Dimensões da Crise do Capitalismo Contemporâneo
O capitalismo contemporâneo é resultante de muitas transformações e também do processo dialético da legislação e da função do Estado no mundo globalizado. O capitalismo atual está associado à reestruturação produtiva, à globalização financeira e ao novo papel dos Estados.
Estabelecer uma reflexão sobre o
significado da atual crise do capitalismo nos remete, primeiramente, a alguns
aspectos teóricos da crise embasados em Marx[1]. Outro
aspecto é o presente processo de globalização hegemônica e, ainda, analisar os
elementos da particularidade brasileira.
Experimentamos atualmente a quarta onda
de globalização[2].
Porém, a globalização não é processo unívoco, há a presença de dois processos
de globalização simultâneos, a saber: o processo de globalização hegemônico e o
processo de globalização contra-hegemônico.
O hegemônico relaciona-se à busca de
hegemonia por parte do poder das corporações internacionais, dos países
hegemônicos, principalmente, os EUA e seu pensamento neoliberal, com sua crença
no mercado plenipotenciário e no indivíduo como ente fundamental da sociedade
humana.
Já o processo contra-hegemônico busca
alternativas ao poder hegemônico, criando debate e movimento internacional em
prol da diversidade cultural, da defesa da ecologia, dos direitos humanos e
garantias sociais, da democracia radical, dos direitos das mulheres e alguns
chegam a desejar a transição para outra sociabilidade, como é o caso do
movimento eco-socialista e de tantas outras organizações e coletivos de
esquerda.
Afinal, a virada do milênio significa um
momento de expressivas transformações composto da queda do Muro de Berlim[3], com a
volta de Macau para China, e a imersão em um universo de transformações
estruturais cujas origens remontam aos anos setenta.
Há, ainda, a “Crise do sistema” de
Bretton Woods[4],
do padrão de financiamento da acumulação de capital, da forma do capitalismo do
pós-guerra. Eis que a crise da matriz produtiva baseada na segunda revolução
industrial[5] e
introdução de novas formas de produção da nova acumulação molecular digital.
A microeletrônica e a informática que
trouxeram transformações tecnológicas, posto que incidem sobre o âmbito
econômico e, progressivamente sobre o âmbito social. O que pode ganhar status
de revolução tecnológica.
A crise atual do capital é a base do
ideal neoliberal, quanto da busca de lucratividade pelos capitais globais. Os
ideais neoliberais galgam a dimensão do ideal de globalização, na medida em que
os capitais globais necessitam de flexibilidade, desregulamentação e destruição
das amarras impostas pelos trabalhadores e seus sindicatos, a imposição de
limites ao livre fluxo de capitais, a precarização[6] e
superexposição e super exploração do trabalho humano.
A crise geral[7] como
resultante da luta de classes e da
concorrência entre os capitalistas, acaba por impor novos padrões
tecnológicos e novas formas de exploração que reinventam a tecnologia e as
formas de produzir.
A busca inesperada por mais valia
relativa e absoluta reinventa a geografia mundial e colocam a China como grande
fábrica do mundo[8].
Enfim, o deslocamento da força de
trabalho necessária ao capital, faz a Europa se enxergar envolta de rotunda
crise estrutural.
O velho capital necessita
preferencialmente de força de trabalho superexplorável, isto é, não lhe convém
o Estado do Bem-Estar Social[9] incapaz
de lhe garantir expressivos níveis de exploração.
Assim, o capital reinventa a geografia
econômica ao deslocar-se prioritariamente para China dotada de monumental
contingência populacional apta à superexploração e, a outros países do mundo,
que apesar de secularmente engajados na acumulação de capitais, pelo menos
desde o período mercantilista, são agora chamados pelos disciplinados
economistas das agências de fomento e regulação pelos emergentes.
Por globalização entende-se pela
reordenação capitalista que fora desenvolvida com medidas de política econômica
como sendo reposta à crise estrutural capitalista da década de setenta. A partir de 1978, a burguesia mundial
conduzida pelos EUA e Reino Unido empreendeu em proveito próprio, com maiores e
menores graus de sucesso, a modificação internacional, e a partir daí, no
quadro de todos os países, das relações políticas entre as classes sociais.
Deu-se o desmantelamento das instituições e estatutos que concretizavam o
estado anterior das relações.
O termo “crise estrutural”[10], tal
como usado por Smith, indica uma fraqueza na acumulação de capital devido à
ação, agora decisiva, da lei tendencial da taxa de lucro decrescente.
Segundo
Murray Smith apud Prado, o capitalismo está evoluindo agora de uma forma
precária em relação ao seu passado, mais bem sucedido. Afirma que esse modo de
produção globalizado – e assim, os trabalhadores e os capitalistas em geral –
sofrem das consequências de uma crise estrutural que tem três dimensões
relacionadas entre si.
Há um aprofundamento da contradição
entre o capital acumulado no passado e a sua lucratividade no presente; a
produção de “mais-valor”, ou seja, a substância social que dá origem aos
lucros, é insuficiente para remunerar de modo “satisfatório” o capital industrial
e o capital financeiro, que se avolumaram sem cessar após a Segunda Guerra
Mundial;
Persiste uma crise grave das relações
internacionais entre as nações capitalistas: se, de um lado, as forças
produtivas romperam os limites dos Estados nacionais; se se formaram cadeias de
produção que agora englobam muitos países, por outro lado, a capacidade de
solução dos problemas se concentra ainda nas próprias nações.
Há uma evidente “crise ecológica” que,
decorre da contradição entre a civilização humana e as “condições naturais de
produção”, isto é, entre o seu modo de apropriação da natureza e os fundamentos
ecológicos da sustentabilidade das sociedades.
As políticas de liberalização, de
desregulamentação e privatização[11] que o
Estados capitalistas adotaram um após ao outro, desde o advento do governo
Thatcher em 1979 e Reagan em 1980, o que devolveu ao capital a liberdade
perdida desde 1914, para mover-se à vontade dentro do plano internacional, quer
entre países e continentes.
A produção atual está subsumida à lógica
do capital financeiro que conseguiu liberdade ampla de movimento global e
trafega à velocidade da luz pelos chamados mercados. Mas, não reside aí o
centro da mudança.
O capitalismo contemporâneo se pauta por
um capital de imagens que torna sua marca principal comandada por uma
digitalização e molecularização o que mudou radicalmente a linguagem e as
referências do próprio cotidiano e, ainda permite uma forma de capital que atua
como virtual, ou seja, capaz de extrair mais-valia no momento do uso da força
do trabalho, sem os constrangimentos típicos da era industrial, que criaram a
virtualidade da classe que, requer sempre sua própria autoinvenção. É a forma
suprema do trabalho abstrato, afinal, lograda pelo sistema capitalista
reinante.
De fato, o capital virtual, a mercadoria
virtual, assim como também o próprio ambiente de trabalho, isto é, pode ser um
serviço, um efeito útil, uma marca, uma imagem, cuja produção é simultânea à
realização. É assim que o capital virtual renuncia à fábrica para a produção de
valor.
Para Zygmunt Bauman uma das
consequências da globalização é o surgimento de uma nova classe superior, rica
e com mobilidade física e virtual. Os turistas que tanto viajam a trabalho como
para mero desfrute e consumo de cultura; e de outro lado, o vagabundo que
representa o pobre, que se desloca, mas é sempre indesejado. Tal fato ocorre
impulsionado por mudanças nas tecnologias de informação e, suas consequências
nas novas formas de ser do capital.
A localização forçada preserva a
seletividade natural dos efeitos globalizantes. Amplamente notada e cada vez
mais preocupante, a polarização do mundo e de sua população não é interferência externa,
estranha, perturbadora aos
processos de globalização – é, portanto, efeito
dele. Já para o
pensamento social crítico
de Istvan Mészáros,
o atual processo de globalização
capitalista aprofunda também as contradições próprias à relação social
“capital”.
De acordo com Mészáros o capital
necessita expandir-se apesar e em detrimento das condições necessárias para a
vida humana, levando aos desastres ecológicos e ao desemprego crônico, isto é,
à destruição das condições básicas para a reprodução do metabolismo social.
[...] Um sistema de reprodução não pode se
autocondenar mais enfaticamente
do que quando
atinge o ponto
em que as
pessoas se tornam
supérfluas ao seu
modo de funcionamento.
A alienação dos meios de produção e do
produzir é, simultaneamente, igualmente perversa metamorfose de tais meios de
produção em capital. E, neste sentido, toda a maquinaria do atual estágio do
capitalismo necessariamente serve mais aos propósitos destrutivos do que
propriamente aos objetivos produtivos.
Além das guerras, registra-se também
aumento na velocidade de obsolescência das mercadorias produzidas de modo que
temos uma taxa decrescente de uso de todos os bens produzidos nunca dantes
verificada na história.
Portanto, é preciso considerar que o
atual processo histórico de acumulação de capital tem por resultante o aumento
colossal da velocidade de rotação do capital, ou seja, o tempo em que o capital
se transforma em mercadoria e, ao completar o ciclo, retorna às mãos dos
capitalistas e investidores.
Isto é, enfim, a causa e efeito do
aumento da velocidade de inovações tecnológicas e, um dos perversos aspectos de
tal movimento é o fato da necessidade cada vez menor de trabalhadores no
processo produtivo em razão de adoção de máquinas e automação nos processos
mais eficientes para enfrentar a permanente concorrência e a luta de classes, e
vai, transformando a classe trabalhadora, progressivamente, em classe
supérflua, seja pela mera e simples extinção de cargos ou funções, seja pelo
corte de custos, com a eliminação de postos de trabalho..
Paradoxalmente, significativa parte da
população trabalhadora se vê transformada em supérfluo em relação às
engrenagens supermodernas de uma sociedade de alta tecnologia em que o capital
se transformou em imagem.
Em paralelo, o aumento da produtividade
do trabalho e da rotação do capital que o acompanha, ao reduzir a taxa de
utilização das mercadorias produzidas, seja pelo lançamento de novos produtos
ou similares, seja pela planejada obsolescência dos mesmos, transforma
crescentemente as mercadorias em dejetos ou entulho, provocando desmensurado aumento
da destruição ambiental
(KEMPF, 2009).
Assim,
naturalmente os seres
humanos são vistos
como “recursos humanos”
ou mão-de-obra, e
a natureza como
“recursos naturais” inesgotáveis para um processo irracional de
produção de massas crescentes de lucros para os acionistas das corporações.
Com natural desdobramento, as populações
mais carentes e pobres são as mais afetadas, pois simultaneamente sofrem o
impacto do aumento do desemprego estrutural e da devastação ambiental, com a
proliferação de doenças, a favelização urbana, a falta d'água e de saneamento
básico, além de crescimento das desigualdades sociais que atingem o mundo todo.
É possível inferir o surgimento de nova
pobreza e a devastação ambiental são duas faces
da mesma moeda que representa o processo de produção destrutiva da nova
fase do capitalismo globalizado e refletem um momento histórico de crise[12]
civilizacional.
O Estado passa a ser pressuposto da
acumulação de capital. E, o Estado neoliberal[13],
diferentemente da retórica de seus seguidores, não é alijado do processo de
acumulação do capital, ao revés, desempenha a função precípua como agente
articulador entre o âmbito econômico sob seu domínio e o capital financeiro internacionalizado.
Atua como engrenagem na unificação
transnacional dos esquemas de valorização financeira, ligando as frações do
capital global internacionalizado ao capital local que garante sua base de
sustentação política para garantir a reprodução ampliada.
Assim, convergem os interesses dos
blocos de capital privado local[14],
internacional e estatal, sempre garantidos pela notável capacidade mediadora do
Estado.
O contemporâneo momento de crise do
capitalismo deve ser compreendido dentro de sua dialética cíclica. Afinal, tais
ciclos refletem a história da exploração do proletariado e, utlimamente há o surgimento de bolhas. É o
caso da bolha pelas empresas pontocom e, também há a bolha das
hipotecas.
Cumpre ainda, perceber o caráter
anárquico da produção capitalista, pois ao promover uma série de modifcações no
setor produtivo, seja, introduzindo máquinas mais modernas e promovendo maior
racionalização dos procedimentos, o capitalista emprega menos força de trabalho
e, por consequência, extrai menos mais-valia, reduzindo seu lucro por unidade
produzida. A redução do lucro por unidade é compensada pela elevação de
quantidade de unidades produzidas que, ao final, pela elevação do volume de
vendas, aumentando progressivamente o lucro total do investidor.
Infelizmente, o neoliberalismo não se monstra eficiente para resolver a atual crise do capitalismo. O neoliberalismo não passa do velho liberalismo revivido Friedman, confessadamente, reformulou as proposições clássicas para incorporar os conceitos macroeconômicos de inspiração keynesiana e os instrumentos econométricos que permitem rejeitar hipóteses improváveis.
O programa neoliberal se assemelha ao
keynesiano, mas com evidente caráter antioperário e com muito maior alcance. O
aumento do desemprego, que para o keynesiano é uma necessidade desagradável e,
que por isso, deve ser tolerado apenas enquanto estritamente indispensável,
torna-se para o neoliberal um objetivo estrutural.
Conforme leciona Paul Singer in
litteris:
“Por tudo isso, não tem sentido falar em uma “etapa neoliberal do
capitalismo”. Na realidade, o neoliberalismo não passa de uma reação da classe
capitalista ao impasse da estagflação. Esta resultou do descompasso entre o
poder adquirido pela classe trabalhadora de impor aumentos de salários e a não
responsabilidade dos trabalhadores pela condução das empresas e da economia. O
pleno emprego dos anos dourados deu ao operariado poder de pressão por ganhos
pecuniários, mas não lhe deu informações confiáveis sobre o real estado da
economia e sobre a capacidade das empresas de absorver os custos decorrentes
dos aumentos reivindicados”.
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[1] Estas três
formas históricas de organizar a produção de mercadorias, as quais subsistiram
e evolveram no interior do modo de produção capitalista, foram caracterizadas
pelo próprio Marx como formas historicamente determinadas por meio das quais se
deu e, assim, se concretizou, o que ele mesmo denominou de subsunção do
trabalho ao capital. Nessa perspectiva, para distingui-las, em O capital, ele
associou à manufatura e à grande indústria, respectivamente, a materialização
da subsunção meramente formal e da subsunção formal e real do trabalho ao
capital. Com base em textos dos Grundrisse, é possível distinguir, então, duas
formas algo distintas de subsunção real: uma primeira, material, que se consolidou
na grande indústria propriamente dita e uma segunda, intelectual, que se
concretizou na pós-grande indústria.
[2] Aquilo que é
atualmente chamado de globalização vem de longe na história da era moderna.
Como se sabe, trata-se de um processo que se iniciou por meio das “grandes
navegações”, no século XV d.C. A globalização é um processo complexo cuja
descrição cabal exige um escrito de centenas de páginas. Entretanto, pode-se
apresentar o seu desenvolvimento mais recente sumariamente – ou seja,
considerando apenas o último século e meio – por meio de um indicador da
evolução do comércio internacional em nível mundial. Dispondo então da razão
entre o volume de comércio internacional e o PIB global, ano a ano, para tal
período secular, pode-se apresentar graficamente o movimento secular da
globalização em suas altas e baixas em torno de uma tendência que parece ser
sempre de crescimento.
Palley caracteriza essas
três ondas, pela ordem, como vitoriana, keynesiana e neoliberal. As duas
primeiras, segundo ele, devem ser vistas sob a lente tradicional da expansão do
comércio mundial, mas a terceira, diferentemente, deve ser enxergada pela
“lente da reconfiguração global da organização da produção”. Ora, como aqui se
crê que mudanças históricas na produção capitalista de mercadorias encontram-se
na base das três ondas assinaladas – e não apenas na última –, considera-se que
a sua maneira de qualificar essas três vagas pode ser enganadora. É patente
que, durante todo o período considerado, ocorreram sucessivas mudanças na
própria “organização da produção” em nível nacional e global e que essas
mudanças (a serem apresentadas) acabaram se refletindo de alguma maneira na
superfície mais visível da economia como um todo, ou seja, no comércio mundial.
[3] A queda do Muro
de Berlim foi um acontecimento marcante que ocorreu em novembro de 1989, deu
início à reunificação da Alemanha e evidenciou o fracasso do bloco comunista. A
queda do muro também foi parte do processo de queda do bloco comunista na
Europa Oriental, que se iniciou a partir do final da década de 1980. O Muro de
Berlim foi um produto da Guerra Fria e foi exatamente pelo enfraquecimento
desse conflito político e ideológico que ele ruiu. Sua construção foi uma
consequência da divisão da Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial. Derrotada,
a Alemanha foi ocupada por tropas de quatro países: França, Reino Unidos, EUA e
URSS. Essa ocupação foi determinante para o futuro alemão, uma vez que as zonas
ocupadas por franceses, britânicos e norte-americanos ficaram sob influência
capitalista e a parte ocupada pelos soviéticos ficou sob influência socialista.
Isso fez com que a Alemanha fosse dividida em duas nações (o que também
aconteceu com o Vietnã e a Coreia). A queda do Muro de Berlim relaciona-se com
a desintegração do bloco de nações socialistas no leste europeu. A década de
1980 foi uma década de crise para o bloco socialista em geral e a situação não
foi diferente para a Alemanha Oriental. O grande foco da crise era a economia
ruim do país e a situação de vida dura da grande maioria da população. Na
década de 1980, a situação econômica da Alemanha Oriental era muito ruim, mas
para mascarar a situação, o governante do país, Erich Honecker, fornecia
subsídios que mantinha aquecido o consumo da população. O quadro da Alemanha Oriental
agravava-se com o fato de que o governo desse país recusava-se a realizar
reformas estruturais que eram necessárias.
[4] O Acordo de
Bretton Woods durou até 15 de agosto de 1971, quando os Estados Unidos, unilateralmente,
acabaram com a convertibilidade do dólar em ouro, o que efetivamente levou o sistema
de Bretton Woods ao colapso e tornou o dólar uma moeda fiduciária. Essa
decisão, referida como choque Nixon (Nixon Shock), criou uma situação em que o
dólar americano se tornou moeda de reserva, usada por muitos Estados. Ao mesmo
tempo, outras moedas, que até então eram fixas (como a libra esterlina, por
exemplo), passaram a ser flutuantes.
[5] A Segunda Revolução Industrial foi a continuação do processo de revolução na indústria, por meio da melhoria de técnicas, da criação de máquinas e de novos meios de produção. Sendo assim, não se pode considerar que houve rupturas ao longo da Revolução Industrial, mas sim o alcance de novos níveis de industrialização. A Segunda Revolução Industrial iniciou-se na segunda metade do século XIX (c. 1850 - 1870), e terminou durante a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), envolvendo uma série de desenvolvimentos dentro da indústria química, elétrica, de petróleo e de aço.
[6] No âmbito
das relações e dos processos de
trabalho, ocorrem mudanças substantivas – seja através da
reedição de antigas formas de exploração, como o salário por peça,
o trabalho em
domicílio etc., transformando, entre
outros, os espaços domésticos não
mercantis em espaços
produtivos por força
das terceirizações; seja instituindo novos processos de trabalho
que externalizam e desterritorializam parte do ciclo produtivo, instaurando
novas formas de cooperação, onde se incluem e se ajustam, num mesmo
processo de trabalho,
atividades envolvendo altas
tecnologias, superespecialização e precarização.
[7] Na realidade,
há várias “crises” que se entrelaçam no interior daquela que está sendo
considerada a mais grave crise da história moderna. Brie (2010)discorre sobre
cinco crises: de sobre acumulação, de reprodução ecológica, de integração social,
de legitimação do sistema político ou da democracia representativa e crise de
segurança, com a crescente violência derivada das tensões intra e inter Estados
nacionais, a nova espiral armamentista, a criminalização e a prisão dos
trabalhadores e a “guerra contra o terror”, no caso dos EUA. Ao crack de 1929, o
governo americano respondeu com o New Deal. Após1945, erigiu-se o Estado de Bem
Estar Social, sob forte influência do paradigma keynesiano na formulação de
políticas públicas anticíclicas, de modo a soerguer as economias capitalistas
combalidas do pós-guerra. A partir dos anos 1980, prevaleceu o receituário
neoliberal para o ajuste estrutural e a revitalização da economia capitalista em
escala global. Osanos 1990/2000 assistiram a sucessivas crises financeiras: – a
mexicana(1995), a asiática (1997), a russa (1998), a brasileira (1999), a
argentina(2001) e a crise americana do subprime (2008). BRIE, M. (2010). Saídas
para a crise do neoliberalismo. In: BRAND, ULRICH e SEKLER, N. (org.). Diante da
crise global. Horizontes do pós-neoliberalismo. Riode Janeiro, EdUERJ.
[8] "China é o
quarto maior cliente do Brasil". É esta manchete do jornal Gazeta
Mercantil, do dia 14 de março deste ano, chamou a atenção dos empresários
brasileiros. Em dois anos, a China saltou da 15a. posição para a 4a. entre os
principais parceiros comerciais do Brasil. Em 2002, o total das exportações
brasileiras para o "grande dragão" somou US$ 2,5 bilhões e, somente
em janeiro deste ano, as vendas cresceram 100% em relação ao mesmo mês do ano
passado. Entre os principais itens exportados à China estão: a soja
(representando um faturamento anual de US$ 830 milhões), minério de ferro (US$
600 milhões), produtos siderúrgicos (US$ 130 milhões), celulose (US$ 115
milhões) e carros (que registraram aumento de 121% no mês de janeiro de 2003
sobre o mesmo período de 2002, gerando receita de US$ 3,4 milhões). Novos itens
prometem entrar na pauta das importações brasileiras para a China como a carne
de frango, a carne suína e a carne bovina. Para isso, um grupo de 14 frigoríficos
nacionais deverá realizar o primeiro embarque direto àquele país. O negócio,
estimado em US$ 1 milhão, será a primeira investida das carnes brasileiras num
mercado de 1,3 bilhão de consumidores.
[9] O Estado do
Bem-estar também é conhecido por sua denominação em inglês, Welfare State. Os
termos servem basicamente para designar o Estado assistencial que garante
padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a
todos os cidadãos. O Estado de bem-estar social começou a ser implementado no
Brasil durante a Era Vargas(1930-1945), com a criação da Consolidação das Leis
Trabalhistas, a estatização do refino de petróleo e investimentos em obras
públicas. Após isso, durante as décadas de 70 e 80 houveram mais investimentos
na área social, além da promulgação da Constituição Federal de 1988, que foi
construída com a ajuda da população e assegurou todas as políticas
assistenciais criadas. A década de 90 foi um marco para a história da saúde
pública no Brasil, com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Além
disso, foram criados outros benefícios, como o Bolsa Escola e o auxílio-gás. O
Estado de bem-estar social é considerado o oposto do Estado Liberal. Isto porque, enquanto no bem-estar social o
Estado é ativo e fornece bens e serviços gratuitamente à população, legislando
sobre as relações de trabalho, no Estado liberal ela se isenta das relações
entre mercado e consumidor, não oferecendo serviços, nem legislando sobre as
relações patrão-empregado.
[10] Por exemplo,
Istvan Mészáros, em A crise estrutural do capital (Boitempo, 2011), usa esse
termo para anunciar a vinda de um período catastrófico na história: “A crise
estrutural do sistema do capital como um todo – a qual estamos experimentando
(…) – está destinada a piorar consideravelmente. Vai se tornar a certa altura
muito mais profunda; ela vai invadir não apenas o mundo das finanças globais
(…), mas também todos os domínios da vida social, econômica e cultural” (op.
cit., p. 17). Como se sabe, o termo “crise” designa um evento que gera uma
situação instável e perigosa no curso da vida de um indivíduo, grupo,
comunidade ou de uma sociedade como um todo. As crises constituem-se em geral
de mudanças abruptas que interrompem, contrariam e mudam o andamento normal dos
acontecimentos num dado momento histórico.
[11] A privatização
do público consiste, em efeito, uma ideologia ou uma “experiência subjetiva
de desnecessidade, aparente, do público”. No Brasil, essa ideologia propaga-se,
como vimos ao longo do desenvolvimento deste texto, sobretudo por meio da crise
do Estado e do mecanismo da dívida pública interna. Frente a esses processos
de crises, os apologistas neoliberais difundiram a acepção de que o Estado se
constitui uma gente subordinado aos monopólios empresariais, apenas podendo ser
compreendido como uma extensão do privado. Ou seja, divulgaram a falsa ideia da
superioridade do privado em relação ao público, desqualificando, assim, o
imprescindível papel assumido pelo Estado no processo de desenvolvimento
socioeconômico. OLIVEIRA, Francisco. Neoliberalismo à brasileira. In: SADER,
Emir & GENTILI, Pablo(Orgs.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o
Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 24-28.______.
Privatização do público, destituição da fala e anulação da política. In:
OLIVEIRA, F.& PAOLI, Mª Célia (Orgs.) Os sentidos da democracia: políticas
de dissenso e hegemonia global. 2ª ed. Petrópolis; RJ: Vozes, Brasília: NEDIC,
1999, p. 55-81.______. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2003.
[12] No âmbito do
sistema capitalista e da sua economia‐mundo, instala‐se muito mais do que uma
crise econômica: estão postas as condições de uma crise orgânica, marcada pela
perda dos referenciais erigidos sob o paradigma do fordismo, do keynesianismo,
do Welfare State e das grandes estruturas sindicais e partidárias. Se, a tais
condições se soma o exaurimento do “socialismo real”, vê‐se como foi possível
afetar a combatividade do movimento operário, imprimindo, a partir de então, um
caráter muito mais defensivo do que ofensivo às suas lutas sociais.
[13] Neoliberalismo
é uma doutrina econômica e política que surgiu no século XX com base em teorias
formuladas por teóricos, como o economista ucraniano Ludwig von Mises e o
economista austríaco Friedrich Hayek. A teoria neoliberal surge para opor-se à
teoria keynesiana de bem-estar social e propõe uma nova leitura da parte
econômica do liberalismo clássico, tendo como base uma visão econômica
conservadora que pretende diminuir ao máximo a participação do Estado na
economia. Um esboço do plano neoliberal deu-se com as 10 (dez) regras do
Consenso de Washington, que propôs uma cartilha básica que as economias
neoliberais (em especial as economias em desenvolvimento que quisessem aderir à
ajuda oferecida pelo FMI e pelo Banco Mundial) deveriam seguir. Veja a seguir
as 10 regras do Consenso de Washington que delineiam as características do
neoliberalismo. Disciplina fiscal: o estabelecimento de um teto de gastos
públicos, o que, na prática, reduz ou limita os gastos com serviços básicos.
Redução dos gastos públicos: deve contar com a disciplina fiscal e com outras
medidas, como a privatização dos serviços públicos. Reforma tributária:
reformular o modo de cobrar-se impostos. Em geral, o que o Consenso de Washington
defende é a menor taxação de impostos possível. Juros de mercado: controlar os
juros para que a inflação não cresça. Câmbio de mercado: operar trocas de
mercado no mundo realizando importações e exportações de produto. Isso pode
ser, em alguns casos, ruim para a economia local e para os pequenos e médios
empresários. Abertura comercial: liberar o comércio com outros países não
colocando entraves ideológicos ou políticos que dificultem as relações
comerciais exteriores. Investimento estrangeiro direto: abrir filiais de
empresas estrangeiras no país em desenvolvimento. Privatização de empresas
estatais: privatizar todos os serviços que forem possíveis de privatização, ou
seja, entregá-los à iniciativa privada. No Brasil, tivemos experiências de
privatização escandalosas no governo de Fernando Henrique Cardoso, porque nele
as nossas empresas estatais foram vendidas a preços muito baixos.
Desregulamentação (flexibilização de leis econômicas e trabalhistas):
flexibilização das leis que regulamentam a economia, o que significa diminuição
da participação do Estado na economia, e das leis trabalhistas, o que significa
menos direitos para os trabalhadores. Direito à propriedade intelectual:
garantir aos autores de uma obra intelectual, científica, filosófica ou artística
o direito de receber pela reprodução daquela obra.