fim, as presunções legais[22] absolutas são as que se estabelecem sem admitir prova em contrário, dispensando o próprio fato em si para que determinados efeitos jurídicos sejam produzidos e repercutindo diretamente no plano de direito material.


Cabe ressaltar que esse tipo de presunção[23] não afasta a prova em contrário, mas apenas a torna juridicamente irrelevante. Porém, a presunção legal absoluta (iuris et iure) torna irrelevante a própria ocorrência do fato presumido.


Não se trata de presunção ligada ao ônus da prova, sua natureza é muito normativa e se vincula aos fatos futuros aos quais influencia para que esta venha a se conformar, e não aos fatos passados, operando para transformar em “verdade” aquilo que necessariamente o é.


Não se pode confundir o conceito de presunções legais absolutas em vista do instituto da ficção jurídica[24], que considera verdadeiro um fato que é necessariamente falso.


Embora em ambos os casos não se admita prova em contrário, a presunção está ligada aos fatos que podem ou não ser verdadeiros, sem que essa situação seja conhecida de antemão.


Frise-se que as presunções estão sempre relacionadas com a probabilidade e, não à certeza ou à verdade. É sabido que o juiz não pode se valer de seu conhecimento privado para exercer sua jurisdição. A vedação na verdade se dirige a qualquer informação que não tenha origem no processo, especialmente nas alegações das partes e nas provas ali produzidas.


Mas a regra não exclui o uso de conhecimentos adquiridos ao longo da vida, que não guardam relação com os acontecimentos que dizem respeito ao litígio.


José Carlos Barbosa Moreira identifica dois tipos de conhecimento: o conhecimento dos fatos a quem têm acesso às pessoas que vivem no mesmo ambiente sociocultural e, o conhecimento dos fatos que se configuram em regras de experiências.


A elaboração conceitual das regras de experiência é creditada a Friedrich Stein, que teria procurado sistematiza-la para permitir ao juiz valer-se de informações que não estão nos autos, como alternativa para escapar as severas limitações impostas pelo princípio do dispositivo.·.


Sob o rótulo de “regras de experiência” são reunidas múltiplas proposições. Desta forma, o juiz[25] lança mão das chamadas regras de experiências previstas no art. 335 do CPC e usadas normalmente para fazer o percurso que existe entre os indícios e as presunções judiciais ou de homem (hominis) sendo absolutamente necessário para solucionar determinados tipos de questão.


As regras de experiência[26] são noções sobre determinados conceitos e acontecimentos que por meio de raciocínio indutivo, permitem a conclusão no sentido de que, presentes determinados elementos, os fatos tendem a se suceder de determinada forma.


Há duas seriam categorias de máximas de experiência: ou são definições, juízos esclarecedores ou são teses hipotéticas que indicam as consequências que naturalmente se produzem quando reunidos determinados pressupostos. 


As primeiras relacionadas ao conhecimento acerca do uso da linguagem e do significado de expressões em certas comunidades ou ambientes específicos; no segundo sentido, refere-se a uma antecipação mental, sobre os acontecimentos ordinários.


É o conhecimento de determinada sucessão de fatos, de uma cadeia de acontecimentos que de ordinário se sucedem, que permite ao juiz conhecer o que se passou pela prova de que determinados pressupostos ocorreram.


É de fato perigoso assumir determinadas regras de experiência como verdades[27], como premissas infalíveis, inclusive aquelas que fazem parte da vivência e do grau de cultura do magistrado.


É óbvio que cada juiz carrega consigo toda experiência de vida, opções políticas e religiosas, e parece igualmente óbvio que essas influências repercutem no seu modo de julgar.


É preciso, pois, que esse conhecimento do juiz que define as suas máximas de experiência integre o patrimônio cultural comum da sociedade. Mas há o risco de que as máximas de experiência sejam selecionadas pelo juiz não sejam critérios racionais, mas apenas pessoais juízos de valor ou sua noção equivocada do senso comum ou escolhas arbitrárias (onde o contraditório participativo e a fundamentação das escolhas realizadas pelo magistrado).


O judiciário tem grandes dificuldades de conviver com a evolução científica e, ainda depende de experts para julgar certas causas que precisem de prova pericial.


É certo que como a ciência que é uma construção humana está também sujeita a falhas. Também é equivocado imaginar que numa civilização atingiu o último estágio do desenvolvimento científico que seja capaz de solucionar qualquer problema, desvendar qualquer mistério.


Segundo Bertrand Russel: “Embora isto possa parecer um paradoxo, toda ciência exata é dominada pela ideia de aproximação”.


A prova científica é a mais comumente utilizada para a realização de polícias. A prova matemática[28] é diferente da prova científica. Pois a primeira se resolve pela assunção de axiomas, verdades incontestáveis e, por isso, se aplica o método racional dedutivo para extrair outras conclusões que são também verdadeiras (obviamente desde que o método lógico dedutivo seja aplicado com rigor).


Conclui-se que se os axiomas forem corretos e a lógica sem falhas, tem-se por necessariamente verdadeira a conclusão extraída. Desse modo foram construídos os teoremas matemáticos que não admitem prova em contrário para que se chegue aos enunciados ou postulados científicos.


A prova científica parte da observação de determinado fenômeno, observação de determinado fenômeno, criação de uma hipótese de explicação e resultados em eventos futuros.


Mesmo as teorias científicas de mais larga aceitação contêm alguma margem de dúvida. Pitágoras morreu sabendo que seu teorema[29] continuaria verdadeiro até o fim dos tempos, enquanto que John Dalton que criou a hipótese de átomo como elemento fundamental do universo, e teve sua teoria desmentida poucos anos depois, o que se deu com a descoberta do elétron, a primeira partícula subatômica conhecida pelo homem por J.J. Thomson, ainda no final do século XIX.


Mesmo o exame de DNA[30] oferece ainda margem de erro, embora ínfima, posto que apresente 99,9% de êxito na indicação da origem genética de paternidade e/ou maternidade. Também muito importante para apontar possíveis autores de crimes[31].


Não é demais afirmar que a verdade científica atualmente é a mentira de amanhã[32] e a história registra o quão instável é o enunciado científico.


Os enunciados científicos são falhos e transmudam-se de tempos em tempos. Os operadores do direito precisam entender a falibilidade[33] dos métodos científicos e impedir que os postulados sejam utilizados sem a devida atividade crítica.


Quando se trata de demanda cuja solução perpassa pela análise de matéria técnico-fática é natural que os juízes se comportem como verdadeiros “homologadores” de laudos que pede de forma acrítica a ciência do perito e seus métodos, especialmente quando se trata de auxílio eficaz para esvaziar as longas prateleiras de processos, marco do judiciário do nosso tempo, que experimenta os efeitos de aguda crise causada pela hiperinflação de litígios.


De qualquer forma é certo reconhecer que a doutrina processual da primeira metade do século XX admite a dificuldade de o processo revelar a verdade[34] ou formular juízos de certeza a respeito dos fatos.


Mesmo Calamandrei se manifestou de forma bem cética sobre a verdade no processo. Jaime Guasp citando Chiovenda ressaltou que a primeira operação que cabe ao juiz não é a de convencer-se da existência ou não dos fatos trazidos pela parte, mas a de determinar até que ponto tais fatos são relevantes para construir o suporte fático da norma legal aplicável.


O processo como instrumento de tutela efetiva dos direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico, que precisa se reconciliar com a verdade, porque negar a capacidade do processo em revelá-la significará negar a própria possibilidade de o Estado garantir o acesso ao direito e a justiça[35], que decorre dos fatos.


Referências:


GRECO, Leonardo. O conceito de prova. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano IV, nº 4, nº5, 2003-2004 p. 213-269 Disponível em: http://www.abedir.org/documents/Oconceitodeprova.pdf Acesso em 31.03.2014.


DE OLIVEIRA, Carlos Roberto Álvaro. Presunções e Ficções no Direito Probatório. (Ensaio destinado a coletânea em Homenagem a Sálvio Figueiredo Teixeira). São Paulo: Editora Atlas, 2012.


WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Volume 1. 12ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.


MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC. Crítica e propostas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.


MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.


CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Volume 1 e 2, 21ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2012.


NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 6ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Editora Método, 2014.


SCARPARO, Eduardo Kochenborger. Tópicos a Colaboração com a Instrução Probatória. Disponível em: http://www.tex.pro.br/home/artigos/62-artigos-ago-2008/5970-topicos-sobre-a-colaboracao-com-a-instrucao-probatoria Acesso em: 02.04.2014.


BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.


PASSOS, J. J. Calmon de. Instrumentalidade do processo e devido processo legal. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3062 Acesso em: 27 jan. 2014.


Notas


[1] Filósofos e pensadores cogitaram sobre o que chamamos de “vontade de verdade”, desejo do verdadeiro, ou desejo de buscar a verdade, ou simplesmente, a busca da verdade. E, a respeito é bastante elucidativo e significativo do ponto de vista jurídico ou para o processual pena o diálogo entre Jesus Cristo e o governador romano Pôncio Pilatos, no qual aparece, in verbis, essa indagação deste para aquele: Então, lhe disse Pilatos: Logo, tu és rei? Respondeu-lhe Jesus: Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. Perguntou-lhe Pilatos: Que é verdade? Tendo dito isto, voltou aos judeus e lhes disse: “Eu não acho nele crime algum” (João 18:37-38). Segundo Marilena Chauí a verdade é um valor assim o verdadeiro conferido às coisas, aos seres humanos, ao mundo um sentido que não teriam se fossem considerados indiferentes à verdade e à falsidade. (In: CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 2.ed. São Paulo: Ática, 1995, p.90-94).


[2] Epistemologicamente nem preocupada com a maior fidelidade possível à realidade objetiva, a convicção do juiz, como fenômeno psicológico, reduz a prova a um ato de fé, à crença subjetiva do juiz na existência dos fatos, que a lei transforma num juízo de certeza com validade apenas no caso concreto, mas do qual podem resultar a negativa da tutela do direito de que o tem ou a sua concessão a quem não o tem.


[3] Prova é, por fim, o conclusivo acertamento da existência ou não dos fatos probandos, manifestado em decisão fundamentada pelo julgador com base em todos os elementos anteriores. A convicção do julgador aparece como elemento funcional do conceito de prova em vários autores como Mittermayer, Chiovenda, Jaime Guasp, Devis Echandia, Moacyr Amaral Santos e Moniz Aragão. Na prova judiciária, o juiz é o destinatário das provas, posto que deva produzir efeitos na inteligência do juiz, formando, através do raciocínio nela desenvolvido, o juízo positivo ou negativo da existência dos fatos aos quais, a decisão aplicará o correspondente direito.


[4] Considera-se a verdade realmente como algo utópico e ideal e mesmo jamais alcançada. Seja qual for a ciência o conhecimento humano dos fatos. Tanto assim que Miguel Reale ciente de que a verdade algo inatingível e imprestável, chegou a formular o conceito de quase verdade. Porém isso não pode servir de desestímulo à continuação das presentes considerações, ainda mais porque essa intangibilidade da verdade absoluta é realidade comum a todas as áreas do conhecimento humano, e não privativa da área jurídica, tampouco da processual. Considerável parcela da doutrina firma que ao processo basta a verossimilhança, o que nos remete a mera aparência da verdade (dado que está impossível de ser alcançada), é derivada justamente da prova produzida no caso concreto, e não da mera frequência com que ocorre em situações similares. Enquanto a verossimilhança parte de uma análise genérica e abstrata, a verdade obtida pelo processo diz respeito ao caso particular, às provas que nele foram colhidas. Por verdade possível entende-se a verdade alcançável no processo, que coloque o juiz o mais próximo possível do que efetivamente ocorreu no mundo dos fatos, o que dará pela ampla produção de provas, com respeito às limitações legais.


[5] A busca da verdade real erigiu-se como princípio constitucional embora exista divergência sobre os doutrinadores, não há como negar sua natureza eminentemente constitucional. Se for verdade que se pode entender que tal princípio está inserido no art. 130 do CPC, muito maior motivação se tem para defender que a busca da verdade real é princípio de ordem constitucional, implícito na Constituição cidadã.


[6] Michele Taruffo é um jurista italiano nascido na região da Lombardia em 1943. Foi dedicado a Direito Comparado Processual e Direito Processual Civil. Para o professor italiano, a verdade é uma condição de funcionabilidade desse mega-sistema, na medida em que as comunicações entre os integrantes da sociedade devem ser pautadas em uma intenção de verdade, sem o que esse mega-sistema não faria sentido. Os políticos, por exemplo, devem passar à sociedade a verdade, pois a mentira violaria a própria garantia da liberdade de autodeterminação do indivíduo. O mesmo vale para o Direito (conceituado como um subsistema), onde a função normativa das regras jurídicas pressupõe a verdade. Em resumo, buscar a verdade sim, mas dentro dos limites legais e constitucionais, com a consciência de que em certos casos não é possível alcançá-la, e isso não implica em uma decisão injusta.


[7] Adolf Wach (1843-1926) foi um alemão jurista. Estudou Direito em Berlim, Heidelberg, Königsberg, Göttingen e obteve habilitação para o direito canônico em Königsberg em 1868 e depois fora professor catedrático em Rostock, Türbigen, Bonn e em Leipzig.


[8] Francesco Carnelutti (1879-1965) foi um dos mais eminentes advogados e juristas italianos e o principal inspirador do Código de Processo Civil italiano. Ensinou na Universidade de Bocconi de Milão, na Universidade da Catânia, na Universidade de Pádua, na Estatal de Milão, na Universidade de Roma. Juntamente com Giuseppe Chiovenda, fundou e dirigiu a Rivista di Diritto Processuale Civile. Principal inspirador do CPC italiano de 1940, mestre do direito substancial civil e penal, foi também advogado famoso e grande jurista. Com Giuseppe Capograssi um dos fundadores da União de Juristas Católicos italianos. Foi também o criador da teoria da lide como centro do sistema processual, proposta metodológica que deixa em plano secundário o estudo da ação e das suas condições, que ocupam a posição central nos institutos processuais descritos pelos estudiosos de seu tempo. Carnelutti chegou a renunciar o conceito de interesse de agir como condição de ação, inserindo-o na possibilidade jurídica do pedido. Proferiu várias frases célebres, citando algumas das mais expressivas, in litteris: "A lei é igual para todos. Também a chuva molha todos, mas quem tem guarda-chuva abriga-se"; "O advogado é o primeiro juiz da causa"; "As pessoas creem que o processo penal termina com a condenação, o que não é verdade. As pessoas pensam que a pena termina com a saída do cárcere, o que tampouco é verdade. As pessoas pensam que prisão perpétua é a única pena que se estende por toda a vida: eis outra ilusão. Senão sempre, nove em cada dez vezes a pena jamais termina. Quem pecou está perdido. Cristo perdoa, os homens não."


[9] A valoração da prova não se confunde com o convencimento judicial. O que existe entre valoração e convencimento é um nexo teleológico. É livre a valoração da prova, tendo o juiz apenas que pontar nas suas decisões em quais elementos se apoio para formar o seu convencimento. É o chamado sistema de livre valoração motivada, também conhecido como sistema da persuasão racional da prova. Marinoni aponta que o projeto do CPC perdeu a oportunidade de aprimorar a disciplina do convencimento judicial, especialmente referente à influência do direito material na sua conformação. Duas questões se colocam:


Primeira concernente aos modelos de apreciação da prova para a formação do convencimento judicial e a segunda, referente à eventual necessidade de redução das exigências da prova para justo julgamento de determinadas causas. Particularmente no processo civil, o juiz pode julgar utilizando um modelo de preponderância de prova ou um modelo de prova clara e convincente, mas a eleição do modelo de apreciação probatória concerne ao direito material alegado em juízo e a maior ou menor gravidade que a sociedade impõe ao litígio levado ao processo. O Projeto do CPC colheu bem a ideia da prova emprestada e acolheu a ideia de contraditório que um dos fatores de maior legitimação do uso dessa prova no processo civil. Mas é preciso considerar que basicamente duas situações distintas: aquela em que a prova emprestada será utilizada perante as mesmas pessoas que participaram de sua produção anterior; aquela em que a prova emprestada será utilizada perante pessoas parcialmente coincidentes ou totalmente diferentes daquelas que participaram da produção originária da prova.


[10] A ZPO (o Código de Processo alemão) faculta ao juiz, de ofício interrogar os litigantes, ordenar a realização de prova pericial e documental, requerer informações e documentos aos órgãos públicos e servir-se da inspeção judicial. Já o Codice di Procedura Civile italiano confere ao juiz, por exemplo, o poder de dispor, oficiosamente, a consulta técnica (art.61), o interrogatório das partes, a inspeção de pessoas ou coisas, o juramento supletório da parte. Reza o art. 10 do Code de Procédure Civile (França) de 1975 que dispõe que o juiz por seu poder pode ordenar de ofício as medidas da instrução legalmente admitidas, e da mesma forma, prevê o Código de Processo Civil português.


[11] O processo e a cultura possuem inúmeras interseções. E, sintomaticamente, organiza-se a ciência processual em favor de valores de uma ordem política hegemônica em determinada situações histórica. Os limites e poderes dos sujeitos que integram a relação processual são, assim como outros temas do direito processual, moldados direta ou indiretamente pelos ideais humanistas. A primeira notável experiência de publicização da instrução probatória foi conhecida pela reforma prussiana no final do século XVIII, de Frederico II. As suas ordenanças processuais de 1793 e 1795 atribuíram ao juiz o dever "de se assegurar das verdadeiras condições dos fatos da causa" passando a ter o magistrado faculdade de agir de ofício. Hoje se preconiza que a condução do feito deve ocorrer conjuntamente entre magistrado e tutelados, interagindo de forma contínua, a fim de dar melhor efetividade ao interesse público no processo civil, bem como possibilitar o exercício ou resguardo de direitos e interesses privados. Assim o diálogo assim como a cooperação não deve se estabelecer apenas entre parte e juiz, mas também entre os próprios litigantes.


[12] O juiz deve ser imparcial, porém isso não significa permanecer inerte, aguardando a provocação das partes. Deve proporcionar igualdade de condições aos litigantes, e isso só é possível com a atuação de um juiz atuante e efetivo.


[13] As presunções iuris et de iure também são normas jurídicas direcionadas a garantir determinados valores jurídicos, e para tanto estabelecem como verdadeiros certos fatos ou situações jurídicas. Apesar de dispensar a produção de prova pelo beneficiado, não permitem que o prejudicado por esta possa provar o contrário. A presunção iuris et de iure não deve ser confundida com a ficção jurídica. Embora ambas não admitam prova em contrário, a ficção não pretende considerar verdadeiro um fato qualquer, que pode ser até possível, mas dar por verdadeiro um fato que é necessariamente falso. A falsidade é inteiramente assumida e, assim, não é enganosa. De tal sorte, a ficção não supõe, mas cria uma realidade, ordenando que algo seja tratado como se fosse coisa completamente diversa.


[14] Não obstante autoridades afirmarem que não existe Estado policialesco no Brasil. O ministro Gilmar Mendes para quem o país viveu num Estado policialesco, em virtude da proliferação de grampos telefônicos e das ações espetacularizadas da Polícia Federal brasileira. O Estado policial caracteriza-se por ser fortemente baseado no controle da população (e, principalmente, de opositores e dissidentes) por meio da polícia política, das forças armadas e outros órgãos de controle ideológico e repressão política.


No Estado policial é um tipo de Estado em que o soberano é isento de qualquer limite formal ou controle jurisdicional, e ipso facto, o campo da atuação da polícia acaba por se estender por toda administração pública, à exceção das forças armadas e nos assuntos financeiros. O conceito Polizeistaat (em alemão Estado de polícia) foi cunhado pela historiografia liberal alemã da segunda metade do século XIX, aludindo em particular à Prússia de Frederico II, o Grande (1712-1786).  No século XVIII, o conceito tinha uma conotação positiva, como uma primeira forma de ordenamento constitucional personalista. À época, era geralmente aceito que os atos emanados da autoridade e voltados à manutenção da ordem e da segurança estivessem acima do controle dos tribunais. Ampliou-se assim, tanto quanto possível, o campo de ação da polícia. Em verdade, o Estado policial representa uma evolução do típico estado absolutista monárquico, baseado no ius politae (um direito calcado em alguns princípios jusnaturalistas), voltado à promoção do bem-estar dos súditos e à satisfação dos seus interesses, os quais eram, porém, determinados pela autoridade. Possui caráter autoritário, vertical e extremamente paternalista.


[15] Discovery ou descoberta na lei norte-americana é a fase de pré-julgamento de uma ação judicial, em que cada uma das partes, através da lei de processo civil, pode obter evidência de a parte contrária por meio de dispositivos de detecção incluindo os pedidos de respostas a interrogatórios, pedidos de produção documental, pedidos de admissões e depoimentos. Descoberta pode ser obtida a partir de não-partes usando intimações.


[16] No âmbito processual contempt of court tem o fim de dar maior efetividade às decisões judiciais e evitar procrastinação em seu cumprimento, dispositivo este aplicado por analogia, todavia é positivado subjetivamente dentro do CPC nos dispositivos que procuram inibir a má-fé. Rui Stoco definiu em quatro tópicos: O vocábulo contempt deriva do verbo inglês que por sua vez tem origem latina contemptus, particípio passado do verbo contemnere. É sinônimo de despise (desprezo) scam (escárnio) ou disdain (desdém) e tem na língua inglesa quatro significados principais: o ato de desprezar ou desrespeitar alguém ou algo que se crê vil, menor ou sem valor; b) o ato ou expressão que denota atitude de desprezo ou desrespeito por alguém ou algo que se crê vil (menor ou sem valor); o ato de ser desprezado ou desrespeitado, de ser posto em desgraça de ser tratado como vil, (menor ou sem valor); e, por fim, d) o ato de desprezo desrespeito, desobediência ou confronto aberto para uma autoridade judiciária ou legislativo. É instituo aplicado para reprimir a litigância de má-fé.


[17] O raciocínio indutivo parte de premissas particulares para obter conclusão universal. Enfim, a conclusão tem uma abrangência maior que as premissas. Os indutivistas acreditam que as explicações para os fenômenos advêm unicamente da observação dos fatos. O princípio de indução não pode ser uma verdade lógica pura, tal como uma tautologia ou um enunciado analítico, pois se houvesse um princípio puramente lógico de indução, simplesmente não haveria problema de indução, uma vez que, neste caso, todas as inferências indutivas teriam de ser tomadas como transformações lógicas, exatamente como as inferências no campo da lógica dedutiva.


[18] O raciocínio dedutivo conclui o particular a partir de um geral. O geral é sempre uma hipótese. A fonte de verdade para um dedutivista é a lógica, enquanto que para o indutivista é a experiência. Podemos chegar a seguinte conclusão: o raciocínio dedutivo partindo de uma hipótese geral não tem referência com o mundo real, mas tem referência com o que o cientista, filósofo ou pensador imagina sobre o mundo. Já o raciocínio indutivo parte de uma observação feita do mundo, de uma realidade, de um evento, de um fato.


[19] As presunções legais constituem técnicas para garantir determinados valores em situações específicas. Por um lado, consistem em mandados normativos — que obrigam o juiz a concluir de certa forma em presença de um fato ou estado de coisas — e não em um enunciado relativo a uma afirmação fática. Por outro, constituem regras e, assim, expressões da linguagem jurídica.  Decorre dessas premissas que, nessa espécie de presunção, a conclusão do raciocínio desenvolvido pelo juiz não diz respeito a uma descrição ou a uma hipótese da realidade, mas consiste apenas na aplicação da norma jurídica, que conecta certas premissas a determinadas consequências.


[20] Os valores que as presunções legais visam a garantir podem ser ideológicos ou técnicos. Valores ideológicos são os interesses garantidos pela norma de modo a dificultar o afastamento da presunção. Assim, inexistindo prova contrária, o tribunal deve decidir conforme a conclusão da presunção, cujo conteúdo garante certos interesses. Esses valores ideológicos podem ser de natureza processual ou material. Exemplo de valor ideológico de natureza processual: a garantia dos interesses do acusado no processo penal, que se exprime na presunção de inocência. Exemplo de valor ideológico de natureza material: o interesse da criança em uma filiação determinada, garantido no direito brasileiro pelo art. 1.597, inciso I, do Código Civil vigente, a configurar presunção legal de que os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal, foram concebidos na constância do casamento.


[21] O projeto do CPC explicitou a possibilidade de dinamização do ônus da prova no seu art. 262, embora o texto não fora bem redigido. Esclarece Marinoni que a dinamização do ônus da prova não significa inversão do ônus da prova. Não se podem confundir ambos os institutos. A dinamização é atribuição ex novo do ônus da prova e atenção às circunstâncias da causa. Por esta não se distribui de modo diverso o ônus da prova. Não há de se cogitar em inversão do ônus da prova com a dinamização. Só se pode inverter o que está vertido. A dinamização do ônus da prova ocorre mediante declaração judicial. A inversão mediante constituição, porque há alteração de algo já instituído.


[22] O direito brasileiro, os fatos favorecidos por uma presunção legal de existência ou veracidade não dependem de prova (CPC, art. 334, inciso IV). Isso, no entanto, não significa ausência de qualquer prova. Quem invoca a presunção deve, necessariamente, demonstrar encontrar-se na situação de poder invocá-la, incumbindo-lhe provar plenamente e pelos meios próprios os fatos que sirvam de base à presunção, vale dizer, os que constituam  pressupostos para a aplicação desta.


[23] A presunção representa o resultado de um processo mental que, partindo de um fato demonstrado como ocorrido permite a conclusão de outro fato, ainda que não provado, seja também considerado como existente ou ocorrido Há uma relação entre o fato indiciário (provado) e o fato presumido (não provado) decorrente da constatação lógica de que, se o primeiro ocorreu, muito provavelmente o segundo também teria ocorrido. A melhor doutrina afirma que a presunção não se confunde com a prova, sendo a primeira um ponto de chegada e a segunda um ponto de partida. O indício, por sua vez, é simultaneamente ponto de partida e ponto de chegada. (In: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. p.476).


[24] A ficção jurídica representa algo que não tem existência real, sendo artificialmente criado pela lei, tratando-se, portanto, de pura ficção legal. A teoria da ficção atribuída a Savigny, propugna que, ao atribuir a um ente que não é humano, qualidades próprias deste, como a vontade e intenção, o legislador, "supõe", dogmaticamente, a existência dessas qualidades em um ente fictício, desconsiderando o conteúdo psicológico, verificável empiricamente, que  a vontade bem como a intenção traduzem. Por outro lado, a teoria da realidade, sustenta pelos alemães e franceses do século XIX, de modo diverso, afirmam que não há qualquer ficção nesse processo de atribuição. O legislador apenas positiva o que está no fenômeno social, estado, associações, fundações, com realidade distinta do homem.


[25] É verdade que as funções judiciais se encartam na direção do processo em todos os seus momentos (e, não apenas na sua relevante fase instrutória) atribuem ao juiz tarefas de índole ou natureza essencialmente administrativa ou instrumentadoras da função de julgar, porquanto as dicções do art. 125 do CPC, empregam locuções de sentido amplo e aberto e que veiculam, em verdade, conceitos juridicamente indeterminados, sendo oportuna a atividade de conteudificação no momento em que se evidencia a necessidade de sua aplicação.


[26] A previsão da aplicação judicial das chamadas regras da experiência comum, constituiu uma novidade do sistema do CPC de 1973, o chamado Código Buzaid. Principalmente porque o CPC de 1939 era omisso a esse respeito, muito embora a mais balizada doutrina sempre tenha admitido como indispensável na elaboração dos julgamentos (elaboração dos juízos) diante da presença de todo cenário probatório. Tal dispositivo harmoniza-se com a maximização de valor que modernamente se atribuiu ao juiz na condução do processo, superando a fase anterior onde se afirmava que o desenvolvimento da instrução processual se assemelhava em tudo e por tudo a um autêntico duelo entre os litigantes, do que o julgador era apenas um observador privilegiado, sem dúvida, mas essencialmente e quase sempre passivo.


[27] Enfim, as provas legais, as presunções legais, as ficções jurídicas, os indícios e mesmo as preclusões precisam ser compatibilizados com a busca da verdade. Principalmente porque a verdade representa um valor humanitário fundamental no Estado Democrático de Direito, porque dela dependem a eficácia da liberdade, da justiça e do próprio bem comum. Enfim, a prova como instrumento da verdade irá cumprir aquela função social de dar segurança às relações sociais e comerciais, prevenir e evitar litígios e delitos, servir de garantia dos direitos subjetivos e dos diversos status jurídicos. (In: HÄBERLE, Peter. Diritto e verità. Torino: Einaudi, 1995).


[28] Existem duas principais abordagens sobre a verdade matemática: o modelo da teoria da verdade e a teoria da prova da verdade. Com o desenvolvimento da álgebra booliana no século XIX, modelos matemáticos de lógica começaram a tratar a "verdade", também representada com V ou 1, como uma constante arbitrária. Em matemática, uma prova é demonstração de que os dados certos axiomas, algum enunciado de interesse é necessariamente verdadeira. Utiliza como base as premissas intrínsecas a um modelo conceitual e um silogismo que, a partir de uma série de operações, chega ao resultado. Costuma-se marcar o final de uma prova com a abreviação c.q.d (que significa: como queríamos demonstrar).


[29] Interessante, por exemplo, é o teorema do macaco infinito afirma que se um macaco digitasse aleatoriamente em um teclado por um intervalo de tempo infinito irá certamente criar um texto qualquer escolhido, como por exemplo, a obra completa de Shakespeare. Nesse contexto "quase certamente" é termo matemático com um significado preciso, enquanto que o "macaco" é apenas uma imagem, não um símio verdadeiro, trata-se de uma metáfora para um dispositivo abstrato que produza uma sequência aleatória de letras ad infinitum. O teorema ilustra os perigos do raciocínio sobre o infinito ao imaginar que um número muito grande, mas finito, e vice versa. A idade do universo é diminuída relativamente pelo tempo que levaria a um macaco para obter um texto igual ao Hamlet, de modo que num sentido físico tal nunca aconteceria.


[30] A verdade é que o DNA converte-se no principal método de identificação humana, tornando os demais sistemas empregados, em um único lance, obsoletos e ultrapassados. A utilidade prática acerca do exame de DNA é de duas ordens: 1) torna possível individualizar uma pessoa pela análise de seu DNA; 2) torna possível reconhecer num indivíduo o padrão de DNA em seus ascendentes e em seus descendentes.


[31] Não se justifica a pretensa diferença entre prova em processo civil e a do processo penal, conforme leciona Leonardo Greco. Em verdade, esta resulta da importação de uma concepção do processo civil típica dos litígios entre os particulares, diferenciada do processo nas causas do Estado, em geral confiada à outra jurisdição. Peculiaridades procedimentais de um ou outro sistema normativo podem diferenciar em aspectos acessórios os sistemas probatórios cíveis e penais de determinado ordenamento jurídico, assim como podem distinguir os regimes da prova em litígios de jurisdições diversas, todas civis.


[32] Karl Popper chegou a mencionar que o que prova que uma teoria é científica é que esta é falível, ou que é possível provar a falsidade, não a verdade de uma teoria científica.


[33] É possível que o direito extraia da dúvida a conclusão que lhe parece mais justa (como por exemplo, in dubio pro reo, no processo penal), porque está ao ponto de aplicar sanção grave quando paira incerteza. O que o direito não pode é transformar a dúvida em verdade posto que somente determinados fatos dão origem a determinados direitos, e estes devem decorrer de um juízo racional e consistente de que aqueles são verdadeiros.


[34] Se a verdade no processo possui real importância humanitária e política, esta não pode ser uma outra verdade senão aquela que resulta do mais qualificado método de investigação acessível ao conhecimento humano, em qualquer área do saber.


[35] Verdade - Carlos Drummond de Andrade


“A porta da verdade estava aberta,

mas só deixava passar

meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,

porque a meia pessoa que entrava

só trazia o perfil de meia verdade.

E sua segunda metade

voltava igualmente com meio perfil.

E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.

Chegaram ao lugar luminoso

onde a verdade esplendia seus fogos.

Era dividida em metades

diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.

Nenhuma das duas era totalmente bela.

E carecia optar. Cada um optou conforme

seu capricho, sua ilusão, sua miopia”.



Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Direito Processual Instrução Probatória Prova Presunção Indícios Verdade

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