Hamlet: o último ato. O fim da tragédia e o Direito
Hamlet é, sem dúvida, o personagem mais famoso de Shakespeare, a reflexão se sobrepõe à ação e a paralisa a literatura mundial. Começa a peça com a descoberta do assassino e, finda após a vingança de Hamlet. Hamlet incorpora o drama da consciência. Vingar ou não o pai é o principal dilema do príncipe. Num mundo em plena transição, transformado pelo Renascimento, pela descoberta da América, e tantas outras chaves duais que compõe o poder e a paixão.
O quinto ato que encerra a
mais longa peça escrita por William Shakespeare. Enfim, Hamlet sobreviveu aos
macabros planos do Rei Cláudio (seu tio) e, finalmente, retornou para Elsinore.
Sem saber sobre a morte de Ofélia, o Príncipe da Dinamarca entabula diálogo com
dois coveiros que abrem a sepultura.
O primeiro coveiro é dotado de
extrema sagacidade e, talvez, seja a única personagem que realmente pode
enfrentar Hamlet, intelectualmente.
O coveiro explica,
ironicamente, o motivo da morte com suspeita de suicídio, apesar de ter sido
recebido o corpo de Ofélia (Ophelia), em solo sagrado, algo totalmente vedado
aos suicidas.
Na realidade, argumentou o que
foi repetido pelo padre, depois de uma forte pressão de cima, isto é, advinda
da casa real que propiciou tudo isso.
O coveiro que convive tanto
com ossos e sepulturas, tão íntimo da finitude humana, possui um olhar realista
sobre a brevidade da vida e vaziez absoluta das vaidades.
O coveiro é tão brilhante
quanto Falstaff[1],
personagem, de outra peça, a Henrique IV, Henrique V e, As alegres comadres de
Windsor[2]. Afinal, esses nobres personagens conseguem
sem ilusões, enxergar, o que os demais não veem.
O coveiro parece ser mais
lúcido que Hamlet apesar de ser também famoso por sua consciência lúcida. Ao
longo da peça, trava-se o debate teológico envolvendo questões que reaparecem
no cemitério.
Lembremos que o mundo do autor
inglês era policromático e a Inglaterra era oficialmente anglicana. Na era da
Rainha Virgem, Elizabeth I[3], constatava-se certa
tolerância com outras crenças que dialogavam com o calvinismo[4]. E, o autor era
oficialmente ligado tanto à Igreja quanto ao Estado inglês, embora houvesse
rumor de que fosse um católico disfarçado, por pura conveniência.
Existem muitas especulações a
respeito da religião do bardo, pois algumas evidências sugerem que a família
dele fosse católica e que simpatizasse com o catolicismo romano[5], mas esta tese perdeu
popularidade ultimamente. A evidência mais aguda sobre o secreto catolicismo é
a figura do pai do poeta, John Shakespeare. Já a mãe de Shakespeare, Mary
Arden, era uma sócia da família católica em Warwickshire.
Reparem que quase todos os
padres presentes como personagens são simpáticos nas peças do bardo e, com
poucas exceções, tanto quanto os bispos, logo, no início da peça Henrique V,
planejaram lançar o rei ao campo da batalha para que subtraia o foco do poder e
a taxação sobre os bens da Igreja.
O padre presente ao enterro de
Ofélia é um positivista, um legalista ortodoxo, porém, aceita e acata as
pressões que vinham de superiores. Observemos o contexto, pois havia uma
plateia predominantemente protestante, uma rainha anglicana e um autor simpatizante
do catolicismo - uma peça que discute profundamente o poder.
Ofélia é personagem
secundária, mas não passa despercebida na obra de Shakespeare. Circunscrita
pelo poder patriarcal, recebe referências do pai e do irmão e, depois, do seu
amor Hamlet. Não se pode dizer que Ofélia é ingênua, ao contrário, corresponde
a forte expressão do amor e da lealdade. Possuidora de submissão e de um desejo
contrastantes, a real fonte de seu conflito[6].
Ela é testada, a todo momento e
é reprovada pela sociedade para a qual foi designada. Enquanto Hamlet finge
enlouquecer como parte de seu plano obstinado por vingança, Ofélia enlouquece
de verdade, por acreditar que Hamlet perdeu a razão por amor a ela.
E, por desdenhar seu amor,
sugerindo-lhe que vá a um convento ou a um bordel. Em delírio histérico de
Ofélia, é possível identificar as nuances do que desencadearam seu
desequilíbrio e, por último, a morte que não se sabe acidente ou suicídio.
Quando Hamlet estreou,
provavelmente, em 1601, o autor sabia muito pela Reforma Luterana que se
iniciara em 1517, onde Hamlet estudou, em Wittenberg. Foi lá, exatamente, que
Martinho Lutero tornou pública sua obra composta de noventa e cinco teses[7] que serviram de estopim ao
movimento reformista na Idade Moderna.
Hamlet é homem peculiar do
Renascimento, e sua visão de mundo inclui Deus, porém, sua ação é mais parecida
com um diálogo com Niccoló Maquiavel[8]. O príncipe Hamlet está
distante da Idade Média e seus padrões teocêntricos.
Há fascinante debate a
respeito dos temas abordados na peça (poder, conspiração, absolutismo, traição
e loucura) e, ainda, sobre o contexto religioso agitado da Inglaterra da
época. Então, temas como o livre-arbítrio,
predestinação, justificação pela graça ou por boas obras, por misericórdia
divina são intensamente esmiuçados.
A divina providência e o
purgatório são revelados pelo fantasma do pai de Hamlet e, outros temas ainda
discutem as crenças do público e as instituições sagradas da época.
O segundo coveiro traz mais à
baila uma crítica social do que propriamente intelectual. Enquanto o primeiro
coveiro parece imitar o falar jurídico e, no fundo, denuncia que a lei não é
igual para todos. Não existe, portanto, a isonomia. E, até faz piada. Hamlet é
enviado para se curar na Inglaterra e, o coveiro afirma que não haverá
problema, mesmo se não recuperar a saúde mental, porque em solo inglês, todos
são loucos e ninguém notará a diferença.
Assim, loucos, palhaços e
parvos poderiam dizer quase tudo no teatro, pois, eram afastados da razão e,
completamente poupados por sua loucura.
Boa parte da inteligência
europeia do século XVI acreditava piamente que as pessoas simples, ou seja, os
sem a formação intelectual e educacional, eram capazes de serem mais
verdadeiros do que muitos eruditos e letrados.
A verdade era simples e vinha
sem esforços. Aliás, Montaigne em seu ensaio sobre os canibais que levou um
servo de sua propriedade para conversar com os índios em Ruão. Sua condição de
simples e rude o erigia à condição de verdadeiro testemunho. Afirmou o filósofo
francês, há dois tipos de pessoas em que se pode confiar: homens que nos são de
grande fidelidade ou, tão simples que não tenham por que fantasiar o
verdadeiro.
O coveiro não era fiel à
Hamlet, mas em sua simplicidade e profundo conhecimento sobre a brevidade da
vida humana eram indisputáveis. Outra referência de Shakespeare, era teatral.
Pois desde a Grécia, particularmente, as comédias, utilizava-se da imersão para
surpreender a plateia. E, nos personagens cultos e bem letrados, o público
identificava a corrupção e a decadência.
Do escravo, do rude e do
malformado, extrai-se alguma virtude, muitas vezes, disfarçadas por
maquinações, jaz a sagacidade e a inteligência. Para a plateia da época, à
beira do rio Tâmisa, as ironias sobre a interpretação do direito canônico ou da
linguagem hermética dos advogados, rendia uma oportunidade ampla para debate.
A conversa na tumba é a
maneira popular de perceber como funciona “os de cima”. “Lembra-te que és pó e
ao pó hás de voltar”. Misturando reflexão sobre a memória, diferenças sociais e
o papel nivelador da foice da morte, tão indesejada e tão equânime.
A conversa entre os coveiros é
interrompida pela chegada de Hamlet e Horatio. O príncipe indaga se o crânio
ainda possuiria uma língua e, se poderia adular ou mentir, no momento. Quase
desafia a caveira ao tentar.
Quando olha para os restos
mortais de um advogado, destila seu desprezo pela soberba humana. E, questiona,
ironicamente, onde repousariam, assim, suas artimanhas retóricas. Retoma uma
parte do pensamento sobre os vermes e os reis quando Hamlet indaga ainda, sobre
o destino do corpo de Polônio.
Até os ossos despertaram pouca
compaixão no dinamarquês. Hamlet parece se afastar da solidariedade dos humanos
vivos e mortos. A frieza cáustica e cínica de Hamlet recebe um golpe ao saber
que está diante do que restou de Yorick, o Bobo da Corte[9] que brincava com ele em
sua infância e lhe proporcionara infinita alegria.
O pai do príncipe lhe causava
imenso respeito e admiração, mas vivia em guerra. Enfim, a companhia de um Bobo
da Corte era, ao final, mais frequente e constante do que a do seu próprio pai.
Havia uma cultura relatada
pelo historiador Johan Huizinga que se formara no outono da Idade Média em
torno da morte. A peste negra que assolou a Europa do século XIV, o que tornou
a morte cotidiana e includível. O triunfo da morte trouxe mudança de
comportamento: do que adiantava tanta riqueza, nobreza e fama? Afinal, a morte
igualava a todos[10].
Ressalte-se que a peste negra
representou um forte vetor de transformações no Velho Continente e, após essa
pandemia, se deu uma série de mudanças que começara a reverberar no âmbito
social, político e econômico por todo continente.
A peste negra, teve surto que
se estendeu de 1347 a 1353 e casou fortes modificações expressivas na Europa.
As estimativas modernas variam entre cerca de um terço e metade da população
europeia total no período de cinco anos de 1347 a 1351 morreu, durante o qual
as áreas mais severamente afetadas podem ter perdido até 80 por cento da
população.
A peste era chamada de negra
porque causava manchas negras na pele das pessoas, fruto das infecções
provocadas pelo bacilo. Essa peste também ficou conhecida como bubônica por
provocar bubões ou bubos, isto é, inchaços infecciosos no sistema linfático,
sobretudo nas regiões das axilas, virilha e pescoço.
A peste negra foi uma das
piores pragas que atingiu a Europa em toda sua história, pois perdurou por
muito tempo e com períodos inconstantes de gravidade. A mais devastadora
pandemia de peste negra aconteceu em meados do século XIV dizimando 1/3 de toda
população. A peste não escolhia suas vítimas, não havia um perfil específico
para os afetados, todos estavam a sua mercê, seja nobre ou servo.
Após seu surgimento muitos
especialistas tentaram descobrir suas origens e possíveis formas de tratamento
e prevenção. Foi possível, naquela época, entender que a peste chegou a Europa
através dos navios que circulavam entre os portos e traziam muitos ratos,
devido à precariedade nos cuidados com a higiene. Tentaram limpar as cidades,
aromatizar, fizeram procissões, orações e de nada adiantou, cada vez mais a
peste negra se espalhava pelo território europeu.
Nesta época, um dos mais famosos cirurgiões realizou várias observações dos sintomas da doença e a distinguiu em dois tipos: a bubônica e a pneumônica. Guy de Chauliac[11] viveu em Avignon (França) e chegou a ser infectado pela peste negra, mas sobreviveu e deixou várias descrições sobre suas características. Em seus relatos defendia que as pessoas não entendiam qual era a causa da peste e acabavam apresentando comportamentos violentos por acreditar que alguns povos eram os culpados, conforme explica Sardo (2012)[12].
Houve um movimento cultural
muito intenso na reprodução de corpos em estado de putrefação em pinturas, no
aumento da devoção de mártires como no caso de Santa Catarina e Santa Ágata[13].
A aceitação tácita do fim da
vida, revolucionou a maneira de pensar e criou a cultura da “boa morte”, era
preciso estar atento e se preparar adequadamente para o fim, pedir perdão pelos
pecados, e acertar as contas antes que fosse tarde demais.
Na Inglaterra de Shakespeare a
morte sem preparo de seu pai (que não teve tempo sequer para uma despedida)
livrando-se de pecados e faltas e o desfile de caveiras que saem da terra se
mostrando que um bobo da corte, um advogado e Alexandre, o Grande viraram a
mesma coisa e, ecoavam pensamentos como se fosse uma dança macabra.
Embora o autor não tivesse
frequentado Oxford ou Cambridge, seu latim era bom o suficiente para entender o
poema de Lucrécio. De rerum natura, ou seja, sobre a natureza das coisas
é poema didático e cultivado por alguns pré-socráticos gregos, escrito no século
I antes de Cristo por Tito Lucrécio. Proclama a realidade humana num universo
sem deuses e tenta libertá-la do seu temor à morte. Expõe tanto a física
atomista de Demócrito como a filosofia moral de Epicuro.
A visão de Lucrécio é bastante
austera, mas, no entanto, incita a alguns pontos importantes que permitem aos
indivíduos um escape periódico de seus próprios desejos e paixões para observar
com compaixão a pobre humanidade em seu conjunto, incluindo-se a si mesmo,
podendo observar a ignorância, a infelicidade reinante, e incita a um
melhoramento.
A responsabilidade pessoal
consiste em falar sobre a verdade pessoal que se vive. De acordo com a obra, a
proposição de verdade de Lucrécio é dirigida a uma audiência ignorante.
Esperando que alguém o escute, o compreenda e desta forma passe a semente da
verdade capaz de melhorar o mundo.
Lucrécio rompe, em definitivo,
com a ideia central e metafísica de 'natureza', o que lhe confere a virtude de
extraordinário avanço na história do pensamento ocidental. 'Natureza' não é uma
substância, um estado primordial, ou, ainda, uma causa final de toda realidade.
A natureza se confunde com os próprios átomos.
O filósofo epicurista afirmava
que somos poeiras das estrelas, ou seja, que nossas almas e nossos corpos são
compostos de átomos. Logo, não haveria vida após a morte e uma alma imortal,
apenas um rearranjo de átomos em normas formas.
As religiões seriam, nesse
contexto, fabricações perversas, pois nada poderia nos legar que não fosse dor
e privação. Do que adiantaria mortificar o corpo, por exemplo, querendo uma
vida eterna?
O poema filosófico desde o
século XIX não havia em Portugal uma tradução. Em “De rerum natura”
Lucrécio apresenta a teoria de que a luz visível seria composta de pequenas
partículas. Teoria incompleta, apesar de bastante consistente, é uma espécie de
visão antiga da atual teoria dos fótons.
Também, neste poema, Lucrécio
sustenta a ideia da existência de criaturas vivas que, apesar de invisíveis,
teriam a capacidade de causar doenças. Esta ideia representa na realidade a
base da microbiologia.
Hamlet é bem mais ambíguo, mas
opera a junção de Gênesis e a ideia de ser a poeira das estrelas é muito poderosa.
Hamlet, percebe estarrecido que o enterro era de Ofélia.
Laertes abalado pelas mortes
combinadas de seu pai e irmã (Polônio e Ofélia), prossegue triste e, até
discute com o padre, que se recusa notoriamente, a dar maior pompa ao evento.
A nebulosa morte de Ofélia era
embaraçosa, pois, aos suicidas era vedado o campo santo. Parece que sua loucura
a levou tecer uma guirlanda de flores e que, tentando instalar-se num galho
frágil de árvores, caíra na água e se afogou devido às suas roupas encharcadas.
A descrição da rainha[14] aponta que em verdade,
Ofélia, não lutou pela vida, mais até do que um suicida que tira a vida
intencionalmente[15].
O príncipe insiste que amou
Ofélia, mais que todos e que está em luto profundo tanto quanto Laertes, seu
irmão. Chegou mesmo a confessar o que negava para a namorada em vida, e disse:
Eu amei Ofélia. Que diferença enorme teria causado essa confissão quando a
filha de Polônio indagou a ele, o que sentia por ela, e apenas recebeu a frieza
e ironia de sempre.
Hamlet rogou uma praga à moça,
de que mesmo vivendo em absoluta castidade e moralidade, seria injuriada e
caluniada. Como suicida, isso certamente ocorreria.
Harold Bloom diante da tardia
confissão de Hamlet recomenda que desconfiemos do amor do príncipe. Todos sabiam
que havia retornado à Inglaterra e, havia o plano do Rei Cláudio de ver o
sobrinho morto, fracassara.
O príncipe Hamlet faz
minuciosa descrição das aventuras de barco e conta a Horatio sobre como escapou
da morte. Num momento de distração de um de seus ex-amigos, leu a carta que
levavam contendo a sua sentença de morte.
Logo em seguida, redigiu outra
carta dizendo que o leitor deveria imediatamente assassinar os homens que
acompanhavam o príncipe. Então, trocou as cartas[16] e os condenou com a
manobra Rosencrantz e Guildenstern à morte.
Sob o falso pretexto de dar
cuidados e segurança à Hamlet, em perigo por ter cometido assassinato, Cláudio
o envia à Inglaterra. Em carta dirigida ao rei, seu fiel seguidor, pede a
execução sumária do enteado, alegando que seu alterado insano estado colocava
em risco a vida dos dois monarcas.
Rosencrantz e Guildenstern,
cortesãos amigos do príncipe, são designados para acompanhá-lo à Inglaterra. No
segundo dia de viagem, o barco é invadido por piratas. Hamlet os enfrenta
saltando para o navio dos inimigos que, sob promessa de pagamento, são
clementes para com ele.
Novamente, ficamos surpresos
com intensa frieza de Hamlet com relação à vida humana e, assim diz: “A minha
consciência não me pesa: a derrota os aguarda, cresce por culpa deles. É um
perigo para os fracos prostar-se entre a passagem e as pontas venenosas do
inimigo”.
Hamlet consegue mostrar-se
insensível à vida e terrivelmente arrogante. E, no monólogo mais célebre,
Hamlet perguntava como era possível suportar “a ingratidão no amor, a lei
tardia, o orgulho dos que mando, o desprezo que a paciência atura dos
indignos”.
Curiosamente, Hamlet foi
definitivamente ingrato com relação ao amor de Ofélia e, também foi arrogante
com a morte dos colegas, para safar a sua vida. Está longe da perfeição dos
heróis, pois manipula, mata e finge mostrar vaidade e desprezo na mesma
proporção que revela as mais profundas virtudes e consciências épicas.
Nosso herói-vilão é, enfim, um
ser humano e fogo de todos os padrões maniqueístas. Harold Bloom se irritava
quando lhe perguntavam sobre “os defeitos de Shakespeare” tal como seu
antijudaísmo, sua misoginia, sua submissão ao caráter orientador da monarquia
inglesa e sua demofobia.
A raiva do referido crítico
norte-americano se justifica como cobrar do personagem, ou de um autor, os
valores que nos são caros, atualmente?
Evidentemente, Hamlet não era
feminista e não conheceu os valores mais contemporâneos e, tão menos os
politicamente corretos. Nada mais anacrônico, por exemplo, que julgar
Aristóteles pela sua defesa da escravidão ou condenar Shakespeare por
misoginia, ou mesmo Monteiro Lobato por racismo. Enfim, Hamlet nos traz a
invenção do humano.
Lembremos, oportunamente, que
a Inglaterra padecera de desgraças dantescas quando governada por homens e
foram exatamente as rainhas que presidiram a era da prosperidade, estabilidade,
conforme foi com a Rainha Elizabeth I, a Rainha Virgem. Shakespeare a admirava
e, mesmo assim, manifestava sua visão masculina peculiar do mundo moderno.
O Rei Cláudio tomara
providências adicionais para que ocorresse a morte de Hamlet. O plano real
procurava não deixar arestas soltas, e, pensou na hipótese de o sobrinho não
ser ferido. Nesse caso, pediria vinho para se refrescar e, então, haveria
veneno no vinho.
Talvez, o mesmo veneno que
usara quando matou o irmão e pai de Hamlet. Também, envenenaria a ponta da
espada de Laertes, pois assim, mesmo que o ferimento fosse leve, ele seria
fatal.
O dia do combate chegou e,
toda corte se reúne para assistir, até o rei e a rainha. Hamlet pede desculpas
a Laertes que o culpa pela morte do pai e de sua irmã (Ofélia). Com a retórica
impecável, afirma que estava louco e que a sua loucura ofendeu Laertes e
Hamlet.
Enaltece o adversário e, tudo indica que Hamlet tem o pleno domínio da razão e da emoção. Iniciado o duelo, o príncipe exige do juiz que reconheça os toques que provocou com sua espada no adversário.
E, o jogo-duelo se transforma em verídica luta. A verdade e o calor da luta em Hamlet se deparam com ódio e divergência em Laertes, assim o que era lúdico, se transforma em mortal.
Tanto Hamlet como Laertes ali
estão para se vingarem da morte de seus pais. O aleatório do destino se torna
soberano e a rainha bebe a taça de vinho envenenada. Gertrudes[17], cada vez mais
desconfiada de Cláudio que insistia em fazer com que Hamlet bebesse o vinho.
O que confere a Gertrudes em
derradeiro momento, um senso de sacrifício e de proteção maternal ao filho.
Também significa que depois de estar cega pela paixão, passou a ver Cláudio com
os mesmo olhos de Hamlet.
A rainha Gertrudes, ao final,
apega-se o mais forte amor, o amor filial. Sobrepuja a paixão de mulher, para
reencontrar o papel de mãe. Na reta final, Laertes está ferido e envenenado, a
rainha e o rei estão mortos.
Hamlet sangra muito e sabe que
tem pouco tempo de vida e diz muita coisa a Horatio, pedindo ao amigo que narre
tudo com a maior fidelidade para que seu nome não seja manchado pela tragédia[18]. Indica a coroa à
Fortimbrás que, vitorioso, retorna da campanha na Polônia. E, o príncipe Hamlet
encerra sua participação, com outra famosa frase: “O resto é o silêncio”.[19]
Horatio é o único sobrevivente
de toda a trama macabra. Estudos recentes trazem a possível etimologia do nome
Horatio, orador da razão (orator ratio) e a ele caberia narrar tudo, um
homem comum que fora testemunha de toda trama.
A prevalência do sentido
filosófico e psicanalítico de Hamlet costuma eliminar a cena final. E, coloca a
fala de Fortimbrás, o invasor temido que ordena quatro capitães para erguer o
caixão de Hamlet, com todas as honras, em suas exéquias.
Citando, novamente, Harold
Bloom, in litteris: “O mal de Elsinore é o mal de todo tempo e lugar. Todo
Estado tem algo de podre e, os que têm sensibilidade semelhante à de Hamlet, cedo
ou tarde, vão se rebelar”.
Enfim, a tragédia de Hamlet é
a tragédia da personalidade humano. E, o único inimigo loquaz do príncipe é o
próprio Hamlet. Vigora antes do silêncio, o valor singular da personalidade de
Hamlet.
Pois fez erigir o homem e seus
limites morais, as artimanhas retóricas de poder e de culpa, os fingimentos
sociais, o amor desenfreado ou reprimido, o custo de enfrentar o mundo como a
um “mar de escolhos”.
O texto de Shakespeare não se
esgota nas vastidões da consciência e da tensão eterna da vida. Possivelmente,
a derradeira lição é a morte, como foi para Hamlet, pois ele e todos nós só
poderemos entrar no grande silêncio depois de esgotada toda experiência
biográfica.
Há uma vil tentação em ver a
morte como rito de passagem e de aprendizado. Todo mundo é um palco, parodiando
outra peça do bardo. O que importa? Hamlet diria que o fazer até lá (a morte).
Como você lida com sua noz[20] e com o nós. O resto,
realmente, é um imenso, denso e profundo silêncio.
Hamlet é autor de crime, mata
Polônio que se escondia atrás de uma cortina, mas comete típico erro de
execução que é chamado de aberratio ictus, na medida em que acreditava se
tratar do Rei Cláudio. Já a segunda conduta típica de Hamlet é prejudicada por estar
presente possível causa justificante, ou seja, a legítima defesa.
Porém, para o doutrinador
Rogério Greco não ocorrera a legítima defesa antecipada passível de ser
justificadora do crime. O que existiria seria inexigibilidade de conduta diversa,
a qual poderá excluir a culpabilidade.
A terceira conduta típica de
Hamlet consistiu em matar Laertes por meio de golpe de espado desferido durante
o duelo. Mas, como se trata de duelo ao qual aderiram voluntariamente tanto
Hamlet como Laertes, poderíamos afirmar que agiu conforme o exercício regular
de um direito, o que novamente, excluiria a ilicitude do ato do príncipe da
Dinamarca.
Enfim, ainda há o debate
acerca de sua inimputabilidade ou semi-imputabilidade, se considerarmos louco ou
portador de transtorno mental.
Em sua loucura, Hamlet foi lúcido em enxergar a natureza humana e a explorou, ciosamente, com seu sofrimento e morte. "Preciso ser cruel para ser bom" (Ato III, Cena IV).
Referências
ALVES, Gabriel Vieira da
Silva; FERNANDES, Fabiana Perpétua Ferreira. Impacto da Peste Negra na
Europa. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/80/o/TCEM2014-Historia-GabrielVieiraSilvaAlves.pdf
Acesso em 21.11.2021.
ARIÈS, Philippe. O homem
diante da morte. (v. 1). Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1989.
BOCCACCIO, Giovanni. Decamerão.
Tradução de Torrieri Guimarães. Editorial Abril Cultural, 1979.
BLOOM, Harold: Shakespeare:
a invenção do humano. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998.
BRAVO, Milra Nascimento.
Cemitérios (dos) Desprivilegiados no Rio de Janeiro Escravista. Disponível
em: http://www.pretosnovos.com.br/dropbox/textos/academicos/1338426057_ARQUIVO_TextoANPUH-2012-MILRAversaofinal.pdf
Acesso em 21.11.2021.
GRECO, Rogério. Curso de
Direito Penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Impetus. 2005.
KARNAL, Leandro; DA SILVA,
Valderez C. O que aprendi com Hamlet. Rio de Janeiro: Leya, 2018
QUÍRICO, Tamara. Peste
Negra escatologia: os efeitos da expectativa da morte sobre a religiosidade do
século XIV. Mirabilia, 2012.
SANTIAGO, Denny Mendes. Alguns
comentários acerca da culpabilidade no Direito Penal: Uma análise do caso
Hamlet. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/alguns-comentarios-acerca-da-culpabilidade-no-direito-penal-uma-analise-do-caso-hamlet/ Acesso
em 21.11.2021.
SARDO, Ranieri. Cronica
di Pisa. Tradução de Tamara Quírico. 2012.
SHAKESPEARE, W. Hamlet.
Tradução de Millôr Fernandes. Porto Alegre: L&PM Pocket, 1999.
Notas:
[1]
É Sir John Falstaff personagem de Shakespeare, estando presente em várias de
suas peças. É conhecido por ser notório fanfarrão e boêmio. Em Henrique V,
Falstaff é um dos amigos de adolescência do rei que, após a ascensão de
Henrique ao trono, acaba sendo desrespeitado e abandonado pelo rei. E, assim
entristecido morre abatido numa taverna juntamente com os mais antigos amigos.
O homem que inspirou a personagem foi Sir John Fastolf (1380-1459) foi
proprietário de terras e cavaleiro inglês da Idade Média tardia e que lutou na
Guerra dos Cem anos. Ficou bem conhecido por sua capacidade de liderança em
batalha, como sendo um patrono da literatura e mesmo como empresário.
[2]
The Marry Wives of Windsor, ou Mulheres Patuscas de Windsor é peça de Shakespeare
sendo uma comédia publicada em 1602. Há histórias de que a Rainha Isabel pediu
que Shakespeare escrevesse sobre os romances de Falstaff, célebre personagem
shakesperiano. Conta-se que o autor escreveu a peça em 15 dias, tanto era o
desejo da Rainha. Baseia-se nos costumes
da classe média provinciana da época, diferindo-se dos cenários costumeiros do
escritor. Mesmo não sendo uma grande comédia de Shakespeare, As Alegres
Comadres de Windsor conquista fácil o espectador pela inventividade de seus
motivos cômicos e pela atualidade de seu enredo. Muito do que está na peça
ainda pode ser visto em nossa sociedade e é justamente essa proximidade com as
intrigas envolvendo as tais senhoras do título, seus maridos e Sir John
Falstaff, que fazem a trama se aproximar do público e garantir boas risadas –
ou talvez um pouco de pena do desafortunado cavalheiro balofo sacaneado pelas
comadres Ford e Page.
[3]
O reinado de Elizabeth I significou a centralização do governo inglês e a
consolidação da igreja Anglicana na Inglaterra. Era filha de Henrique VIII e
Ana Bolena, a rainha decapitada. Pouco antes de completar 3 anos de idade, a
mãe foi executada por ordens do pai. Fruto de um segundo casamento, que não
fora reconhecido pela Igreja Católica, ela era considerada filha ilegítima.
Também tinha um irmão e uma irmã à frente na linha sucessória. Ou seja: ninguém
esperava que um dia se tornasse rainha. Muito menos que ela seria uma das mais
importantes monarcas a ocupar o trono da Inglaterra, com um longo reinado de 45
anos. No entanto, a situação econômica do país não era nada satisfatória. O
fato de a monarca não ter tido filhos fez com que ela apontasse a Jaime, rei da
Escócia, como seu sucessor. O fato de a monarca não ter tido filhos fez com que
ela apontasse a Jaime, rei da Escócia, como seu sucessor. Esta decisão agradou
aos protestantes, pois Jaime havia sido educado nesta fé e não representaria
uma volta ao catolicismo. Elizabeth I morreu em 24 de março de 1603,
provavelmente de infecção respiratória.
[4]
Foi doutrina religiosa criada em Genebra, na Suíça, por João Calvino
(1509-1564). É considerado o segundo movimento da Reforma Protestante, iniciada
por Martinho Lutero. O calvinismo é também denominado de Tradição Reformada ou
Fé Reformada. Foi também desenvolvida por diversos outros teólogos tal como
Martin Bucer, Heinrich Bullinger, Pietro Martire Vermigli e Ulrico Zuínglio.
Calvinistas romperam com a Igreja Católica Romana, mas diferiam dos luteranos
na doutrina sobre a presença real de Cristo na Eucaristia, Princípio regulador
do culto e o uso da lei de Deus para os crentes, entre outras coisas. O termo
calvinismo pode ser enganoso, pois a tradição religiosa que por ele é
identificada sempre foi diversificada, com uma vasta gama de influências, em
vez de um único fundador. O movimento calvinista foi chamado pela primeira vez
calvinismo pelos luteranos que se opunham ao calvinismo, e muitos dentro desta
tradição preferem usar o termo reformado para se descrever. João Calvino
repudiava o termo “calvinista”. Em suas “Leçons ou commentaires et
expositions sur les révélations du prophète Jeremie”, chegou a dizer
que: “Eles não poderiam nos atribuir um insulto maior do que esta palavra,
Calvinismo. Não é difícil adivinhar de onde vem esse ódio mortal que eles têm
contra mim”.
[5]
É a vertente do cristianismo que crê que Jesus é o Salvador do mundo. Assim, os
católicos pregam a salvação dos pecados, a partir da crença em Jesus, a
encarnação de Deus feito homem. A divisão entre o Catolicismo romano e
Catolicismo ortodoxo surgiu da disputa entre o Bispo de Roma e os patriarcas do
oriente a respeito de como estava organizada a igreja. Igualmente houve uma
querela teológica sobre o Espírito Santo. Este episódio, datado de 1054, é
conhecido como o Cisma do Oriente.
[6]
O complexo de Ofélia que se define pela necessidade que tem uma mulher, sempre
em queda nas águas da indefinição da própria identidade, de ser reconhecida por
um homem para ser alguém: em tempo, que morra com ela.
[7]
As 95 Teses ou Disputação do Doutor Martinho Lutero sobre o Poder e Eficácia
das Indulgências (em latim: Disputatio pro declaratione virtutis indulgentiarum)
são uma lista de proposições para uma disputa acadêmica escrita em 1517 por
Martinho Lutero, professor de teologia moral da Universidade de Wittenberg,
Alemanha, as quais iniciaram a Reforma Protestante, um cisma da Igreja Católica
que mudou profundamente a Europa. Tais teses discorrem sobre as posições de
Lutero contra o que ele viu como práticas abusivas por pregadores que
realizavam a venda de indulgências, que tinham por finalidade reduzir a punição
temporal de pecados cometidos pelos próprios compradores ou por algum de seus
entes queridos no purgatório. Nas Teses, Lutero afirmou que o arrependimento
requerido por Cristo para que os pecados sejam perdoados envolve o
arrependimento espiritual interior e não meramente uma confissão sacramental
externa. Ele argumentou que as indulgências levam os cristãos a evitar o
verdadeiro arrependimento e a tristeza pelo pecado, acreditando que podem renunciá-lo
comprando uma indulgência. Estas também, de acordo com Lutero, desencorajam os
cristãos de dar aos pobres e realizarem outros atos de misericórdia,
acreditando que os certificados de indulgência eram mais valiosos
espiritualmente. Apesar de Lutero ter afirmado que suas posições sobre as
indulgências estavam de acordo com as do papa, as teses desafiaram uma bula
pontifícia do século XIV, as quais afirmavam que o papa poderia usar o tesouro
do mérito e as boas obras dos santos do passado para perdoar a punição temporal
pelos pecados. As Teses são formuladas como proposições a serem discutidas em
debate não representariam necessariamente as opiniões de Lutero, porém ele as
esclareceu posteriormente na obra Explicações da Disputa sobre o Valor das Indulgências.
[8]
Em italiano era Niccolò di Bernando dei Machiavelli (1469-1527) foi
filósofo, historiador, poeta, diplomata e música, de origem florentina do
Renascimento. Fundador do pensamento e da ciência política moderna, elo fato de
escrito sobre o Estado e o governo como realmente são, e não como deveriam ser.
Já na literatura e teatro ingleses do século XVII, foi associado diretamente ao
Diabo por meio das referências caricaturais e do apelido "Old Nick".
Surgiu, aí, na visão do pensamento enganoso e da trapaça, o adjetivo
maquiavélico nas línguas ocidentais.
[9]
O bobo da corte, bufão ou bufo era funcionário da monarquia encarregado de
entreter o rei, rainha e os príncipes. De fazê-los rir. Era as únicas pessoas
que podiam criticar o rei sem correr riscos. Os primeiros bobos da corte eram
populares no Egito Antigo e, entretinham os faraós. Já os antigos romanos
tinham a tradição de chamá-los de balastros, era remunerados por seus gracejos
e, às mesas do rico, se apresentavam. Partiam da noção do trickster, por ser
uma alegoria de ideias fugidias e ambíguas que, no fundo, promove o
questionamento dos conceitos, formas e regras. Durante o reino de Elizabeth I,
a roupa do bobo da corte era feita a partir de retalhos, para que não fosse
encaixado em nenhuma classe social, permitindo-lhe, assim, livre trânsito por
estas. É personagem que não é protagonista nem mero figurante. Por usar de
brincadeiras, chistes, piadas e alegorias, aborda assunto das mais delicados
existentes no reino. O bobo da corte por atuar por diferentes métodos, se
configura com diferentes temperamentos, a saber: o ilusionista, o pateta, o
vigarista e o forasteiro. E, tais temperamentos formam a complexidade do bobo,
pois compartilha a qualidade escorregadia do trickster.
[10]
Segundo Boccaccio, todos os dias vários corpos eram levados às igrejas mais
próximas para que fossem sepultados, mas chegado certo momento já não havia
terrenos suficientes. Famílias inteiras faleciam ao mesmo tempo por descaso,
por não receber auxílio de seus familiares e amigos. A peste revelou o amor ao
próximo e a caridade, porém pouquíssimas pessoas se dedicavam a ajudar os
doentes.
[11]
Foi médico e cirurgião francês. Escreveu tratado sobre cirurgia em latim,
chamado de Chirurgia Magna. Posteriormente, foi traduzido para outras línguas,
e utilizado como obra de referência sobre cirurgia para médicos até ao século
XVII. Quando a Peste Negra apareceu em Paris, todos fugiram, especialmente, os
médicos. Porém, Chauliac permaneceu tratando doentes da peste e também
documentando os sintomas meticulosamente.
[12]
A peste trouxe consigo uma grande ruptura na mentalidade das pessoas a respeito
de sua religiosidade. Segundo Boccaccio (1979), dois grupos opostos se formaram
na sociedade: os que acreditavam que a peste era advinda da cólera divina e os
que entendiam ser apenas uma pandemia. Entretanto, a grande maioria pertencente
aos dois grupos percebia o quão eminente estava à morte. De acordo com Quírico
(2012), as pessoas buscavam desesperadamente uma forma de salvação e muitos
encontraram na obsessão religiosa o caminho a seguir
[13] Catarina de Alexandria, também conhecida como A Grande Mártir Santa Catarina, foi uma notável intelectual do início do século IV. Passando mais de mil anos, Joana d'Arc disse que Santa Catarina lhe apareceu várias vezes. A Igreja Ortodoxa a venera como sendo grande mártir, e na Igreja Católica é reverenciada como sendo um dos catorze santos auxiliares. Sua festa litúrgica é dia 25 de novembro. Santa Ágata era Águeda de Catânia, Águeda de Palermo ou da Sicília, também conhecida como Ágata. Segundo seus atos era oriunda de família rica de Catânia ou Palermo e teria vivido quando sua cidade foi controlada por Quinciano. Foi martirizada durante a perseguição do Imperador Décio. Sua festa litúrgica é celebrada em 5 de fevereiro.
[14] Gertrudes não é apenas uma figura da
desprezível, uma “fraqueza feminina” que Hamlet aponta nela. Ela também
representa como boas maneiras e os eufemismos que uma sociedade da corte exige
quando se trata de encobrir a dubiedade e a escândalo que conseguir alcançar os
poderosos que dão as cartas e ditam o jogo do poder. É, portanto, a figura mais
madura da impotência feminina que reveste a pobre, torturada Ofélia como manto
das belas imagens lendárias. Gertrudes dá o mote e os demais o seguindo,
gratos: Hamlet a chama de ninfa, Laertes a comparada à mais “Casta donzela”, e
a própria rainha segundo sua morte com ricas palavras que atenuam os fatos
cruéis. Sua morte é associada às transmutações corporais nas Metamorfoses de
Ovídio. A alusão mítica é a jovem virgem cuja natureza é inefável é abalada,
levando-a uma metamorfose de volta à sua origem no leito matricial das águas.
[15]
Segundo Philippe Ariès, os cemitérios da Antiguidade se localizavam fora dos
limites das cidades, porque além do medo da poluição causada pelos cadáveres em
putrefação, havia também o temor de que aqueles que “se foram” pudessem
retornar para perturbar os que ainda estavam vivos. Inicialmente, nestes locais
eram sepultados juntos cristãos e “pagãos” e posteriormente houve uma separação
quando passaram a ser enterrados em cemitérios diferentes; porém, as inumações
continuavam acontecendo fora dos limites da cidade. (ARIÈS, 1989:34-35) Esta
separação pode representar um possível início de hierarquização da morte.
[16]
Antes de deixar o barco, porém, ele encontrara a carta em que Cláudio pede sua
execução. Dessa feita, o Príncipe não hesita: troca-a por outra carta, escrita
com esmero e bem lacrada, diferente da primeira apenas pela troca de nomes; no
lugar do seu, escreve Rosencrantz e Guildenstern. Vendo-se livres do perigo, os
infelizes dão prosseguimento à viagem para a Inglaterra, levando a carta em sua
nova versão.
[17]
A Rainha Gertrudes é rainha da Dinamarca e herdeira legítima do trona, é a
personagem que menos falas tem na peça. Porém, sua ação movimenta toda a história.
Tanto que o Canto do Bode, na voz de Gertrudes, faz ressaltar tal fato. A
imagem de Gertrudes, portanto, é a da mulher transgressora, que não apenas
enterra o marido, como também o troca por um homem que devia ser proibido para
ela. Como esposa, não lhe cabia o desejo; mas fica claro pelas palavras de
Hamlet na cena do closet - do qual colocamos um extrato uns posts atrás - que
Gertrudes casou-se cedendo à uma atração pelo cunhado. A rainha se deixou
seduzir, traindo assim o conceito de amor que deve cercear uma escolha de
casamento. Hamlet justapõe para a mãe as imagens do pai e do tio para que ela
enxergue a contradição de seus sentimentos.
[18]
As últimas palavras de Hamlet nos trazem a principal reflexão que surge de toda
a peça: depois que Hamlet disse tudo que deveria ser dito, o que restou foi
silêncio. Quando todo esse barulho que faço para não me enfrentar, quando eu
decidir acabar com toda a distração ao meu redor, quando eu parar de me
anestesiar e resolver enfim olhar para dentro de si. Quando todos que conheço
se forem, o que restará? Vazio. Silêncio. Sim, o resto é silêncio.
[19] Porque o príncipe Hamlet é extremamente consciente, e sozinho em sua consciência ele se indaga: “- Quando é que as pessoas vão parar de me dizer o que deve ser dito para me dizer o que as coisas realmente são?” ...
[20]
Viver numa casca de noz. Depois de sua chegada, Rosencrantz logo argumentou com
Hamlet que "a Dinamarca é muito limitada para a minha mente", ao que
Hamlet respondeu que poderia viver recluso numa casca de noz e se considerar
rei do espaço infinito.