Maus-tratos contra crianças e adolescentes
Recentes casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes deixam a sociedade brasileira estarrecida, mas ao contrário, do que muitos acreditam, há legislação punitiva e hábil que deve coibir tal prática seja por seus efeitos danosos, seja por propiciar altos índices de homicídios de brasileiros ainda em tenra idade.
O
Código Penal brasileiro[1] prevê em seu artigo 136 o
crime de maus-tratos[2] que consiste na exposição
a perigo de vida ou da saúde de pessoa sob a autoridade, guarda ou vigilância
do agente, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a
de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a ao trabalho
excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina.
Por
sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), descreve tipo
penal muito semelhante em seu artigo 232, criminalizando a conduta de submeter
criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou
constrangimento.
A
Lei 13.010 de junho de 2014, altera a lei já existente a 8.069 de 1990 (ECA)
para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e
cuidados sem castigos físicos, com regimentos principais nos artigos 18-A e
18-B, a saber:
“Art.18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o
uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de
correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos
integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos
executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de
cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
Parágrafo
único. Para os fins desta Lei, considera-se:
I
- Castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso
da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:
a)
sofrimento físico; ou
b)
lesão;
II
- Tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em
relação à criança ou ao adolescente que:
a)
humilhe; ou
b)
ameace gravemente; ou
c)
ridicularize.”
“Art.18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes
públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada
de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los
que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de
correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem
prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas
de acordo com a gravidade do caso:
I
- Encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II
- Encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
III
- Encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
IV
- Obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;
V
- Advertência.
Parágrafo
único. As medidas previstas neste artigo serão aplicadas pelo Conselho Tutelar,
sem prejuízo de outras providências legais. ”
A
finalidade é evitar que o abuso venha a ocorrer com graves consequências à
integridade física, psíquica, ou moral da criança e adolescente.
No
Art. 70 que também é de responsabilidade destes a difusão de formas não
violentas de educação, a saber:
“Art.70-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão atuar de
forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações
destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou
degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de
adolescentes, tendo como principais ações:
I
- a promoção de campanhas educativas permanentes para a divulgação do direito
da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigo
físico ou de tratamento cruel ou degradante e dos instrumentos de proteção aos
direitos humanos;
II
- a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da
Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da
Criança e do Adolescente e com as entidades não governamentais que atuam na
promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente;
III
- a formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação e
assistência social e dos demais agentes que atuam na promoção, proteção e
defesa dos direitos da criança e do adolescente para o desenvolvimento das
competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao
diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança
e ao adolescente;
IV
- o apoio e o incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam
violência contra a criança e o adolescente;
V
- a inclusão, nas políticas públicas, de ações que visem a garantir os direitos
da criança e do adolescente, desde a atenção pré-natal, e de atividades junto
aos pais e responsáveis com o objetivo de promover a informação, a reflexão, o
debate e a orientação sobre alternativas ao uso de castigo físico ou de
tratamento cruel ou degradante no processo educativo;
VI
- a promoção de espaços intersetoriais locais para a articulação de ações e a
elaboração de planos de atuação conjunta focados nas famílias em situação de
violência, com participação de profissionais de saúde, de assistência social e
de educação e de órgãos de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança
e do adolescente.
Parágrafo
único. As famílias com crianças e adolescentes com deficiência terão prioridade
de atendimento nas ações e políticas públicas de prevenção e proteção.”
Será
verdade que “tapinha” não dói? Não. A Lei Menino Bernardo[3] refere-se à lei brasileira
que visa proibir o uso de castigos físicos ou tratamentos cruéis ou degradantes
na educação de crianças e adolescentes. Já a imprensa brasileira apelidou a lei
de Lei da Palmada.
É comum ouvir de alguns pais que “no meu
tempo, não tinha problema dar alguns “tapinhas” para que a criança aprendesse”.
No entanto, com algumas palmadas de correção, os pais podem de alguma forma,
expor à criança e ao adolescente ao sofrimento físico. No entanto, os casos são
muito particulares.
“Se
o caso tem uma lesão aparente e fica literal a violência física, os pais devem
sofrer as consequências diante da Lei”. No entanto, outras medidas podem expor
a criança à humilhação, por exemplo. “Um vídeo em que a criança apareça
dançando funk, ou na boquinha da garrafa, por exemplo ou mesmo fazendo
algum tipo de graça ou sofrendo algum trote, pode ser uma forma de
ridicularizá-la, o que é condenado pela Lei”, acrescenta.
Esse
tipo de exposição pode, além de tudo, invadir a privacidade daquela criança ou
adolescente. Outro ponto está no monitoramento de celulares, por exemplo. “Se
meu filho de 14 anos tem um celular e eu quero saber o que ele está vendo ou
conversando com outras pessoas, até que ponto também não estarei invadindo sua
privacidade?”, diz.
São questões muito particulares que devem ser
estudadas caso a caso. Existe, ainda, no Código Civil brasileiro o respaldo
para a perda do poder familiar, sobre os pais que castigarem imoderadamente
seus filhos. “Entretanto, não é qualquer tipo de castigo que pode ser levado ao
extremo. Por exemplo, o fato de tirar o videogame do filho como forma de
castigo, não deve ser motivo para a perda do poder familiar[4] dos pais”, complementa.
Um caso famoso, foi o de uma procuradora
aposentada que torturava a filha adotiva, de apenas dois anos. Diante da
denúncia de seus funcionários, a procuradora foi indiciada, perdendo o poder
familiar e a responsabilidade sobre a criança, bem como o direito de adotar
outra pessoa.
Foragida
durante quase seis anos, a procuradora Vera Lúcia de Sant’Anna Gomes foi presa
em janeiro de 2019.
Diante
da Lei é o que se chama conceito indeterminado definir o que foi castigo, o que
foi ameaça. “Se você chegar e falar para a criança não faça ‘isso’ porque não é
legal. Se trata de um castigo físico? Não”, explica. Esse é chamado cláusula
aberta, por se tratar de uma norma aberta. O juiz analisa todo o caso”,
exemplifica.
Assim, o juiz é o responsável por verificar,
diante dos fatos, o que é castigo imoderado. Trata-se do caso concreto; da ação
e reação. Outro exemplo que pode ilustrar bem o que é caso a caso: digamos que
um adolescente esteja agredindo sua mãe e o pai ou outra pessoa o agrida para
defendê-la. Pode ser considerado legítima defesa? A casuística tem que ser
analisada”.
Claro
que a criança e tampouco o adolescente não são propriedades dos pais e seus
interesses devem ser preservados prioritariamente. Além disso, quando esse
poder de quem educa passa a ser um ataque emocional, entra no quesito de ser
degradante com esta criança ou adolescente. “Os pais têm o dever de zelar pelos
filhos, mas não de superprotegê-los e ‘coisificá-los’. Os filhos deixaram de
ser objeto de proteção para serem titulares de direitos”, finaliza.
Por
causa do uso corrente e mais abrangente o termo “maus-tratos”, neste manual
será usado como sinônimo da violência social contra meninos e meninas no
interior das famílias ou fora delas.
Convém
ressaltar que a violência social é um fenômeno complexo. Para se ater ao escopo
pretendido, não se fará aqui uma discussão substantiva sobre o tema, mas apenas
se apresentará sua definição, por ser o parâmetro com o qual o setor saúde
passou a atuar desde que foi divulgado, como documento oficial do Ministério da
Saúde, o texto denominado Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por
Acidentes e Violências .
“Os
acidentes e as violências resultam de ações ou omissões humanas e de
condicionantes técnicos e sociais.
Ao
considerar que se trata de fenômeno de conceituação complexa, polissêmica e
controversa, este documento assume como violência o evento representado por
ação ou omissão realizadas por indivíduos, grupos, classes, nações, que
ocasionam danos físicos, emocionais, morais e espirituais a si próprio ou aos
outros”
Pelo princípio da especialidade, devendo prevalecer o tipo penal descrito no artigo 232, ECA[5], quando a vítima for criança ou adolescente. Este autor igualmente deixa uma lacuna quanto à especificação de um critério seguro de distinção, pois que em seu próprio texto deixa claro que o artigo 136, CPP, pode ser também aplicado a casos em que a vítima é um menor de 18 anos.
A
Lei 13.046/14 determina a presença de especialistas em lugares públicos ou
privados que saibam reconhecer suspeitas de maus-tratos. Esta lei complementa o
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
Os
maus-tratos podem ser tanto físicos, como marca de tapas, beliscões, mas também
podem ser psicológicos, por exemplo, a prática do bullying. Ao conseguir notar
suspeitas dos abusos que a criança está sofrendo, o especialista deve levar a
situação ao Conselho Tutelar.
O
Conselho funciona como um instrumento de defesa da criança e do adolescente.
Ele
tem a função de tomar atitudes para proteger os meninos e meninas do nosso
país. A lei determina que os Conselhos Tutelares também realizem treinamentos
para que cada vez mais pessoas sejam capazes de reconhecer os sinais de
maus-tratos.
Convém
ressaltar a Lei nº 13.811/2019, de 12 de março de 2019 - Proibição ao casamento
antes dos 16 anos Proibição ao casamento infantil.
Em resumo, para vítimas maiores de 18 anos submetidas a maus – tratos, a aplicação somente pode ser do artigo 136,CP, que é abrangente tanto de menores como de outras pessoas subordinadas a guarda[6], autoridade ou vigilância de outrem, sendo o artigo 232 ECA, reservado somente para as vítimas crianças ou adolescentes.
O
problema somente surge quando a vítima é criança ou adolescente. Nestes casos
emergirá o conflito entre os artigos136 CP, e 232, ECA, o qual será
solucionado, considerando a especialidade da conduta do primeiro dispositivo
mencionado que é de forma vinculada.
Somente
será aplicado residualmente o ECA nos casos de constrangimentos ou vexames que
não se tipifiquem perfeitamente nos previstos no artigo 136 CP.
Opera-se
aqui um fenômeno que somente pode ser atribuído à esquizofrenia do legislador
brasileiro: o tipo penal do Estatuto da Criança e do Adolescente é
especial em relação ao do Código Penal no que se refere ao sujeito passivo, mas
o tipo penal do Código Penal é especial em relação ao do Estatuto da Criança e
do Adolescente quanto às condutas respectivamente descritas.
Essa
anomalia não somente gera uma dificuldade quanto à aplicação dos dispositivos
como, mesmo após a definição de um critério para isso, resta uma perplexidade:
o tipo penal do artigo 136, CP, que em tese e em geral se aplicará a condutas
mais gravosas contra as vítimas tem pena menor (detenção de dois meses a um ano
ou multa), enquanto que o crime do artigo 232, ECA, tem pena maior (detenção de
seis meses a dois anos).
Hoje,
as violências e os acidentes juntos constituem a segunda causa de óbitos no
quadro da mortalidade geral brasileira. Inclusive nas idades de 1 a 9 anos, 25%
das mortes são devidas a essas causas. E de 5 a 19 anos é a primeira causa
entre todas as mortes ocorridas nessas faixas etárias.
Ou
seja, a gravidade desse problema atinge toda a infância e adolescência. E as
lesões e traumas físicos, sexuais e emocionais que sofrem, embora nem sempre
sejam fatais, deixam sequelas em seus corpos e mentes por toda a vida.
Os
maus-tratos também inclui o abuso psicológico que constitui toda forma de
rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobranças exageradas,
punições humilhantes e utilização da criança ou do adolescente para atender às
necessidades psíquicas dos adultos.
Todas
essas formas de maus-tratos psicológicos causam danos ao desenvolvimento e ao
crescimento biopsicossocial da criança e do adolescente, podendo provocar
efeitos muito deletérios na formação de sua personalidade e na sua forma de
encarar a vida. Pela falta de
materialidade do ato que atinge, sobretudo, o campo emocional e espiritual da
vítima e pela falta de evidências imediatas de maus-tratos, este tipo de
violência é dos mais difíceis de ser identificado.
No
entanto, o olhar arguto e sensível do profissional e da equipe de saúde pode
percebê-lo, frequentemente, articulado aos demais tipos de violência. Faz-se necessário entender o conceito de
notificação e exigência de notificação compulsória.
A
definição mais abrangente de notificação de maus-tratos contra a criança e ao
adolescente é:
•
uma informação emitida pelo Setor Saúde ou por qualquer outro órgão ou pessoa,
para o Conselho Tutelar, com a finalidade de promover cuidados
sócios-sanitários voltados para a proteção da criança e do adolescente, vítimas
de maus-tratos.
O
ato de notificar inicia um processo que visa a interromper as atitudes e
comportamentos violentos no âmbito da família e por parte de qualquer agressor.
A
definição citada e o objetivo proposto significam, portanto, que notificação
não é e nem vale como denúncia policial.
O profissional de saúde ou qualquer outra
pessoa que informa uma situação de maus-tratos está dizendo ao Conselho
Tutelar: “esta criança ou este adolescente e sua família precisam de ajuda!” Ao
registrar que houve maus-tratos, esse profissional atua em dois sentidos:
reconhece as demandas especiais e urgentes da vítima; e chama o poder público à
sua responsabilidade.
É
preciso ficar claro que a notificação não é um favor, nem um ato de caridade
que o profissional poderá ou não prestar, a seu bel prazer.
A
criança e ao adolescente quando vítimas de maus-tratos, ao chegarem a um
serviço de saúde, a sua escola ou a outra instituição qualquer, demandam
atendimento e proteção.
O
cuidado institucional e profissional é um direito que a criança e o adolescente
têm. Para o profissional, prover a assistência e notificar são deveres.
Segundo
o ECA em seu artigo 13, conforme já mencionado na introdução, os casos de
suspeita ou confirmação de maus-tratos devem ser obrigatoriamente comunicados
ao Conselho Tutelar da respectiva localidade de moradia da vítima.
A
notificação cabe a qualquer cidadão que é testemunha ou tome conhecimento e
tenha provas de violações dos direitos de crianças e adolescentes.
Ela
pode ser feita até mesmo de forma anônima aos vários serviços de proteção da
infância e da juventude mais próximos como os SOS, Disque-Denúncia, e tantas
outras organizações criadas para essa finalidade. A elas caberá sempre repassar
tais informações aos Conselhos Tutelares mais próximos à residência da vítima.
O
artigo 245 do ECA[7]
define como infração administrativa a não comunicação de tais eventos, pelos
médicos, professores ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de
ensino fundamental, pré-escola ou creche, à autoridade competente, sujeita à
multa de três a vinte salários de referência.
No
final de 1995, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro foi a primeira
Secretaria, que se tem conhecimento, a criar a Ficha de Notificação Compulsória.
Para sensibilizar os profissionais da rede pública, foram realizados vários
cursos de capacitação sobre o problema da violência e dos maus-tratos, de tal
forma que a norma pudesse ser incorporada por adesão e não apenas como
obrigação.
Outra
decisão importante foi tomada pela Prefeitura do mesmo município foi a
publicação de uma lei que intima funcionários públicos municipais das Redes de
Saúde e Educação a notificarem maus-tratos sofridos pelas crianças e jovens.
Essa
iniciativa, sem dúvida, une a área da educação ao esforço que já vinha sendo
feito, há anos, por muitos profissionais de saúde.
Em
1999, a Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro também adotou o mesmo
procedimento, instituindo a notificação compulsória de maus-tratos contra
crianças, adolescentes até 18 (dezoito) anos e contra portadores de
deficiências.
Outro
importante progresso, surgiu do âmbito federal, com a criação, por portaria do
Ministro da Saúde, de um Comitê Técnico Científico para elaborar propostas de
“Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências e
de Redução da Violência e dos Acidentes na Infância e na Adolescência” em 1998.
Desse
grupo participaram representantes da Sociedade Civil Organizada, entre elas a
Sociedade Brasileira de Pediatria, elaborando um plano específico para atuação
dos profissionais que atendem a crianças e adolescentes.
A
proposta da Política Nacional, já citada anteriormente, foi aprovada pelo
Conselho Nacional de Saúde em março de 2001, sendo divulgada oficialmente em
todo o país[8].
Os
maus-tratos são atos físicos, psicológicos e sexuais danosos aos meninos e
meninas; ou omissões e negligências que também lhes causam danos físicos,
sexuais ou emocionais[9].
Os
atos violentos podem ocorrer isolados, embora frequentemente aconteçam de forma
associado. Descrever o tipo de maus-tratos, segundo a Classificação Internacional
de Doenças (CID), 10.ª revisão, CID10, com os seguintes códigos:
T
74.0 Negligência e Abandono;
T
74.1 Sevícias Físicas (abuso físico);
T 74.2 Abuso Sexual;
T
74.3 Abuso Psicológico;
T
74.8 Outras Síndromes especificadas de maus-tratos;
T
74.9 Síndrome não especificada de maus-tratos.
O
Conselho Tutelar tem poder, por exemplo, para intervir a favor de crianças e
adolescentes fora da escola ou que estejam trabalhando. Tem poder para exigir
atendimento psicológico na rede pública para a vítima, sua família ou qualquer
de seus agressores.
Pode,
enfim, fazer a conexão entre vários profissionais, serviços e setores,
ampliando o suporte para superação da cultura de violência intrafamiliar ou
institucional.
É,
portanto, um amparo aos profissionais de saúde e de educação que não podem e
não devem assumir a totalidade do encaminhamento necessário ao andamento dos
casos de maus-tratos. Assim, o objetivo maior da proposta de notificação é que
esta seja um instrumento efetivo para facilitar o acesso a uma rede de proteção
para as crianças e os adolescentes.
Cumpre
advertir que igualmente os profissionais da Educação podem e devem prover a
notificação compulsória quanto aos indícios de maus-tratos contra criança e
adolescente.
É inadmissível que com tanto progresso tecnológico e econômico, ainda não saibamos colocar-se no lugar do outro, pois só assim, o mundo será o lugar de todos. Onde sejamos capazes não somente de exercitar a tolerância, mas principalmente o respeito ao primado da dignidade humana.
Referências:
BARROS,
Flávio Augusto Monteiro de. Crimes contra a pessoa. São Paulo: Saraiva, 1997.
DIAS,
Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5.ed. São Paulo: RT, 2009.
CARVALHO,
João Andrade. Tutela, curatela, guarda, visita e pátrio poder. Rio de Janeiro:
AIDE, 1995.
Código Civil: lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 09 abr. 2021
______.
Código Penal: decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848.htm
. Acesso em: 9 abr. 2021
______. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm . Acesso em: 09 abr. 2021
______. Estatuto da criança e do adolescente. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm . Acesso em: 09 abr. 2021.
CABETTE,
Eduardo Luiz Santos. Artigos 136 do Código Penal e 232 do Estatuto da Criança e
do Adolescente conflito aparente de normas. Disponível em: https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121937297/artigos-136-do-codigo-penal-e-232-do-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-conflito-aparente-de-normas#:~:text=O%20C%C3%B3digo%20Penal%20prev%C3%AA%20em,indispens%C3%A1veis%2C%20quer%20sujeitando%2Da%20a
Acesso em 12.4.2021.
TOMIZAWA,
Guilherme; MOREIRA, Josiele Adriana. Destituição do Poder Familiar: Punição Ou
Garantia de Direitos? Disponível em: http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima6/Destituicao_do_poder_familiar.pdf
Acesso em 12.4.2021.
Notas:
[1]
Destaco, ainda a nova redação dada pela Lei nº 13.715/2018 Código Penal
Art. 92 - São também efeitos da condenação: (...) II –
a incapacidade para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos
crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente
titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou
contra tutelado ou curatelado;
[2] A Lei 14.064/2020 majorou a pena de quem
maltratar ou praticar abusos contra cães e gatos. A norma penal determina que
prática de abuso, maus-tratos, ferimento ou mutilação a cães e gatos será
punida com pena de reclusão de dois a cinco anos, além de multa e proibição de
guarda. Lei Sansão", a norma foi batizada como lei Sansão, em homenagem a
um cachorro que foi vítima de agressões em Minas Gerais. O pitbull teve as
patas traseiras decepadas por um homem em Confins/MG.
[3]
A Lei nº 13.010, mais conhecida como Lei Menino Bernardo e sancionada no dia 26
de junho de 2014, alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente para estabelecer
o direito da criança e do adolescente de serem educados sem o uso de castigos
físicos, de tratamento cruel ou degradante. O menino Bernardo Boldrini foi
assassinado em abril de 2014, quando tinha somente 11 anos de idade. De forma
cruel, uma mistura de sedativos aplicada culminou em overdose por superdosagem
do medicamento Midazolam. Em decorrência da morte do menino, a justiça
brasileira ganhou a Lei do Menino Bernardo.
[4]
Discute-se se a destituição do poder familiar de pais abusivos representa uma
punição ou mera garantia de direitos de crianças e adolescentes. Pois a
destituição do poder familiar se refere a situação em que o Judiciário por meio
da ação apropriada decide retirar do pai e/ou mãe as prerrogativas inerentes
aos direitos e deveres que tinham em relação aos seus filhos, extinguindo-se
assim, o vínculo afetivo entre eles. Em verdade, é menos sanção aos pais ou
responsáveis e, mais propriamente o atendimento ao melhor interesse da
criança/adolescente.
[5]
O ECA é bem explícito (artigo 23) ao ressaltar que, ao contrário do que muitos
possam pensar, a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo
suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar. Abuso emocional ou
físico, abandono, maus-tratos e trabalho infantil são as razões habituais.
[6]
A Lei nº 13.715/2018 alterou também o Código Civil para inserir no art. 1.638
um parágrafo único dispondo que perde o poder familiar quem: "I – praticar
contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar: a) homicídio, feminicídio
ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de
crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou
discriminação à condição de mulher; b) estupro ou outro crime contra a
dignidade sexual sujeito à pena de reclusão; II – praticar contra filho, filha
ou outro descendente: a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza
grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo
violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de
mulher; b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade
sexual sujeito à pena de reclusão."
[7]
Por fim, a Lei nº 13.715/2018 alterou o art. 23, § 2º, do Estatuto da Criança e
do Adolescente para – assim como fez no art. 92, inc. II, do CP – ampliar sua
incidência: "A condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a
destituição do poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime
doloso sujeito à pena de reclusão contra outrem igualmente titular do mesmo poder
familiar ou contra filho, filha ou outro descendente".
[8]
O artigo 32, § 1º. – A da Lei 9.605/98, com nova redação dada pela Lei
14.064/20 coíbe, mediante pena de reclusão, de dois a cinco anos, multa e
proibição de guarda, os “maus – tratos contra animais”, mais especificamente
ainda, contra cães e gatos. Por seu turno, o artigo 136, “caput”, CP
prevê a punição dos “maus – tratos contra seres humanos”, sendo a pena do
delito simples somente de “detenção, de dois meses a um ano, ou multa” (note-se
que há multa alternativa, ou seja, a pena pode ser somente pecuniária de acordo
com a individualização judicial). Ainda que resulte dos maus – tratos a humanos
lesões graves ou mesmo gravíssimas, a pena prevista no artigo 136, § 1º., é só
de “reclusão, de um a quatro anos”, sem nem mesmo previsão de multa.