Em busca do processo civil contemporâneo ou De volta ao futuro

Ao longo de séculos, o direito processual civil passou por diversas fases voltadas precipuamente para a sua afirmação científica e para a fixação de seu objeto e método.

Fonte: Gisele Leite

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A evolução do direito positivo brasileiro é conscientemente dirigida para maior simplificação dos procedimentos processuais apesar de se reconhecer que as diretrizes mais ampliadas de todo o direito processual civil ainda lutam para conciliar de forma harmônica a celeridade processual com a segurança jurídica.


Ao longo de séculos, o direito processual civil passou por diversas fases voltadas precipuamente para a sua afirmação científica e para a fixação de seu objeto e método.


Deixa de fato, então, o direito processual civil de ser considerado como mero apêndice do direito civil (direito material). Quando os institutos do direito processual civil passarão ser a estruturados de forma nítida e racional e galgando desdobramentos necessários.


A fase chamada de sincrética é a que ocupa a maior parte da história do processo civil. A boa doutrina reconhece francamente que a obra de Oskar Von Büllow[1] intitulada de “Teoria dos pressupostos e das exceções dilatórias” que foi publicada em 1868, realmente significou importante marco histórico da emancipação do estudo científico do direito processual civil.


Nessa obra, o doutrinador germânico identificou enfim a natureza jurídica do processo como uma relação jurídica que é distinta do direito material[2].


A natureza jurídica do processo é de direito público e a relação jurídica de direito material nem sempre está inseria neste. De sorte que uma realidade jurídica é o processo e, outra realidade bem diversa, é o direito material controvertido neste.


O que caracteriza o pensamento processualista é o alto grau de autonomia que marcou a fase científica. A separação do plano material e o plano processual permite que o estudioso entenda o direito processual civil.


Foi ao longo da fase científica que se estendeu de 1868 até 1950 quando desenvolveu todos os seus institutos. Conceitos como ação, processual, relação jurídica processual, condições da ação, pressupostos processuais que se tornaram referências obrigatórias para o estudo do direito processual civil.


A premissa científica dos autonomistas acabou de conduzir a um estudo do processo distante da realidade e, também, longo do direito material controvertido. Não há interferência do plano processual no plano material.


Os praxistas, nome dado à formação do chamado processo comum ou processo romano-canônico e, na Idade Média, era termo reservado para descrever o comportamento dos que estudavam as fontes romanas juntamente com as influências germânicas e bárbara que foram incorporadas e primavam pelo entendimento reto e prático.


As várias escolas que se dedicaram historicamente ao estudo científico do direito processual civil nem sempre conseguiram com êxito fixar premissas sólidas que pudessem adequadamente explicar determinados elementos, como por exemplo, partes.


E mesmo no estudo sobre a natureza jurídica do processo e, por vezes, negavam que uma forma ou outra de ação e o processo se inter-relacionavam.


Certo que para o estudo do processo é necessária a formulação do conceito de norma. E, o doutrinador italiano Élio Fazzalari estabelece, no plano lógico-formal, o seguinte conceito de norma; a norma consiste em um cânone de valoração de uma conduta.


Enfim, estabelece a descrição de um comportamento e seus elementos e requisitos e o qualifica de lícito e devido. Por outro lado, a conduta ilícita é estabelecida por ser o comportamento contrário ao estabelecido na norma.


A noção de ilicitude construído pelo doutrinador italiano, não se busca pela leitura da norma, estando contida na forma de comportamento valorado em face de uma situação concreta.


Assim, assevera Aroldo Plínio que enquanto que Kelsen concentro seu estudo da juridicidade no ilícito. Fazzalari trabalhou em sentido contrário. Pois o ilícito para ele não é cânone de conduta. A conduta é valorada pelo lícito e, o ordenamento jurídico é o complexo de normas, de faculdades, poderes, de deveres, e, portanto, se revela em ser um complexo de licitudes.


Assim, o ilícito comparece, mas como a conduta que consiste na inobservância do dever[3]. Mesmo quando se trabalha com a norma penal, o doutrinador italiano demonstra que o cânone de conduta em relação à norma que define, por exemplo, o homicídio, é o não matar e, a norma penal tem, para ele, o caráter de norma processual posto que se dirija ao poder jurisdicional.


Concluímos, portanto, que o ilícito não faz parte e não integra a estrutura do procedimento[4] e do processo, ipso facto. A norma reconhecida como cânone de valoração, contém, além da descrição de um comportamento, de seus elementos e requisitos a indicação do que pode ser um fato ou um ato, por exemplo, um incêndio, que desencadeia a obrigação do ressarcimento.


Em alguns casos, a norma geral fixada pelo Estado, como por exemplo, a que determina aos pais o dever de educar os filhos, pode comportar inúmeras situações singulares, suscetíveis de um número indefinido de repetições, todas entendidas como comportamentos qualificados a partir da norma em abstrato, como a disposição de um pai que estabelece um horário para filho chegar à noite em casa.


A norma se comporta de diversas formas, conforme o cânone de valoração, como ato jurídico, ou como posição jurídica subjetiva.


São consideradas posições subjetivas primárias: a faculdade, o poder e o dever. De modo que a partir da norma se perquire uma posição subjetiva, que pode ser uma faculdade, um poder ou um dever, que assegura ao sujeito uma posição de vantagem, que é um direito subjetivo, uma posição fundamental de segundo grau.


Para o autor, o direito subjetivo é uma posição de vantagem que um sujeito possui em face de um bem, descrito na norma jurídica. Como ressalta Aroldo Plínio, o conceito de direito subjetivo é extraído a partir da posição do sujeito em relação ao comportamento determinado pela norma.


Desta posição subjetiva do sujeito frente a um determinado bem, prevista pela norma, surge um dever para os demais sujeitos – considerados terceiros em relação ao bem. Este dever pode ser relativo, como o dever de pagar a prestação decorrente de um direito de crédito, ou um dever de caráter absoluto, como o dever de abstenção frente a um direito absoluto.


Depois da digressão preliminar sobre a teoria das formas[5], Fazzalari inicia o estudo da estrutura do procedimento que é uma das formas possíveis, posto que seja uma sequência de normas, atos e posições subjetivas.


E, o procedimento se evidenciar quando há previsão de sequência de normas, em que uma norma valora uma conduta como lícita ou adequada e, esta conduta qualificada é considerada pressuposto para a qualificação da conduta prevista na norma precedente.


Assim, o procedimento é uma sequência de normas, atos e posições subjetivos que se encadearão até a realização do ato final, na qual a norma precedente que estabelece a conduta valorada como lícita ou devido seja pressuposto para a realização da consequente. A primeira norma e conduta desta decorrente ligam-se à segunda como um pressuposto ou como sua fattispecie.


A esse conceito de procedimento, o autor agrega ao conceito de processo, que se distingue pelo critério lógico de inclusão conforme aponta Aroldo Plínio, pois o processo é uma das espécies de procedimento, que se distingue pelo tratamento dispensado aos partícipes que sofrerão os efeitos do ato final, do qual devem participar do procedimento em posição simétrica de paridade, ou seja, em contraditório[6].


Ressaltou Aroldo Plínio Gonçalves que Büllow e seus sucessores realizaram a separação entre os conceitos de processo e procedimento, eis que antes se absorvia o processo no procedimento, tal como simples sequência de atos e, construiu uma distinção apenas baseada no critério teleológico.


Assim, o processo se distingue por seu fim, pois é o instrumento pelo qual a jurisdição é operada e o procedimento se torna a simples sucessão lógica de atos, desvestido de qualquer finalidade.


Assim, a reação que se iniciou com Oskar destituiu o procedimento de qualquer fim e o absorveu no processo, realizando o caminho inverso do que antes era criticado por eles. Contudo, não se pode negar ao procedimento sua finalidade.


E, nesse espectro histórico que Fazzalari, excluindo o critério teleológico, buscou o critério lógico da inclusão, definindo o que seja processo e o que seja procedimento.


In litteris:


“Pelo critério lógico, as características do procedimento e do processo não devem ser investigadas em razão de elementos finalísticos, mas devem ser buscadas dentro do próprio sistema jurídico que os disciplina.


E o sistema normativo revela que, antes que distinção, há entre eles uma relação de inclusão, porque o processo é uma espécie do gênero procedimento, e, se pode ser dele separado é por uma diferença específica, uma propriedade que possui e que o torna, então, distinto, na mesma escala em que pode haver distinção entre gênero e espécie.


A diferença específica entre o procedimento em geral, que pode ou não se desenvolver como processo, e o procedimento que é processo, é a presença neste do elemento que o especifica: o contraditório.


O processo é um procedimento, mas não qualquer procedimento; é o procedimento de que participam aqueles que são interessados no ato final, de caráter imperativo, por ele preparado, mas não apenas participam; participam de uma forma especial, em contraditório[7] entre eles, porque seus interesses em relação ao ato final são opostos”...


Percebe-se que Fazzalari analisa o procedimento e, o define com a seguinte estrutura:


a) série de normas através da qual se regulamenta a produção do ato final, que, normalmente, se trata de um provimento, ou mero ato. Cada norma regula uma determinada conduta (qualificada como lícita ou devida), mas enuncia-se como pressuposto para a execução de uma conduta regulada por outra norma;


b) o procedimento apresenta-se como uma sequência de atos, previstos e valorados pela norma;


c) o procedimento compõe-se de uma série de faculdades, poderes e deveres: quantos e quais, são as posições subjetivas, que se obtêm pela norma em questão.


O procedimento pode ser definido como uma série ou sequência de normas, atos e posições subjetivas, que se conectam e inter-relacionam em um complexo normativo, constituindo a fase preparatória de um provimento, visto como ato final de caráter imperativo.


É o processo como espécie do gênero procedimento possui o contraditório[8] como elemento definidor de sua estrutura. Pois exige que os interessados e os contra-interessados entendidos como os sujeitos do processo que suportarão os resultados do provimento, participem em simétrica paridade do iter procedimental, para a formação do provimento final.


Assim, sendo o contraditório definidor do processo, que o distingue do procedimento, é imperioso analisar a sua estrutura. Não mais como mera e simples participação dos interessados no processo. Mas, como ressalta o doutrinador italiano, a participação exigida não apenas dos sujeitos parciais, mas de todos que participam do processo, o que inclui o juiz, seus auxiliares, o Ministério Público, peritos e, eventual terceiro e, etc.


Para se definir adequadamente quem serão os contraditores, ou seja, quem participará efetivamente do processo em contraditório, é necessário verificar quais os sujeitos serão afetados pelo provimento final, quais serão os sujeitos destinatários do provimento. Estes, que suportarão os resultados favoráveis ou não do provimento final, é que correspondem aos participantes em contraditório e que possuem legitimidade para agir.


Trata-se de participação em simétrica paridade que delineia o contraditório[9], com nova dimensão. Surge, portanto, uma nova estrutura de procedimento e processo que irá interferir logicamente nos conceitos há muito arraigados na ciência processual, como o conceito de jurisdição, competência, o direito de ação e o de direito subjetivo, e ipso facto, e mesmo a noção de processo como relação jurídica, têm que ser repensados, a fim de excluirmos aqueles elementos incompatíveis com a nova concepção de processo e, enfim adequarmos os demais à essa nova concepção.


A teoria do processo como procedimento em contraditório[10] não se concilia com a noção de processo como relação jurídica que foram formulações feitas por Chiovenda e Liebman.


É verdade que o estudo de Chiovenda sobre o processo, inicia-se com a demonstração de imprescindíveis conceitos como o de direito subjetivo. E, para o autor, o direito objetivo é a lei, em lato sensu, correspondente a uma manifestação da vontade coletiva geral.


Em consequência definiu o direito subjetivo que apesar de fundado na vontade da lei, o sujeito jurídico pode aspirar à consecução ou mesmo à conservação daqueles bens inclusive por via de coação.


Constitui tal aspiração ao denominado direito subjetivo, que se pode, portanto, assim definir: a expectativa de um bem da vida garantida pela vontade da lei, assim a ideia de direito subjetivo, verificamos que se resolve numa vontade concreta da lei.


E, portanto, reclama a atuação da lei. Se duas pessoas realizam um contrato de compra e venda, a primeira forma de atuação da vontade concreta da lei é o cumprimento da obrigação, ou seja, a prestação. Se esta não se efetiva, esta será substituída pela atuação da vontade concreta da lei, que é o objeto do processo.


Chiovenda sempre foi um crítico feroz da doutrina que reduzia o processo à reação do direito material lesado, entende ser o processo uma unidade que contém uma relação jurídico. Portanto, o processo é o complexo de atos ordenados ao objetivo da atuação da vontade da lei, com respeito a um bem que se pretende garantido por eles, por parte dos órgãos da jurisdição ordinária.


Desta forma, antes de o juiz se pronunciar a favor ou contra o pedido do autor, este passa por um estado de pendência, no qual são dados às partes diversos direitos e deveres, para que possam fazer valer o seu direito.


Chiovenda analisa a relação jurídica processual como uma relação de direito pública, autônoma e complexa.


É uma relação de direito público, pois o processo realiza uma função pública e suas normas reguladoras são de direito público.


O processo é uma relação jurídica[11] autônoma, pois mesmo não se evidenciando, ao final, no pronunciamento do juiz, a vontade concreta da lei, referente ao pedido do autor – direito de ação –, a relação processual existiu.


Assim, diz o autor: “uma coisa é, pois, a ação, outra a relação processual; aquela compete à parte que tem razão, essa é fonte de direito para todas as partes. ”


E, por fim, a relação jurídica é complexa, pois no seu interior se vislumbra um conjunto de direitos e deveres em número indefinido, que se conectam em virtude do objetivo comum, que corresponde à unidade da relação jurídica.


É relevante confrontar os dois conceitos: o de direito subjetivo, como atuação concreta da lei e o da relação jurídica. Se alguém pretende um bem da vida aduzindo como fundamento uma vontade concreta da lei, que em realidade, não subsiste, forma-se, então, uma vontade concreta da lei em virtude da qual essa pretensão deve receber-se, declarar-se e tratar-se como destituída de fundamento, o que equivale a dizer que se forma uma vontade concreta negativa da lei.


Ora, o processo civil, que se encaminha pode demanda de uma parte (autor) em frente a outra parte (réu), serve justamente, não mais a tornar concreta a vontade da lei, pois essa vontade já se formou como vontade concreta anteriormente ao processo, mas a certificar qual seja a vontade concreta da lei e efetivá-la, quer dizer, traduzi-la em ato: ou a vontade da lei afirmada pelo autor, a qual, se existente, é efetivada com o recebimento da demanda, ou em caso contrário, a vontade negativa da lei, efetivada pela recusa.


O autor ainda ressalta que a relação jurídica é a fonte de um direito subjetivo, sendo a relação jurídica uma relação entre homens, regulada pela vontade da lei.


Adiante, sugere Chiovenda que: O conceito de relação jurídica é mais amplo do que o de direito subjetivo, não tanto porque exprima, além da posição daquele que goza de um direito, aquela de que lhe está submetido, quando porque normalmente a relação jurídica não se exaure num único direito subjetivo de uma parte e na correspondente sujeição da outra parte: normalmente a relação jurídica é complexa, ou seja, compreende mais de um direito subjetivo de uma parte em referência a outra.


Em síntese, Chiovenda analisa o direito subjetivo como preexistente ao processo, mas que será declarado no processo, através da aceitação ou rejeição da demanda. Apesar de se referir posteriormente, conforme já citado, ao caráter abstrato da relação jurídica processual, ele à vincula realização positiva ou negativa do resultado útil do processo, de seu objeto.


Ao mesmo tempo, ele compreende a relação jurídica como um complexo de direitos subjetivos das partes nela inseridas.


Em referência ao procedimento, Chiovenda estuda o processo e a relação processual sendo justificável pela própria evolução científica do direito processual.


Afinal, o doutrinador italiano era contrário à inserção do processo na relação de direito material, que dava valor apenas ao procedimento, o referido autor, para defender a autonomia do processo e da ciência processual, exclui, por falta de importância frente ao instituto do processo, o procedimento.


Enrico Tulio Liebman definiu processo da seguinte forma: A atividade mediante a qual se desempenha em concreto a função jurisdicional chama-se processo. Essa função não se cumpre, em verdade, a um só tempo e com um só ato, mas através de uma série coordenada de atos que se sucedem no tempo e que tendem à formação de um ato final.


O ato final do processo é de competência do órgão jurisdicional, mas o processo se desenvolve com a participação não apenas do juiz, mas das partes, autor e réu, sendo que o ato que dá início ao processo cabe ao particular, ou seja, ao autor. Entre o ato inicial e o ato final desenvolve-se uma atividade intermediária, mais ou menos complexa, destinada a tornar possível justamente a prolação do ato final.


Liebman compreende o procedimento como um conjunto de atos que se sucedem no processo e que dispõem como uma unidade formal que é o procedimento, diferindo das formulações de Chiovenda, que não se preocupava com a noção de procedimento. Assim, percebe-se que Liebman reabilitou o conceito de procedimento, já que considera o processo uma entidade complexa integrada pela relação jurídica e pelo procedimento.


A tessitura jurídica interna do processo revela-se a partir de diversas posições subjetivas definíveis como autoridade, direitos subjetivos, sujeições e ônus[12] processuais e, dirigidas a um sujeito específico, como ao juiz, que, após a iniciativa das partes, se vê investido em sua função jurisdicional.


De maneira que as posições subjetivas formam uma unidade que é a relação jurídica processual, que se distingue da relação jurídica litigiosa, que é o conteúdo do processo.


Há grande distância temporal entre os ensinamentos de Chiovenda e Liebman, mas ambos sustentam que o processo é uma relação jurídica.


E, Liebman fundamenta: (...) deve ser realçado que a pendência do processo determina a existência de toda uma série de posições e de relações recíprocas entre os seus sujeitos, a s quais são reguladas juridicamente e forma, no seu conjunto, uma relação jurídica, a relação jurídica processual.


Essa noção de relação jurídica fora definitiva inserida na ciência processual no século XIX, muito poucos autores que formularam novas proposições a respeito da natureza jurídica do processo como relação jurídica.


Tal teoria se apoia no conceito civilístico de relação jurídica, não podendo ser dissociada do conceito de direito subjetivo, compreendido como poder de alguém exigir de outrem a realização de uma conduta. O conceito fora construído com base na ideia que é ela (a relação jurídica) um enlace normativo entre duas pessoas, das quais uma pode exigir da outra o cumprimento de um dever jurídico.


A partir da obra de Büllow que se iniciou o estudo sobre tal enlace normativo no processo. E, autores como Kohler descreviam que a relação jurídica era uma relação linear formada pelo autor e o réu e, de natureza privada.


Tal teoria fora duramente criticada, tendo em vista que o processo surgira como instrumento para se evitar a vingança privada, e que no processo, o juiz possui positivamente um interesse, não se tratando exclusivamente de uma relação entre autor e réu, pois esta é a relação de direito material.


Existiam outros doutrinadores que defendiam a natureza angular[13] da relação jurídica tal como Planck e Helwig, ou seja, o processo é formado a partir de uma relação jurídica cujo vértice se encontra o juiz e em cada uma das extremidades do ângulo se posicionam o autor e o réu.


E, ainda, para alguns autores como Wach e Degenkolb que defendiam que a relação jurídica era triangular e, em cada vértice se encontravam, respectivamente, o juiz, autor e o réu.


Todas essas teorias padecem do mesmo problema pois se estruturaram na concepção do processo como relação jurídica, sendo necessário verificar como se dá o enlace normativo entre os sujeitos da relação jurídica.


Conclui-se que todas essas teorias se baseavam na compreensão civilista da teoria da relação jurídica, que se liga ao conceito de direito subjetivo e lastreada na autonomia da vontade.


Assim, a relação jurídica sempre estará ligada à relação entre dois sujeitos, compreendida como vínculo entre dois sujeitos, no qual um deles pode exigir do outro que realize uma conduta, ou, na formulação inversa, vínculo no qual um sujeito deve uma prestação negativa ou positiva, que o outro pode exigir. Conforme se depreende, a relação jurídica é um vínculo de sujeição ou de supra-ordenação, no qual um sujeito tem o poder sobre a conduta do outro.


Porém, se analisarmos detidamente esse conceito de direito subjetivo, este não pode ser aplicado ao processo, pois onde se situa o vínculo de sujeição entre a conduta do autor em face do réu, ou mesmo do réu em face do juiz e deste autor?


A proposta de Fazzalari é justamente deixar de lado esse conceito de direito subjetivo, entendido como o poder de um sujeito sobre a conduta de outro sujeito, adotando a noção de direito subjetivo como posição de vantagem em relação a um bem estabelecido pela norma jurídica.


A teoria do processo como situação jurídica, estruturada a partir do pensamento de Bonnecase, Roubier e Goldschmidt tem relevante valor na formação da crítica à teoria da relação jurídica. E, a base fulcral da crítica está no conceito de direito subjetivo, compreendido como o poder de outrem, que possui um dever conexo.


Assim, o conceito de imperativo e de relação jurídica, consequentemente, pertence ao direito privado, compreendendo a fase estática do direito.


Ao passo que o direito processual compreende a sua face dinâmica, na qual não existem relações jurídicas entre juiz e as partes (teoria angular) ou entre o juiz, demandante e demandado (teoria triangular), ou entre demandante e demandado exclusivamente (teoria linear), mas sim, situações jurídicas entendidas como expectativas, possibilidades e ônus.


Os vínculos jurídicos que nascem entre as partes do processo não é propriamente relação jurídica, em verdade, é situação jurídica que corresponde a uma consideração dinâmica de direitos.


Destacamos que com essa teoria, ocorrera a desmistificação dos conceitos de direito subjetivo e de relação jurídica. E, a estrutura situacionista prevê as expectativas, possibilidades e ônus.


Portanto o direito decorrente não mais pode ser encarado como poder sobre outrem, mas uma posição de vantagem de um sujeito em relação a um bem, posição que não se funda em relação de vontades dominantes e vontades subjugadas, mas na existência de uma situação jurídica, em que se pode considerar a posição subjetiva, a posição do sujeito em relação à norma que a disciplina.


Desta forma, tal posição subjetiva pode ser considerada um poder, um dever ou um ônus. A conceituação da situação jurídica foi de grande relevância para a ciência processual e, mesmo entre os relacionistas há a exaltação da formulação dos conceitos de ônus e sujeição.


Contudo, não se pode unir o conceito de posição subjetiva, considerada como uma situação jurídica decorrente de uma posição de vantagem de um sujeito em relação ao bem, com o conceito de relação jurídica, compreendido como posição de supraordenação de um sujeito frente a outro sujeito.


Como fundamenta Aroldo Plínio: "Há ainda que se registrar problemas que surgem quando se explica a natureza do processo pela eclética mistura de dois quadros conceituais diferentes.


Posições subjetivas são faculdades, poderes e deveres que decorrem de uma situação jurídica.


Subordinação e subjugação são conceitos que se situam no quadro da relação jurídica. (...)


Faculdade, poderes e deveres[14], na situação jurídica, são qualificado de condutas valoradas como lícitas, faculdade e poderes como possibilidade juridicamente asseguradas, e deveres, como a conduta a ser cumprida.


O ato gerado por uma vontade implícita (faculdade), ato gerado por uma vontade declarada (poder) e o ato de cumprimento da norma (dever) são manifestações exteriorizadas do comportamento dos sujeitos, ou seja, conteúdo de condutas".


Essa estrutura de posições subjetivas foi posteriormente reelaborada por Fazzalari. Pois a posição do sujeito frente à norma – compreendida como cânone de valoração[15] – pode ser definida como “posição jurídica subjetiva, e qualificar a conduta como faculdade ou poder, se é valorada como lícita, e como dever, se é valorada como devida. ”


O conceito de posição subjetiva, compreendido como poderes, faculdades, deveres e ônus, é importante para a definição dos conceitos de situação legitimante e situação legitimada, importantes para superar o conceito de direito de ação de estrutura pandectista e, portanto, estes conceitos serão retomados em item posterior, relativo ao direito de ação.


Toda a arquitetura da ciência processual está estruturada em três grandes pilares: a ação, a jurisdição e processo. E, o conceito de jurisdição nos atuais contornos da Teoria Geral do Estado que enxerga como atuação estatal caracterizada pela aplicação da lei ao caso concreto.


Segundo Liebman, a atividade jurisdicional baseia-se na atividade do juiz de julgar, ou seja, valorar um fato passado como justo ou injusto, como lícito ou ilícito, segundo o critério de julgamento fornecido pelo direito vigente, enunciando regra jurídica concreta destinada a valer como disciplina do caso (fattispecie).


Ressalta ainda Liebman que as duas mais importantes definições conferidas à jurisdição são da lavra de Chiovenda e Carnelutti. E, as duas delas, de Guiseppe Chiovenda - define a jurisdição como a atuação da vontade concreta da lei mediante substituição da atividade alheia pela de órgãos públicos, seja afirmando a existência da vontade da lei, seja tornando-a efetiva na prática.


Tal definição busca a justificação na função substitutiva da jurisdição, pois o Estado, ao proibir a justiça pelas próprias mãos, teve que incumbir um órgão, da aplicação da vontade concreta da lei ao caso concreto, quando os particulares não conseguem aplicá-la sem a intervenção estatal.


Por outro lado, Carnelutti afirma que prefere ver na jurisdição a justa composição da lide, entendendo por lide qualquer conflito de interesses regulado pelo direito e por justa composição feita nos termos deste.


Carnelutti disciplina a noção de solução de conflito como ponto convergente da jurisdição. E, Liebman entendeu que estes dois conceitos tanto de Chiovenda como o de Carnelutti, se complementam.


Podemos considerar a jurisdição como a atividade dos órgãos públicos do estado, destinada a formular e atuar praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente, disciplina determinada situação jurídica.


Dentre os conceitos oferecidos, até então se denota a vinculação do conceito de jurisdição exclusivamente à atividade do juiz de aplicar a lei. De modo que a atividade jurisdicional fica a cargo do juiz. Como se este fosse um super juiz. Essa crítica é melhor compreendida quando se analisa o conceito de Fazzalari[16].


Foi exatamente a partir do conceito de jurisdição de Liebman que seu principal discípulo brasileiro, Cândido Rangel Dinamarco construiu a doutrina da instrumentalidade, na qual a jurisdição é instrumento para a pacificação social e, o processo possui escopos metajurídicos, sociais e jurídicos.


E, Fazzalari, ao analisar a atividade jurisdicional leciona: questa atività de ricognizione dei pressuposti del provedimento giurisdicionale, cioè l’atività attraverso la quale el giudice verifica che ricorrano, nel caso concreto, le circonstanzaa in presenza delle quali scatta la norma che gl’impone di emanare il provimento, à lunga, faticosa, costosa; ad essa partecipano non soltanto el giudiche, ma anche suoi ausiliaree, soprattutto, i soggetti nela cui sfera giuridica l’emananda misura giurisdicionale è destinata ad incidere, in contradittorio fra loro.


De sorte que a jurisdição não se limita apenas à realização da lei pelo juiz. Tem seu principal fundamento na estrutura procedimental que se segue até se chegar ao provimento final jurisdicional e, esta estrutura é caracterizada pelo contraditório, pela participação simétrica em paridade dos afetados pelo provimento.


Portanto, o estudo da jurisdição deve pautar-se fundamentalmente pela coerência ordinária, a estrutura jurisdicional se materializa na existência do processo. E, a partir do monopólio da jurisdição pelo Estado, que possui caráter imperativo, e pela função substitutiva, a jurisdição se realiza porque as partes que serão afetadas pela atuação jurisdicional atuam em contraditório a fim de se chegar ao provimento final.


A formulação do conceito de ação fora construída sob grandes debates e diversas teorias. Iniciando-se pelas teorias imanentistas que inseriam a ação como parte imanente do direito material. E, para tal teoria, o direito material era imanente à ação para exercê-lo, o que queria dizer que a ação e o direito surgiam de modo geminado, não sendo possível separá-los.


A publicização do conceito de ação surgiu pela célebre controvérsia entre Windscheid e Muther. E, como revelou Chiovenda, encarava-se a ação como elemento do próprio direito deduzido em juízo, como um poder, inerente ao direito mesmo, de reagir contra a violação.


Assim, Windscheid formula o conceito anspruch (reivindicação), que corresponde a pretensão ou razão e está direcionado ao particular a quem o detentor da pretensão exercerá o seu direito de exigir a prestação.


Muther, o principal crítico de Windscheid, definia dois elementos para a ação, fazendo frente à noção proposta por este que relacionava a actio ao direito dirigido ao obrigada. Já que aquele identificava dois elementos para a ação, um de direito privado e outro dirigido ao Estado, entendido como o direito à tutela jurídica.


Na Alemanha adotava-se dupla terminologia para a tutela dos direitos subjetivos, a actio que rememorava o direito de o particular pedir ao magistrado a fórmula em que a proteção estava condensada e, esse direito formulário era a actio e a Klage ou klagerecht que era o direito de demanda, de querela ou de queixa. A actio, que Windscheid quis substituir por pretensão (anspruch) significava o direito de exigir de alguém uma ação ou omissão.


A controvérsia ganhou destaque pois o direito de ação que fora dissociado do direito material e passou a ter caráter público, significando que a ação como direito à jurisdição e ao procedimento, que seriam de caráter público posto que devidos pelos Estado, e autônomo, porque desvinculado de outro direito que lhe pudesse retirar a ampla liberdade do respectivo exercício.


Porém, a controvérsia em torno do direito de ação produz novas teorias, como a de Wach, que entende a ação como o direito a uma sentença favorável, ou seja, a ação como direito público e concreto, ou como a de Degenkolb e Plosz, que defendem o caráter abstrato da ação, dissociando-o do resultado favorável ou desfavorável.


Chiovenda analisa essas duas novas tendências, aproximando-se de Wach e, criticando os teóricos do abstrativismo: Se a doutrina de Wach contém um grande fundo de verdade, ao pôr em evidência a autonomia da ação, devem se, não obstante, reconhecer como exagero inaceitável dessa ideia de autonomia da ação aquelas teorias que, de um ou outro modo, revertem ao conceito do denominado direito abstrato de agir, conjecturado como simples possibilidade jurídica de agir em juízo, independentemente de um êxito favorável.


Chiovenda repudia essas teorias e, justifica o erro de Wach em virtude do incipiente desenvolvimento da teoria do direito postestativo, com a qual construiu o doutrinador italiano a teoria da ação como direito potestativo.


Afinal, para a referida teoria, é necessário esclarecer o conceito de direito potestativo. Distingue o autor duas grandes categorias de direito: direitos tendentes a um bem da vida a conseguir (direito a uma prestação) e direitos tendentes à modificação do estado jurídico existentes (direitos potestativos).


São exemplos de direitos potestativos: a denúncia de um contrato, o poder de revogar uma doação ou um mandato. O direito potestativo é aquele pelo qual, através da manifestação de vontade de alguém, surge um novo estado jurídico, ou se faz cessar o existente.


Contudo, essa modificação dispensa a atuação da vontade de outrem, isto é, daquele que será atingido pelo ato.  Na dicção de seu defensor:


Em muitos casos, a lei concede a alguém o poder de influir, com sua manifestação de vontade, sobre a condição jurídica de outro, sem concurso da vontade deste: a) ou fazendo cessar um direito ou um estado jurídico existente; b) ou produzindo um novo direito, ou estado ou efeito jurídico.


Esses poderes se exercitam e atuam mediante simples declaração de vontade, mas, em alguns casos, com a necessária intervenção do juiz (sentença constitutiva).


Percebe-se que Chiovenda parte, portanto, do conceito de direito potestativo e, formula o conceito de ação em conexão à lesão. Assim, na compreensão do autor, a ação é um direito que pode fluir da lesão de um direito. Assim, a vontade concreta da lei pode ser satisfeita pelo cumprimento da obrigação pelo devedor, ou pelo processo.


Assim, a atuação concreta da lei no processo se funda no direito de ação, para o autor, sob a seguinte argumentação:


Observei que, se em verdade a coação é inerente à ideia do direito; Se em verdade a vontade concreta da lei, quando o devedor deixa de satisfazê-la com sua prestação, tende à sua atuação por outra via, e que, mesmo, em numerosíssimos casos, há vontades concretas de lei cuja atuação só se concebe por obra dos órgãos públicos no processo;


Todavia, normalmente, esses órgãos só a pedido de uma parte podem prover a atuação (nemo iudex sine actore), de modo que, normalmente, a atuação da lei depende de uma condição, a saber, da manifestação de vontade de um indivíduo; E diz que esse indivíduo tem ação, querendo dizer-se que tem o poder jurídico de provocar, com seu pedido, a atuação da vontade da lei.


A teoria de Chiovenda entende a ação como o direito de provocar a atividade do órgão jurisdicional contra o adversário. Esse direito de ação é autônomo, e não se vincula à existência de um direito subjetivo, como se refere o autor: a independência e a autonomia da ação se tornam mais evidentes nos casos em que a ação tende a um bem impossível de conseguir-se por obrigação, mas que só se pode conseguir no processo; Ou em que tende a um bem sem que exista, ou sem que se saiba se existe algum direito subjetivo atribuível àquele que dispõe da ação”.


Percebe-se que o autor defende a autonomia do direito de ação, mas não defende a ideia de sua abstração, até porque, para ele, somente tem ação quem tem razão. Portanto, trata-se de um autor concretista, que vincula o direito de ação ao resultado favorável do processo.


O autor sofreu muitas críticas, principalmente, por relacionar-se com o caráter concreto da ação.


Já assinalava Ovídio Baptista da Silva, característica de direito concreto atual, existente antes do processo e precisamente como uma potestade jurídica para obter, contra o adversário, um resultado favorável no processo.


Em tendo a ação, do ponto de vista chiovendiano, o sentido de direito de movimentar a jurisdição por um querer que o Estado plenamente justificado em antever na ação um direito incondicionado à jurisdição, o que o afastaria de Wach, se não fora o caráter privatístico de um vínculo de sujeição, imposto pelo autor ao réu, que Chiovenda imaginava existir antes mesmo de se instaurar o procedimento.


Ao que tudo indica o entendimento do autor italiano não se adequa ao paradigma do Estado Democrático de Direito e à noção do processo como procedimento em contraditório, pois o direito potestativo seria o poder do autor de submeter o réu ao processo, sem que esta sujeição seja objeto de manifestação de vontade.


Não é somente em razão de o poder de sujeição se relacionar com uma relação jurídica de natureza privada, que se tem por inadequada a teoria chiovendiana.


A sujeição como poder de modificar uma situação jurídica, sem a intervenção do sujeito que poderá suportar os ônus desta modificação, não se compreende na noção de contraditório, na qual o processo se constrói com a participação em simétrica paridade dos sujeitos que suportarão o provimento.


Pois, se o processo, como garantia constitucional (bem como o princípio da ampla defesa), se estrutura com a participação do autor e do réu, em simétrica paridade, não pode se conciliar com um poder baseado na atuação exclusiva de uma das partes.


A doutrina do direito de ação por Liebman indica que a partir do princípio da iniciativa das partes, haja vista que a jurisdição é inerte e não permite o juiz iniciar o processo, seja porque não é possível ao órgão jurisdicional conhecer de todas as lesões a direitos, seja em virtude da garantia da imparcialidade e da neutralidade do juiz frente à situação material que será objeto de decisão.


A iniciativa da parte, ou seja, do autor, de iniciar a ação, pode ser analisada como direito ou como ônus. E sustenta Liebman que representa que antes de tudo é um ônus, isto é, um ato necessário para que aquele que espera obter a proteção do seu direito dê início a um procedimento.


Mas a iniciativa do processo é, ao mesmo tempo, também um direito da parte, ou seja, o direito de provocar o exercício da jurisdição com referência a uma situação jurídica em que ele é interessado, visando a obter do juiz a proteção de um interesse próprio que se afirma insatisfeito.


Sustenta Liebman a existência de um direito subjetivo, processual por excelência, que denomina o direito de agir em juízo, que é garantido pela norma constitucional (art. 24 da Constituição Italiana). Assim preleciona que a satisfação desses direitos, especialmente a satisfação coativa, depende da vontade dos titulares, ou seja, da sua livre determinação, eis por que lhes é reconhecido esse exclusivo poder(...).


O autor compreendia a ação como o direito a um julgamento de mérito. Cabe ressaltar a diferença entre a teoria do direito de ação do autor, que se diferenciava da doutrina mais aceita até então, que entendia a ação como direito abstrato, e não concreto.


Sustentava Liebman que só tem direito à tutela jurisdicional aquele que tem razão, não quem ostenta um direito inexistente. Mas a única maneira de assegurar a quem tem razão a possibilidade de impor seu reconhecimento em juízo consiste em permitir que todos tragam os seus pedidos aos tribunais, aos quais se incumbirá a tarefa de examiná-los e de acolhê-los ou rejeitá-los, conforme seja procedente ou improcedente.


Apesar de a ação ser um direito subjetivo processual, esta, para Liebman, difere do direito subjetivo substancial, pois a ação se dirige ao Estado, ao órgão jurisdicional, e o direito subjetivo substancial relaciona-se com o direito material, com a obrigação que decorre da lesão de um direito.


É certo que a teoria de Liebman tem grande relevância para doutrina processual brasileira, como justificam os autores Cintra, Grinover e Dinamarco é o destaque especial dado às condições da ação, colocadas como verdadeiro ponto de contato entre a ação e a situação de direito material, pois para o doutrinador italiano, a iniciativa da parte se individualiza, no caso concreto, na pessoa que pode agir em juízo, o que se define como legitimidade de agir), e na tutela de um interesse que se encontra ameaçado e necessita do processo para que seja protegido (o que se denomina interesse de agir).


Porém, a teoria de Liebman recebeu críticas, principalmente, em razão da relação que o autor estabelece entre o direito de ação e o resultado final do processo que a vinculou a uma pretensão de direito material, retornando ao imanentismo da corrente de Savigny[17], deixando mesmo de reconhecer no direito de ação qualquer implicação constitucional de direito incondicionado de movimentar a jurisdição.


Dinamarco defende que Liebman filou-se à corrente dos abstratistas, pois sua teoria se funda na ação como direito ao provimento de mérito. Nas sábias palavras, do doutrinador paulista: são abstratistas todas as teorias para as quais a ação se considere existente ainda que inexistente o direito subjetivo material afirmado(...) O que afasta nosso mestre dos abstratistas mais extremados é a distinção, que ele faz, entre a ação como garantia constitucional (este sim condicionada) e a ação como instituto disciplinado a nível de direito processual civil.


A existência da ação, conforme assinalou Liebman, tem como requisitos duas condições: o interesse de agir e legitimação a esses requisitos são dados na norma processual. E, assim, menciona o CPC/2015.


O fato de que Liebman haja admitido que o provimento pode não ser favorável à pretensão do autor não é significativo, pois lesão e ameaça a direitos se provam no processo.


Significativa, na verdade, é a cisão feita por Liebman entre o direito de agir em juízo e o direito de ação delineado no artigo 24 da Constituição italiana, tendo sua existência caracterizada na norma infraconstitucional em relação à situação jurídica concreta: a ação separada do poder de agir, o corte entre o genérico poder de agir como garantia constitucional e o direito de ação, a ação como direito ao processo e ao julgamento do mérito.


Todas as teorias a respeito da ação foram erigidas sobre a noção de processo como relação jurídica, estruturadas a partir do conceito de direito subjetivo, entendido como o poder de exigir uma conduta de outrem, ou seja, um vínculo de sujeição.


De modo que, ao estruturar a teoria do processo como procedimento em contraditório[18]. Fazzalari propõe nova formulação para o direito de ação. E, repudia tanto a formulação chiovendiana de ação como direito potestativo substancial e seu caráter concreto ou ainda, daqueles que, refutando a teoria de Chiovenda, sustentam ser o direito de ação de caráter processual e abstrato, mas limitando-o ao direito de demandar a tutela jurisdicional, como simples proposizione della demanda.


Há um novo conceito de ação, retirando toda a carga de tradições pandectistas, mudando o enfoque da ação, antes relacionada ao pedido e à demanda, para relacionado com o provimento. Para tanto, usa o conceito geral de direito de legitimação, em seu duplo aspecto: situação legitimante e situação legitimada e o conceito processual de legitimação para agir.


Distingue-se as situações, com base nos ensinamentos de Fazzalari: enquanto a situação legitimante é contemplada como aquela em presença da qual um poder, uma faculdade ou um dever são conferidos ao sujeito, a situação legitimada consiste em uma série de poderes, faculdades, deveres, que se põem como expectativa para cada um dos sujeitos do processo.


No conceito de situação legitimante, verificaremos que a legitimação de agir no processo se baseia no provimento jurisdicional que se originará do referido processo e, por consequência, é com base no provimento jurisdicional que se define quem serão as partes no processo, pois são elas as responsáveis pela realização dos atos relativos à garantia do contraditório.


Assim, para se definir quem serão as partes em um processo, em concreto, deve-se analisar o provimento jurisdicional requerido e os sujeitos que serão afetados pelo respectivo provimento. Assim, o conceito de parte no processo se define a partir dos afetados pelo provimento jurisdicional que atuarão no processo em posição simétrica paridade.


E, ressalta que a respeito do conceito de parte:


Anote-se que a própria concepção de parte já tem seu ponto focal de definição deslocado do pedido (parte não é mais apenas “aquele que pede...”) para o destinatário do provimento, e, por isso, é sujeito do processo, com a garantia de participação nos atos que o preparam.


Analisa Fazzalari que não se pode entender a ação, como única e exclusivamente, o direito ou faculdade do autor de colocar o processo em movimento, ou o direito de ação como o ato inaugural do processo. Pois a ação é uma situação subjetiva composta, que analisada sob o aspecto de uma posição subjetiva, compreende uma série de poderes, deveres e faculdades que a parte possui ao longo do processo, até a produção do provimento final.


A ação pode ser entendida como uma série de posições processuais d e uma parte, é um conceito que se aplica não exclusivamente ao autor, mas a todos os sujeitos do processo: réu, interveniente, denunciado, juiz, serventuário, pois todos possuem legitimação para agir no processo.


O que o autor distingue é que o juiz por exercer uma atividade jurisdicional de natureza pública, possui função, e não a ação, pois sua atuação compreende a realização de atos e cumprimento de deveres, não podendo se referir as faculdades e direitos.


Sublinhe-se as implicações pela qual têm ação no processo todos aqueles que na realização uma série de atos, poderes, faculdades e deveres, relativos à construção do processo como procedimento em contraditório, entendido como posição simétrica paridade entre eles.


Logo, não se pode cogitar em legitimação ativa do autor e nem legitimação passiva do réu. Pois, ambos são legitimados ativos do contraditório. Se há alguma legitimação passiva das partes, se refere à legitimação ao provimento jurisdicional, pois serão eles os afetados pela sentença do juiz.


Não se deve contrapor ação e exceção conforme ressalta Fazzalari, pois exceção é figura muito limitada, já que compreende somente a alegação de fatos extintivos e impeditivos do direito alegado pelo autor.


Portanto, um conceito muito restrito que o compreendido na posição de simetria e paridade dos interessados e contra-interessados, que gera para ambos uma série de poderes, deveres e faculdades processuais simétricas.


Com razão o processualista italiano ressalta que a ação não está relacionada ao êxito ou não do processo. Pois a legitimação para agir se distingue da legitimação do juiz para emanar um provimento, e da legitimação das partes ao provimento.


Cabendo somente relacionar que a legitimação de agir do juiz, denominada de função jurisdicional, se evidencia em duas análises: a legitimação deste para emitir o provimento, em razão da competência e, sua imparcialidade.


O juiz deve controlar se pode ser sujeito do processo, se pode desenvolver suas funções de dirigir o iter que conduz ao ato final. O exame, a partir do provimento, deve dar relevo, também, ao princípio inerente à jurisdição que exige que o juiz sendo autor do provimento seja terceiro, em relação aos efeitos que este irá produzir in universum ius das partes.


Em conclusão, percebe-se que a ação é a atuação que se evidencia a partir do provimento, e não do pedido do autor, como era anteriormente. Se a parte for afetada pelo provimento, sua posição será simétrica paridade com o seu contraditor e, portanto, terá ação e sua posição é de direção do iter processual para a emissão da decisão final.


A superação da teoria do processo como relação jurídica, fundada em um vínculo de sujeição entre as partes, de supraordenação, demanda uma reflexão a respeito dos demais institutos estruturantes da teoria do processo.


A adoção da teoria do processo como procedimento em contraditório funda-se na adoção do paradigma do Estado Democrático de Direito, e deve ser compreendida a partir deste marco definidor e da compreensão do modelo constitucional do processo, pois o processo se estrutura a partir da atuação participada dos afetados pela decisão.


A versão contemporânea de processo exibe visão garantista, exigindo-se paridade de condições processuais entre os interessados e contra-interessados, fortalece o cidadão na lide contra o Estado, ademais, a qualificação doa cesso ocorre não só por meio da paridade de armas[19] conferidas ao cidadão, contudo, pelas características que o provimento final do processo de controle difuso apresenta, quais sejam: efeitos erga omnes, caráter vinculante  e a possibilidade de modulação prospectiva ou retroativa dos efeitos da decisão.


Conclui-se que a teoria fazzalariana fundada na garantia do contraditório alicerça o estudo da qualificação do acesso à justiça por meio da objetivação do processo difuso de constitucionalidade.


Referências


ARAÚJO, Sergio Luis de Souza. Teoria Geral do Processo Penal. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999.


CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 1997.


CHIOVENDA, Guiseppe. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, vol.1, 1965


DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. São Paulo: Malheiros, 1993.


FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. Padova: Cedam, 1992.


______________. Instituições de direito processual. Tradução: Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006.


GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 2001.


________________________. Técnica processual e Teoria do Processo. Rio de Janeiro: AIDE, 1992.


NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 4.ed. São Paulo: RT, 1997.


PELLEGRINI, Flaviane de Magalhães Barros. O processo, a jurisdição e a ação sob a ótica de Elio Fazzalari. Virtuajus. Revista Eletrônica na Faculdade Mineira de Direito. Belo Horizonte. Ano 2. 2003.


LIEBMAN. Enrico Tulio. Manual de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1985.


SOUZA, Wilson Alves. Acesso à justiça. Salvador: Editora Dois De Julho, 2011.


BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Duelo e Processo. Revista de Processo 112. São Paulo: Revista dos Tribunais.


Notas


[1] É que Bülow trabalhou pressupostos de existência e desenvolvimento do processo pela relação juiz, autor e réu, em que, para validade e legítima constituição do processo seriam necessários requisitos que o juiz, autor e réu deveriam cumprir conforme disposto em lei processual, enquanto que o direito disputado e alegado pelas partes se situava em plano posterior à formação do processo, distinguindo-se pela regulação em norma de direito material, criadora do bem da vida que define a matéria de mérito.


[2] Segundo esta teoria, o processo como relação jurídica, pelo fato de o demandante e demandado e juiz estabelecerem uma relação jurídica que incumbirá na decisão de prolatar a sentença definindo o ato jurisdicional, seguindo os direitos e obrigações criados nos procedimentos desta relação. Assim, coexistem duas categorias distintas de relações jurídicas: a material e a formal.


[3] Distinguindo a sujeição do dever, Carnelutti aponta que este é um vínculo imposto à vontade, ao passo que aquela significa impossibilidade de querer com eficácia. O dever jurídico consubstancia precisamente uma vinculação ou limitação imposta à vontade de quem por ele alcançado. Definido como tal pelo ordenamento jurídico, o dever há de ser compulsoriamente cumprido, sob pena de sanção jurídica — o seu não atendimento configura comportamento ilícito.


[4] Fazzalari apresenta o procedimento como uma sequência de normas valoradas, geradoras de condutas em busca de um ato final. Nesse momento, o Autor não estabelece a situação das partes face à norma, ao revés, em qualquer situação se tem procedimento. O autor assim exemplifica: [...]a verdade não é que o contrato de doação produza, como efeito próprio, o dever do doador de entregar; mas sim que a lei—na sequência em discurso, e precisamente mediante a segunda norma— ata o ‘dever de entregar’ ao pressuposto (se queira à ‘fattispecie’) de que se constitui a doação. ”


[5] A teoria fazzalariana muito se aproxima da filosofia de Sartre (existencialista) ao defender a impossibilidade de se excluir o homem de seu contexto histórico: “Tanto mais facilmente quanto dispõe de uma filosofia, de um ponto de vista, de uma base teórica de interpretação e de totalização, ele se imporá abordá-los num espírito de empirismo absoluto e os deixará desenvolver-se, entregar por si próprios o seu sentido imediato, na intenção de aprender e não de reencontrar. É neste livre desenvolvimento que se encontram as condições e o primeiro esboço de uma situação do objeto em relação ao conjunto social e de sua totalização, no interior do processo histórico".


Portanto, a relatividade do conteúdo da norma fixado pelo contexto histórico gera a necessidade de o jurista teorizar e sistematizar as normas visando uma melhor compreensão destas. De maneira que, a externação da interpretação se limita em certa medida pelo conteúdo objetivo da norma, conquanto, carregue consigo a valoração histórica do intérprete. E, após o ato de interpretar, mas não fora da interpretação, tem-se a aplicação da norma ao caso concreto, ou seja, a valoração jurídica do ato. Firmando-se que a norma tem natureza valorativa, sua estrutura lógico-formal ocorre pela descrição e ligação ao ato enquanto lícito e obrigatório.


[6] Quanto ao acesso à justiça e coadunando-se com todo o exposto, Wilson Alves de Souza leciona que: [...] de nada adiantaria garantir o direito de postulação ao Estado-juiz, sem o devido processo em direito, isto é, sem processo devido de garantias processuais, tais como contraditório e ampla defesa, produção de provas obtidas por meio lícitos, ciência dos atos processuais, julgamento em tempo razoável, fundamentação das decisões, julgamento justo, eficácia das decisões, etc.


Do exposto, a teoria fazzalariana identifica o processo não mais como relação jurídica angularizada, conquanto como procedimento em que as partes interessadas gozam de paridade de poderes, ou seja, do contraditório, possibilitando a visualização mais clara do processo de qualificação do acesso à justiça por intermédio da objetivação do controle difuso de constitucionalidade.


[7] O contraditório, em termos fazzalarianos, é verificado na equiparação de poderes entre os interessados processuais, de modo que, o provimento final expedido pelo Estado-juiz será válido somente se o conjunto normativo processual estiver a regular com a garantia fundamental.


[8] A compreensão do processo como procedimento em contraditório representa um plus em relação à velha e impotente ideia de instrumentalidade do processo. Neste momento, a proposta de Fazzalari produz uma aproximação entre a Teoria Geral do Processo e a Constituição. Principalmente no que diz respeito à participação das partes em simétrica paridade de armas, a qual produz um ato final democrático na medida em que todos contribuíram efetivamente no processo. Por essa razão, o CPC/2015 adotou uma parte geral consagrando o reconhecimento científico da Teoria Geral do Processo.


Somente com a isonômica dialeticidade do processo estar-se-á de acordo com o Estado Democrático de Direito, pois a Constituição precisa ser vista como um “projeto aberto e permanente de construção de uma sociedade de cidadãos livres e iguais”.


[9] A estrutura dialética do procedimento, isto é, o contraditório, é que qualifica o procedimento enquanto processo. Dentro do processo os destinatários do ato final dialogam em simétrica paridade de posições e exercem conjunto de escolhas, reações e controles, bem como deve sofrer controle e reações dos demais interessados, estando sempre o autor do ato responsável pelos resultados; compondo-se a dialética entre interessados e contra-interessados, identificam-se autores de atos e destinatários das consequências deles, sempre em exercício de contraditório.


[10] Num quadrinômio significa dar ciência, dar oportunidade para se manifestar, dar oportunidade de exercer influência na formação do provimento final e, ainda atuar com diálogo cooperativo.


[11] Dessa forma, a relação processual, enquanto vínculo, faz surgir para as partes a ideia de ônus. Haverá ônus quando, sendo descumprida uma determinação legal, as consequências do descumprimento serão sentidas, unicamente, pela parte que deveria tê-la atendido. No ônus, ao contrário do que ocorre com as obrigações, há liberdade de escolha, embora a lei imponha gravames no seu descumprimento.  Bülow observou que existem dois planos de relações: o direito material e o direito processual. O primeiro é discutido no processo, e o segundo é o continente em que se coloca a discussão sobre aquele. Ressaltou ainda Bülow que a relação jurídica processual tem três aspectos que a distingue da relação de direito substancial: os sujeitos (autor, réu, Estado-juiz), o objeto (prestação jurisdicional), e os pressupostos processuais – que cuidaremos de estudar no capítulo seguinte. Esses pontos vêm demonstrar a autonomia da relação jurídica processual.


A teoria do processo como relação jurídica ainda hoje é a que maior número de adeptos conta, sendo acompanhada pelos processualistas brasileiros de renome. É inegável o acerto de Bülow ao dizer que o processo não se reduz a mero procedimento, mero regulamento das formas e ordem dos atos do juiz e partes, ou mera sucessão de atos. A teoria de Bülow sobre a natureza jurídica do processo recebeu as mais amplas adesões, primeiro na Alemanha, pouco mais tarde, no princípio do século XX, na Itália, de onde se difundiu, graças às obras de Chiovenda, para os demais povos latinos.


[12] Atribui-se a Brunetti a primeira teorização a respeito do ônus. Inicialmente, e m seu II delito civile (1960), a seguir em seu “Norme e regole finali nel diritto” (1913), Brunetti postula o entendimento de que nem todas as normas jurídicas tem caráter imperativo. Segundo ele, há um a categoria delas — a das normas finais — que disciplina de modo não imperativo a conduta humana.  Segundo Bobbio, tais normas são precisamente os imperativos hipotéticos ou normas técnicas de Kant.


Ao seu descumprimento é consequente não a aplicação de um a sanção jurídica ao sujeito, mas o não alcance de um a determinado fim pretendido pelo sujeito.  No caso, a norma final, segundo Brunetti, estabelece o que ele denomina um dever livre, distinto do dever que resulta dos imperativos propriamente ditos.


Ônus, destarte, é um vínculo imposto à vontade do sujeito em razão do seu próprio interesse. Nisto se distingue do dever — e da obrigação — que consubstancia vínculo imposto àquela mesma vontade, porém no interesse de outrem. Por isso que o não-cumprimento do ônus não acarreta, para o sujeito, sanção jurídica, mas tão-somente uma certa desvantagem econômica: a não obtenção da vantagem, a não satisfação do interesse ou a não realização do direito pretendido.


[13] São três teorias da relação, a saber, é a teoria linear de Kohler, define a relação como intrapartes, tornando o juiz estranho à relação processual estabelecida. E, a teoria triangular é representada por grandes nomes do Direito Processual, a começar por Oskar Von Büllow. Por esta teoria, autor, réu e juiz vinculam-se direta e reciprocamente, nem mesmo precisando do juiz para intermediar a relação entre o autor e réu. E, por fim, conforme leciona Humberto Theodoro Júnior, há ainda a teoria angular, atribuída a Helwig que alude que o juiz se relaciona de forma superior às partes, uma vez que representa o poder estatal e essas estariam submetidas à sua soberania, fazendo com que elas obtivessem direitos e deveres voltados para o juiz.


[14] É importante verificar que o ato de recorrer é um dever processual, um ônus processual ou uma faculdade processual? Não confunda, pois do ponto de vista da vida recorre-se se desejar. Mas e do ponto de vista processual? Vamos rever a diferença entre dever, ônus e faculdade. A especificação muda de acordo com o momento do processo. O sujeito tem o ônus de provar, mas a faculdade de especificar provas. O que é dever? O que é dever processual? Praticar o ato para satisfazer o direito alheio. É uma obrigação para satisfazer o direito de outrem. Dever de pagar, por exemplo, que for imposto à parte. Quem paga satisfaz o direito da outra parte.


Faculdade processual: quando dizemos que alguém tem a faculdade processual, a consequência jurídica é a mesma. Praticando ou não o ato, sobrevirá a mesma consequência. Exemplo: especificar provas. Se a parte disser que não tem provas a produzir, ou ficar silente, a consequência será a mesma. Se não ganhar no reexame, a consequência é a mesma que já ocorreria caso não ocorresse (exceto quanto às custas).


E quando se diz que “determinada pessoa tem o ônus da prova”? Quando o Código de Defesa do Consumidor diz: “o consumidor tem direito à inversão do ônus da prova”. Se o fornecedor não provar, ele será o prejudicado. Ônus é satisfação do direito próprio. A parte tem o ônus de provar, em regra, o alegado. Ao deixar de provar, ela deixa de satisfazer interesse próprio. Da mesma forma que na contestação: quem é citado tem o ônus de contestar, e não a faculdade ou dever, pois a não apresentação de contestação implica um prejuízo à própria parte que deixou de fazê-lo.


[15] ‘Padrão de valoração’, ‘ato jurídico’ e ‘posição jurídica subjetiva’ são os perfis usados mais frequentemente pela norma. No uso corrente quer-se privilegiar em relação a esta ou aquela ‘forma’ uma ou outra componente da tríade: por exemplo, como veremos, ‘o ordenamento jurídico’ é frequentemente considerado do ponto de vista das normas, já o contrato, do ponto de vista dos atos; a ação judicial, por sua vez, do ponto de vista das posições jurídicas. Mas em verdade qualquer norma pode ser contemplada por todas as três angulações.


[16] Simplicidade e genialidade, eis dois adjetivos atribuídos por Ada Pellegrini Grinover para a obra de Élio Fazzalari, que lecionou na Universidade de Perugia até 1964, na de Pisa até 1972, e na Universidade de Roma “La Sapienza” quando desta se desligou em outubro de 2000, sendo agraciado com o título de Professor Emérito.  Ao estabelecer com primazia a noção de processo como procedimento em contraditório, e fazer do contraditório o elemento distintivo de processo e procedimento, Fazzalari afastou o retrógado clichê da relação jurídica processual que sustenta a instrumentalidade do processo, capitaneada no Brasil por Dinamarco e alicerçada em Liebman e Chiovenda, incapaz neste momento de dar respostas efetivas aos problemas sociais.


[17] Segundo a Teoria de Savigny percebemos que somente pode exercer o direito de ação quem for o titular do direito material, e, além disto, só haveria direito de ação para aquele que ganha a ação.


Diferentemente de Savigny, Muther sugeriu a ação como Direito Subjetivo, Público e Autônomo, onde o caráter subjetivo significa a titularização pela pessoa física ou jurídica. O caráter público da ação diz respeito a exigibilidade do Estado em face de outrem, e o autônomo quanto a independência e liberdade do direito processual no campo do direito material.


Já a Teoria Concretista da ação elaborada por Wach percebe-se que o doutrinador acreditava na possibilidade de um vínculo entre direito material e o direito processual. Reagindo contra esta teoria, Plòsz cogita no conteúdo abstrato da ação, onde define que a ação independe de decisão favorável, logo mesmo o autor que perdeu, exerce o direito da ação.


[18] Acrescente-se, que a exteriorização do princípio do contraditório, na proposta de Fazzalari se opera em dois momentos.  Inicialmente com a informazione, consistente no dever de informação para que possam ser exercidas as posições jurídicas em face das normas processuais e, em seguida, num segundo momento, a reazione, revelada pela possibilidade de movimento processual, sem se constituir, todavia, em obrigação. Deste argumento nasce a noção de contraditório em simétrica paridade, que vincula compulsoriamente o autor, o réu, o interveniente, o juiz, o representante do Ministério Público (quando necessário) e seus auxiliares a atuarem em pé de igualdade. Eis que novamente visualiza-se um contraponto a noção instrumental do processo, pois garante a dialética participação não só de autor e réu, tradicionais destinatários do ato, mas também das demais pessoas envolvidas na atividade jurisdicional. Sob este enfoque, todos são partes, como bem observa Pellegrini.


[19] A doutrina, a jurisprudência e a própria lei por vezes se servem da analogia para se referir ao princípio da igualdade no processo difundiu-se a expressão "paridade de armas" ou de igualdade de armas necessárias para o bom combate ou litigância processual entre adversários, uma forma de explicar a necessidade de que as partes, do início ao fim, tenham as mesmas condições, possibilidades e oportunidades para que possam obter uma decisão justa e efetiva do órgão judicial. Tal jargão atualmente não encontra mais sintonia com o princípio da consensualidade como finalidade do processo, sobretudo civil.


Lembremos que armas, duelo e combate não são mais coerentes no campo processual onde veria concorrer para dar azo a outras figuras de linguagem. É menos um cenário de luta e mais uma seara de tentativas da paz.


A denominada igualdade de armas, o bom combate, o duelo processual e a litigância entre os adversários vencedores e vencidos muito embora percam espaços para novos anseios dos que precisam da Justiça e das novas aspirações que pode adequar-se ao espírito de colaboração, eis que o artigo 6º do CPC/2015.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: CPC/15 Processo Civil Contemporâneo Evolução do Direito Segurança Jurídica

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