Democracia, direitos humanos e justiça
Marx entendia que os principais problemas sociais, tais como ausência de liberdade, miséria e injustiça poderiam ser resolvidos pelo Estado. E, partiu da caracterização de que a sociedade civil era a esfera das atividades e dos interesses pessoais e corporativos, enquanto o Estado era visto como a sede das atividades e interesses humanos universais. O conceito de democracia, direitos humanos e justiça se integram para propor o bom funcionamento do Estado e prover o respeito e a preservação da dignidade humana. A verdadeira democracia propõe a superação das desigualdades sociais, mediante a livre associação de homens igualmente livres.
O texto de Karl Marx que
critica a concepção liberal sobre o direito vem refletir a tensão existente
entre as justiças formal e concreta (material). Lembrando que se reputa justo o
ato quando resulta da aplicação de certa regra.
Esquece-se convenientemente
que quem determina as leis, não questiona os valores que estão na base dos
critérios que as definiram. Prevalece a noção de que entre o formal e o
concreto, sai vitoriosa a cultura que reparte os homens em superiores e
inferiores e promove a naturalização da desigualdade.
Ainda em tempos
contemporâneos, não obstante o triunfo da tecnologia de informação e
comunicação, apesar dos progressos da genética e da medicina, ainda, vige a
noção primitiva de justiça que é “dar a cada um, o que é seu” ou “a cada qual
segundo sua posição” o que representa a base social para naturalização, o
consentimento e a legitimação das próprias desigualdades e misérias, que se faz
presente e reproduzida por tradição nas relações sociais.
Não é tarefa fácil desvendar
das raízes da desigualdade, conhecer os elementos de sua dinâmica e estrutura.
Está contida na noção de justiça a legitimação ou não de desigualdade, podendo
ser questionado o que é justo na relação entre homens.
Afinal, qual o critério de
valor, então para a definição da justiça?
Há questões relevantes por se
tratar de um conjunto de contradições próprias do desenvolvimento da sociedade
capitalista relacionando-se com as expressões da “questão social” e
vinculando-se diretamente com os mecanismos sociopolíticos e institucionais
requeridos para seu enfrentamento.
Estes mecanismos são acionados
na esfera pública, pela ação do Estado ou por iniciativas da sociedade civil e
os profissionais como o advogado, professor e assistente social atuam na tensão
entre as necessidades do capital e a do trabalho, nas contradições geradas pelo
modo desigual no processo de produção e distribuição.
A decisão de um certo corpo
social sobre o modo de produção e distribuição se constitui com base na escolha
de incrementar, a igualdade[1] ou desigualdade, ipso
facto, o que é justo ou injusto numa sociedade e intervém em situações
reveladoras das profundas desigualdades, constitutivas do próprio modo de
produção capitalista, situações essas que, pela resistência e luta dos explorados,
o capital é obrigado a dar respostas, administrando suas sequelas, não por ser
sensível à pauperização, mas para manter sua dominação de classe.
Portanto, é fundamental para o
sujeito desenvolver a capacidade de decodificar criticamente a realidade
objetiva, sendo a percepção sobre justiça um elo fundamental.
Toda concepção marxista sobre
justiça e direitos humanos está contida no debate sobre igualdade. Trata-se,
pois, para apreender seus rebatimentos e determinações e de responder ao
problema acerca de qual sentimento de igualdade numa sociedade desigual.
Sem dúvida, para tratarmos de
desigualdades nas sociedades capitalistas, precisa-se ter um conceito de
partida de igualdade e desigualdade.
O conceito de igualdade está
pautado na tradição da filosofia ocidental, herdada da clássica concepção de
Aristóteles, na qual, a justiça como virtude que representa um meio termo entre
dois extremos, o equilíbrio entre dois vícios como a escassez e o excesso,
pois, afinal “se as pessoas não são iguais, não receberão coisas iguais”.
(Aristóteles, Ética de Nicômaco, São Paulo: EMC, 2002).
A tradição aristotélica que
fora recepcionada por Karl Marx, na qual, os iguais devem ser tratados
igualmente e, os desiguais desigualmente com a finalidade de diminuir e não
aprofundar as desigualdades.
No processo de desenvolvimento
social, inclusive na edificação do socialismo conforme alertou Marx na “Crítica
ao Programa de Gotha”, a nova sociedade nascida das entranhas do capitalismo (o
socialismo de primeira fase) que apresenta ainda em todos os seus aspectos, no
econômico, no moral, no intelectual, o selo da velha sociedade de cujas
entranhas procede.
E, sobre essa etapa, o próprio
Marx admitia algumas desigualdades, as quais não apenas são reconhecidas como
devem ser defendidas.
Num primeiro momento o lema “a
cada um segundo seu trabalho” já a consigna “a cada um segundo sua necessidade”
é o princípio do que Marx chamou de socialismo superior.
No socialismo superior quando
houver desaparecido subordinação escravizadora de indivíduos à divisão do
trabalho e, com ela, o contraste entre
trabalho intelectual e o trabalho manual; quando o trabalho não for somente um
meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando com o desenvolvimento
dos indivíduos em todos os seus aspectos, crescerem também as forças produtivas
e jorrarem as fontes da riqueza coletiva, só então será possível ultrapassar-se
totalmente o estreito horizonte do direito burguês e a sociedade poderá
inscrever em suas bandeiras: de cada qual segundo sua capacidade, a cada qual
segundo suas necessidades.
A cada necessidade pressupõe o
reconhecimento de determinadas desigualdades por parte de Marx que geral
necessidades diferentes.
Afinal, o que justificativa a
luta pela igualdade? Porém, não se trata de desigualdade de burguesias, nem de
poder, mas de uma desigualdade resultantes de que se pode chamar de diferenças
impostas pela natureza.
Rousseau[2] em sua obra “Discurso
sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” a existência
de dois tipos de desigualdade: uma que ele chamava de desigualdade natural,
está relacionada com as capacidades e talentos e outra a qual chamava de
desigualdade moral (o que seria, no fundo, imoral) a qual era associada às
diferenças econômico-sociais, jurídicas e institucionais.
As desigualdades naturais,
portanto, sempre irão existir, em qualquer sociedade, mesmo numa sociedade de
socialismo avançado, e mesmo no comunismo, não deixará de existir velhos,
jovens, crianças, pessoas deficientes e que, portanto, pessoas que receberão
não conforme seu trabalho, mas conforme suas necessidades, porque se supõe que,
nessa sociedade superior, o desenvolvimento das relações de produção e das
forças produtivas, seja tal, que se cria um fundo social de reserva em
quantidade tão grande que permita dar conta dessas despesas sem com isso eles
(idosos, doentes mentais, entre outros) serem considerados parasitas, pois são
desigualdades intrínsecas da natureza humana.
Até mesmo os que estão em
condições de trabalhar, há desigualdades, pois uns possuem maiores habilidades
e, outros menores, bem como há diferentes condições de saúde, de força do
corpo, entre outras, são desigualdades que precisam ser consideradas e
respeitadas.
Mas, existem aquelas
desigualdades sociais constituídas e consentidas pelos próprios homens e,
conforme Rousseau assinalou, se os que mandavam valem mais do que os que
obedecem.
Para Rousseau, as leis são
criadas pelo homem e para o homem. Somente por conveniência, afirmam que poucos
na sociedade desenvolvem as “luzes” que permitem sua compreensão.
E, assim, já afirmaram uma
desigualdade natural entre os “superiores”, os que conseguem acessar o
conhecimento e os “inferiores”, os que conseguem acessar o conhecimento e os
“inferiores”, aqueles que são incapazes de compreender as leis, apenas precisam
cumprir.
Para Antônio Gramsci tal
questão resta esclarecida pois todos os homens são filósofos, em graus
diferentes e que os obstáculos que se põem à condição de filósofo no verdadeiro
sentido da palavra, a saber, que são religião e o senso comum.
A distinção entre intelectuais
e não-intelectuais refere-se tão-somente à imediata função social da categoria
profissional dos intelectuais. Em resumo, todo homem fora de sua profissão,
desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, um filósofo, um
artista, um historiador, participa de uma concepção de mundo, possui uma linha
consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma
concepção de mundo, ou seja, para promover novas maneiras de pensar.
Portanto, todos os homens são
capazes de compreender as leis, não precisam apenas cumprir. Quem detém o poder
ou riqueza afirma essa “superioridade” no sentido intelectual de ser capaz de
conseguir acessar o conhecimento, como sendo uma coisa natural, convence,
persuade porque tira vantagem do próprio discurso de justificação do seu
poderia e de seu lugar social.
As posições e os papéis de
cada um, vão se perpetuando e exteriorizando-se no poder, no Estado, nas
instituições, legitimando a desigualdade e interferindo na concretização dos
direitos sociais e dos direitos humanos.
A luta pela igualdade,
portanto, é no sentido de eliminar as desigualdades constituídas e consentidas
socialmente, não significando negar que, em sendo cada ser humano peculiar,
suas diferenças serão reconhecidas sempre visando suprir a desigualdade.
Daí, a condenação a uma
convivência aceitável, harmônica e pacífica entre “superiores” e “inferiores”,
patrões e empregados, exploradores e explorados, burgueses e proletários, pois
são essas desigualdades que determinam a chamada questão social, a
discriminação e o racismo.
Na peça de Shakespeare, “O
mercador de Veneza”, a qual, mesmo um representante do que viria ser no futuro
o capital bancário, o judeu rico Shylock, reconhece a igualdade no que se
refere ao ser humano em si, numa situação em que é questionado dos motivos de
sua vingança a um cristão.
SHYLOCK – (...) Ele me deixou
mal, me humilhou (...) E tudo por quê? Por eu ser judeu. Os judeus não têm
olhos? Os judeus não têm mãos, órgãos, dimensões, sentidos, inclinações,
paixões? Não ingerem os mesmos alimentos, não se ferem com as armas, não estão
sujeitos às mesmas doenças, não se curam com os mesmos remédios, não se aquecem
e refrescam com o mesmo verão e o mesmo inverno que aquecem e refrescam os
cristãos? Se nos espetardes, não sangramos? Se nos fizerdes cócegas, não rimos?
Se nos derdes veneno, não
morremos? E se nos ofenderdes, não devemos vingar-nos? Se em tudo o mais somos
iguais a vós, teremos de ser iguais também a esse respeito. (...) Hei de pôr em
prática a maldade que me ensinastes (...). (SHAKESPEARE, 2007, p. 73).
Ainda na mesma peça,
Shakespeare denunciou a posse de um humano sobre os outros, descrevendo a
desigualdade na relação com os escravos, mesmo na fala do mesmo personagem.
In litteris:
SHYLOCK – Que castigo tenho a
temer, se mal algum eu faço? Possuís muitos escravos, que como asnos, cães e
mulos tratais, e que em serviços empregais vis e abjetos, sob a escusa de os haverdes
comprado. Já vos disse que os pusésseis, acaso, em liberdade? Que com vossas
herdeiras os casásseis? Por que suam sob fardos, que lhe désseis leitos iguais
aos vossos? E iguarias que como ao vosso paladar soubessem?
Em resposta, decerto, me
direis: “os escravos são meus”. De igual modo vos direi em resposta, que essa
libra de carne, que hora exijo, foi comprada muito caro; pertence-me; hei de
tê-la. Se esse direito me negardes fora com vossas leis! São fracos os decretos
de Veneza. E ora aguardo o julgamento. Respondei-me: dar-me-eis o meu direito?
(Idem, p. 100-101).
Apesar de o judeu denunciar a
desigualdade humana, a queixa se transforma numa vontade de ter iguais
direitos, o que chama a atenção quando os valores do grupo social são
questionados na mesma lógica, mudam-se apenas os personagens, mantendo-se os
papeis, os mesmos valores impregnados nas ações.
Os sujeitos querem deixar de
serem escravos para se tornarem senhores, ou seja, desejam, no máximo. um dia poder
estar no papel de superior, deixando assim de se sentirem oprimidos, mas, por
consequência, fazendo outros se sentirem oprimidos, perpetuando-se a
desigualdade, apenas trocando de lugar os personagens.
Em sua teoria Marx reconheceu
dois tipos de igualdade, a saber: um que se pauta no princípio "de cada
qual segundo sua capacidade, a cada qual segundo o trabalho realizado". O
outro se baseia no princípio de "cada qual segundo sua capacidade, a cada
qual segundo suas necessidades" (Marx, 1977). Observa-se que, nos dois
tipos de igualdade, ele considerou "de cada qual segundo sua
capacidade", ou seja, em qualquer sociedade, é justo que se exija de cada
um conforme sua capacidade.
No entanto, esse princípio só
se realiza na sociedade pós-revolucionária, saindo dos marcos da sociedade capitalista,
seja no socialismo, ou em sua fase mais avançada que é o comunismo.
E apesar de considerar uma
sensível evolução a revolução burguesa[3], na medida em que rompe com
o feudalismo no qual uns trabalhavam e outros não, a exemplo da aristocracia, o
trabalho não é exigido de cada qual segundo sua capacidade, mesmo que o
espírito do capitalismo seja de que todos trabalhem, até os empresários, e
trabalhem muito para desenvolver a riqueza, ocorre o fato de que muitos com
capacidade não trabalham por viverem do trabalho explorado dos outros e, ainda,
muitos com capacidade de trabalhar não o fazem por falta de emprego resultante
de mão de obra como manobra de baixar o preço do trabalho pago.
Dessa forma, os dois tipos de
igualdade, só poderão se concretizar numa sociedade alternativa ao capitalismo,
com a eliminação de todos os critérios pelos quais a produção e a distribuição
têm sido feitas, ou seja, quando estes critérios atuais da sociedade burguesa forem
considerados ilegítimos e injustos. E, nesse raciocínio, então, fica claro o
entendimento de Marx sobre justiça.
A igualdade é mediada pelas
concepções de justiça em disputa na sociedade. Em sua obra "Crítica ao
Programa de Gotha", Marx afirmou que as relações jurídicas surgem das
relações econômicas e demonstra como, ao se permitir numa sociedade, que uns se
tornem donos das condições materiais de trabalho, o sentido de justiça admite
também que o homem seja escravo de outros homens, na medida em que um só possui
sua própria força de trabalho e depende totalmente dos outros homens que detêm
os meios de produção.
O trabalho não é a fonte de
toda riqueza. A natureza é a fonte, o trabalho é a manifestação de uma força
natural, da força de trabalho do homem que é efetuado com os correspondentes
objetos e instrumentos. Na medida em que o homem se situa de antemão como
proprietário
diante da natureza, primeira
fonte de todos os meios e objetos de trabalho, e a trata como possessão sua,
seu trabalho converte-se em fonte de valores de uso, e, portanto, em fonte de
riqueza.
Os burgueses têm razões muito
fundadas para atribuir ao trabalho uma força criadora sobrenatural; pois
precisamente do fato de que o trabalho está condicionado pela natureza deduz-se
que o homem que não dispõe de outra propriedade senão sua força de trabalho,
tem que ser necessariamente, em qualquer estado social e de civilização,
escravo de outros homens, daqueles que se tornaram donos das condições
materiais de trabalho.
E não poderá trabalhar, nem, por conseguinte, viver, a não ser com a sua permissão. (Marx, 1977).
No modo de produção
capitalista, as condições materiais de produção são entregues aos que não
trabalham sob forma de propriedade do capital e propriedade do solo, enquanto a
massa é proprietária apenas da (...) força de trabalho.
A distribuição depende, e, é
consequência do modo de produção. Porém, mesmo numa sociedade que supere o
capitalismo, na qual os meios de produção sejam coletivizados, o princípio de
distribuição ainda não pode ser igual numa primeira fase, que se configura no
socialismo, ao da sua etapa mais avançada que é o comunismo. E, num primeiro
momento, a distribuição é feita a cada qual segundo o trabalho realizado.
Este direito igual continua
trazendo implícita uma limitação burguesa. O direito dos produtores é
proporcional ao trabalho que prestou; a igualdade, aqui consiste em que é
medida pelo mesmo critério: pelo trabalho.
Esse primeiro tipo de
distribuição, não equivale ainda a uma igualdade plena, totalmente justa, que
seria o tratamento igual, porque, se cada um só recebe pelo trabalho realizado,
como ficam os que não têm a mesma capacidade?
A capacidade e o talento de
cada um são muito diversos, além disso, podem ser inatos, ou seja, naturais, de
cada indivíduo como as diferenças no aspecto da força física, idade, saúde etc.,
depende também das condições ambientais, das situações familiares, e, nestas
situações, a capacidade de trabalho diminui ou inexiste, como é o caso das
crianças, dos idosos, dos doentes físicos ou mentais, entre outros.
Sendo assim, capacidade
distinta implica em potenciais e limites distintos por consequência, menos
capacidade de trabalho, menos recebe. E, é assim que ocorre no primeiro tipo de
igualdade.
Outro aspecto é a consciência.
Nessa primeira fase, trata-se de corresponder a uma etapa do desenvolvimento da
consciência individual e coletiva.
Os marxistas tratam o problema
das desigualdades vendo-as como um problema crônico do capitalismo, um problema
que ainda é inevitável numa sociedade socialista.
Na mesma crítica, Marx chamou,
de socialismo inferior ou de primeira fase, inferior no sentido de etapa do socialismo,
um socialismo ainda inicial, logo após a revolução, portanto, um socialismo que
ainda herda algumas mazelas da sociedade da qual ele se originou.
Qual característica teria essa
ideia de igualdade e desigualdade nesse socialismo inferior? A principal é o
princípio de distribuição que ainda é feito com base no trabalho, primeiro no
sentido de reeducação das pessoas, para elas terem estímulo para o trabalho e
descobrir as virtudes emancipatórias do trabalho realmente livre, isto é, uma
ambiência social na qual o trabalho não seja uma mercadoria, o que requer uma
sociedade de produtores.
É de se notar que, no
socialismo de primeira fase, não se pode cogitar ainda numa construção plena da
justiça, na medida em que as pessoas que vão construir esse socialismo ainda
trazem a ideologia, a consciência de outra sociedade, e por isso que há luta de
classe do socialismo de primeira fase, porque ainda haverá aqueles resquícios da
sociabilidade burguesa pelos quais algumas pessoas ainda vão, o preguiçoso, por
exemplo, encostarem aos mais eficientes, o que não tem uma consciência política
mais elevada para o trabalho social vai render menos, o que aponta para a
questão, mesmo no socialismo, da luta de classes.
Então, nessa primeira fase, a
distribuição não é, ainda, uma distribuição igual para todos. É uma
distribuição conforme o trabalho, portanto, uma distribuição que,
eventualmente, como já se viu pela experiência de construção do capitalismo em
alguns países, ainda tem estímulo ao trabalho, a chamada emulação e, ainda, tem
que se travar uma luta política[4] e ideológica em relação
aos que resistem à nova sociedade, o que pode implicar em algum nível de
coerção para que eles se integrem ao esforço social.
A intensificação desse nível
de coerção, evidentemente, não é algo abstrato, é algo que depende da
resistência desses setores ao avanço da luta de classes e de uma série de
outros fatores e que é feito em cada país de acordo com sua realidade.
Nessa primeira fase
instaura-se um princípio de distribuição que não equivale ainda a uma igualdade
plena, que seria um tratamento absolutamente igual. Note-se que já há, nessa
nova sociabilidade, do socialismo de primeira fase, uma diferença substancial
em relação à igualdade capitalista, a qual é – ela mesma - uma igualdade
abstrata na medida em que formalmente aplicada a todos os indivíduos, resulta,
na prática, deles recebem um tratamento desigual materialmente cogitando.
O outro tipo de igualdade, em
etapa mais avançada da sociabilidade humana, é aquela que se baseia no
princípio de cada qual segundo sua capacidade, a cada qual segundo suas
necessidades, que corresponde à fase superior do socialismo, pois o direito não
pode ser nunca superior à estrutura econômica nem ao desenvolvimento cultural
da sociedade por ela condicionado.
Na fase superior da sociedade
comunista, quando com o desenvolvimento dos indivíduos em todos seus aspectos,
crescerem também as forças produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da
riqueza coletiva a sociedade poderá inscrever em suas bandeiras: De cada qual,
segundo sua capacidade; a cada qual, segundo as suas necessidades.
Somente no comunismo é
possível um tratamento igual aos seres humanos com todas suas necessidades
forçosamente desiguais, porque a individualidade será sempre singular e uma
socialização superior não nega ao indivíduo e, sim o individualismo.
É fundamental fortalecer o
indivíduo até porque, numa lógica de indivíduo fracos não se pode esperar a
construção de coletivos fortes. E, essa etapa do desenvolvimento só pode ser
possível a partir de uma elevação enorme das forças produtivas, um avanço nas
relações de produção a tal ponto que seja possível criar um fundo social e
econômico, que permita que essas desigualdades sejam eliminadas.
As classes exploradoras e o
individualismo, em uma sociedade de socialismo superior, ou serão eliminados ou
serão tidos como resquícios primitivos de um período de barbárie, pelo que o
pré-requisito de tal sociedade será a eliminação desses resquícios, porque a
base de sua existência que era a propriedade privada, o controle privado dos
meios de produção deixou de existir, embora até hoje, não se conheça nenhuma
sociedade de nível absolutamente superior, ou seja, uma sociedade comunista,
porque isso pressupõe uma transformação mais geral também do mundo.
Nessa sociedade superior,
então, se espera que o desenvolvimento das relações de produção e das forças produtivas
seja tal, que se passa a ter um fundo de reserva público suficiente para dar
conta das crianças, velhos e dos doentes, sem com isso, eles sejam considerados
parasitas do esforço social.
Uma sociedade que assegure os
meios de vida adequados a todos implica também na superação do desejo egoísta universal
de possuir cada vez mais, na ultrapassagem da hierarquização de poder
prestígio, na perspectiva de motivação para valores não somente materiais e na
plena garantia, a todos, de atividades satisfatórias e relações sociais que respaldem
concretamente tais atividades e meios de vida. Isso seria o que se pode chamar
de viver sob um modelo material e formalmente justo.
Portanto, fica explícito para
Marx, a justiça equivale as condições concretas de igualdade humana, passando
não apenas pelas garantias formais de igualdades, essas, necessárias, mas não
suficientes, mas concomitantemente, garantindo sua plena concretização, pela
via de plenitude dos direitos sociais e humanos. Nesse sentido, que Marx
criticou a concepção liberal sobre o direito, refletida na tensão entre
justiças formal e concreta.
Cumpre ainda esclarecer a
distinção existente entre justiça formal e justiça material. Quando se trata da
primeira, é de se notar que esta é puramente procedimento (que é forma), ou
seja, há regras que garantem a possibilidade de se demandar por um dado
direito, mas não significando isso, ainda que o indivíduo tenha o direito
àquele direito, que o mesmo venha a ser implementado.
Essa distinção, que permeia e,
é especial a toda a tradição liberal, sempre buscou nublar, que a efetivação de
uma dada garantia implica em dotar a mesma de seu elemento material. Por conta
disso, muitas conquistas no plano social, por vezes, não saem do papel.
Marx criticou a concepção
liberal sobre o direito, criticou a lei que castigava a coleta de lenha (uma
prática consuetudinária), qualificando-a como fruto. Nesse escrito, publicado
pela Gazeta Renana, em 1842, ele aponta para tensão permanente entre forma e
conteúdo, no exame dos direitos, ao tratar da distinção entre se apossar de coisa
de ninguém e roubar ou furtar.
Adiante, Marx apontou acerca
das relações entre forma e conteúdo que, por exemplo, a imparcialidade é só a
forma, nunca o conteúdo do direito. E que, se o processo for nada mais que
forma carente de conteúdo, tais formalidades careceriam de valor visto que toda
forma é sempre o molde de um determinado conteúdo.
Além da não efetivação do que
já está formalizado, ainda se pode questionar dizer-se que um ato é justo quando
resulta da aplicação de certa regra. Mas, quando se pode dizer que esta é
justa? Tal raciocínio abstrai quem determina as leis e não questiona os valores
que estão na base dos critérios que as definem.
Sobre esse prisma, Rawls[5] tentou definir o princípio
de justiça elaborado por pessoas que estão sob "véu da ignorância”, não
sabendo qual a posição ocupará após sua escolha, na sociedade. Todavia,
pressupõe que nesta sociedade haja posições desiguais que serão ocupadas pelos
que elegeram os princípios de justiça de uma forma autônoma.
Com este artifício, Rawls se
distancia de uma visão realista e fundamenta sua teoria sobre a base de uma
concepção abstrata de homem desvinculado da vida concreta, do concreto
sociopolítico cultural e econômico das suas relações de classe e dos vínculos comunitários
e familiares. Pode-se dizer, antes de tudo, que esta concepção de homem
abstrato e a-histórico vai de encontro a suas pretensões de consideração da
pessoa moral como pessoa racional, já que na sua concepção, a capacidade de
planejar a própria vida vai acontecer sem o referimento à realidade.
(...) o critério daquilo que é
justo vem definido no tratamento das desigualdades (...) de caráter
essencialmente procedimental do tipo de justiça de que fala Rawls. A postura
adotada se distancia de uma interpretação das desigualdades como fenômeno
social e histórico, enraizado na questão social, que é a tese central do Estado
social.
Assim, a justiça social não se
põe como resposta aos problemas da questão social, e toda sua teorização se
distancia de qualquer referimento às determinações socio político-econômicas
das desigualdades.
O que importa para Rawls é a
igual cidadania e por isso a discussão se concentra nas formas legislativas e constitucionais
que garantem o direito.
A defesa da propriedade
privada está no centro da tese de Rawls, que afirma no prefácio de “Uma teoria
da Justiça” à edição brasileira em 1990, ser possível uma democracia[6] da propriedade privada,
(...) não pela redistribuição
de renda em favor daqueles que têm menos ao fim de cada período, mas sim
assegurando a posse amplamente difundida de ativos produtivos e capital humano (qualificações
profissionais e habilitações técnicas) no início de cada período, tudo isso
sobre uma base de liberdades básicas iguais e igualdade equitativa de
oportunidades. (RAWLS, 1997)[7].
Ou seja, a igualdade estaria
nas “oportunidades”, como se, na sociedade de desiguais, as oportunidades
pudessem ser iguais. A lógica continua na formalidade. Quando que uma pessoa
que não tem trabalho, não tem onde morar, o que comer vai participar das mesmas
oportunidades dos que têm.
No entanto, essa racionalidade
formal vem sendo afirmada pelos governos liberais e difundida amplamente pela
mídia, que prega o desenvolvimento do “ativo produtivo e capital humano”, pelo
incentivo à capacitação, colocando no indivíduo a responsabilidade de buscar se
qualificar, como se isso, por si, garantisse acesso a emprego, renda, muito
menos à propriedade.
São argumentos que não conseguem
demonstrar como tal “democracia da propriedade privada” impediria a disparidade
de riquezas e poder por elas permitida. Trata-se, portanto, de visões no campo
apenas formal de justiça e não de sua concretização.
Por isso é que, para abordar cientificamente o problema das desigualdades na sociabilidade capitalista é questão prévia que se firme um conceito de partida acerca do que se quer dizer – e em que sentido alguém se vale, no discurso das ideias de igualdade e desigualdade, ou seja, trata-se de clarear o seu significado (semântica), sua relação com outras categorias analíticas (sintaxe) e o seu uso no discurso prático (pragmática da linguagem).[8]
Cumpre destacar, ao fim dessa
parte e para dar conta do problema da justiça e igualdade é que os beneficiários
de acordo com as necessidades, não sejam considerados, ou enquanto parasitas,
ou enquanto alvos da caridade pública como, num caso, no outro ou em ambos, são
vistos na sociabilidade capitalista.
Isto é, eles são e só podem
ser vistos, como portadores de desigualdades intrínsecas a uma dada condição de
sua própria humanidade, pois mesmo os que estão em condição de trabalhar, uns
têm mais habilidades e outros menos, assim, como a condição de saúde, da força
do corpo, entre outas, são desigualdades que precisam ser consideradas e
respeitadas.
Por isso, trata-se de localizar,
precisamente, a contradição existente entre uma concepção de justiça que vise eliminar
as desigualdades formais e materiais e a práxis do serviço social no interior
de uma sociedade ao mesmo tempo injusta e desigual.
A grande distinção entre a
justiça formal e material ou concreta, é que a primeira é puramente
procedimental, ou seja, se preocupa com sua exterioridade, com seu aspecto
formal, visto que o procedimento é meramente a forma.
A priorização somente das
regras que garantam a possibilidade de se demandar por certo direito sem que
isso resulte que o indivíduo tenha em sua vida empírica, isto é, concretamente,
a aquele direito, isto é, o fato de tê-lo formalmente, não resulta que o mesmo
venha ser efetivamente implementado.
Para melhor entendimento do
significado do princípio da justiça há de se recorrer à sua interpretação historicamente
dada desde a tradição, confrontando-as, pois, como foi visto, suas concepções
implicam em visões rivais.
Deve-se também, se refletir
acerca de sua implementação nas formas de organização de sociedades que nos
antecederam, pelo que se busca respaldo na filosofia e nesta recolhendo dois
significados principais de justiça, a saber:
1º) Justiça como conduta, como
conformidade do comportamento humano a uma norma, como vontade de dar a cada um
o que é seu. E, o que cabe a cada um já está determinado por uma lei. Neste
sentido, a justiça consiste simplesmente na manutenção dos pactos. (ABBAGNANO,
2003).
2º) Justiça se referindo à
própria norma jurídica, expressada eficiência quando é capaz de possibilitar as
relações humanas. Para ser justa, uma norma deve adequar-se a um sistema de
valores qualquer. Com frequência se recorre à felicidade, utilidade, liberdade
e paz.
O segundo sentido parece mais
pertinente de ser adotado, tendo em vista que o primeiro nos reporta a uma interpretação
inspirada em Kant[9]
da justiça, enquanto apenas formalmente condicionada a uma norma e, por isso
mesmo, aparece como princípio apriorístico que deve ser obedecido pelo puro
dever de cumprimento da norma, ou seja, imperativo, entendido enquanto regra
prática em virtude da qual uma ação, em si mesmo contingente, se converte em
necessária a ação subjetivamente contingente.
Enfim, “o imperativo
categórico ou absoluto é o que pensa e impõe necessariamente uma ação”, pela
razão e não por uma necessidade externa de se ser moral, bom, virtuoso e justo
(KANT, 1993).
Lembrando que em Aristóteles
em sua obra " Ética a Nicômaco"[10], a justiça é conceituada
como aquela disposição de caráter a partir da qual os homens agem justamente e
refere-se ao conceito de justiça enquanto virtude por excelência, que reúne em
si todas as demais virtudes, e por isto, pode ser considerada a síntese da
busca da felicidade e do bem. Nesse sentido, a justiça pode ser distributiva ou
comutativa.
A justiça distributiva diz
respeito à relação entre indivíduos singulares e o Estado e se materializa na
atividade pública que gesta os bens para que todos possam atender suas
necessidades.
Observa-se que mais uma vez se
recorre ao sentido da felicidade que não se restringe a um estado de alma, a um
sentimento abstrato de satisfação das necessidades espirituais, mas se coaduna
com a própria vivência de uma sustentação material que atenda às necessidades
concretas dos seres humanos.
Já a justiça comutativa, por
sua vez, considera a relação entre os membros de uma sociedade. Sendo assim,
pode-se atribuir, atualmente, um valor que confere às classes sociais um
caráter de distribuição da riqueza produzida socialmente, considerando-se que
entre os membros de uma mesma sociedade não deve existir dívidas, nem uma
relação de predominância de um sobre o outro.
É evidente que a noção de
classe social vai ser formada muito mais tarde, na sociedade burguesa e
Aristóteles não conhecia a divisão da sociedade em classes.
Todavia, sua noção de justiça
comutativa referia-se aos membros da polis, considerados todos os seus membros
cidadãos e iguais entre si. Daí nossa alusão a uma compreensão da justiça
comutativa aplicada à sociedade de classes, na qual, do ponto de vista legal,
trabalhadores e patrões são considerados iguais e gozam dos mesmos direitos.
Essa não percepção da
integridade do problema não diminuiu, aos olhos de Marx, a grandeza de
Aristóteles. Para Marx, o estagirita só não fez as descobertas relativas à
mais-valia porque vivendo numa sociedade escravagista não lhe foi possível ver
além de seu próprio tempo.
Na concepção clássica de
Aristóteles, a justiça como virtude é como mencionado anteriormente uma espécie
de meio termo entre dois extremos, o equilíbrio entre dois vícios como escassez
e o excesso. Cumpre destacar que equidade e justiça não são absolutamente
idênticas. Equidade é justo e superior a uma justiça porque é uma espécie de
justiça que se aplica aos fatos particulares e específicos a exemplo dos
decretos.
Sua definição de justiça e
equidade conduz mais com a realidade, porque ajusta a lei para que ela
contemple cada caso particular. Portanto, na sua concepção, uma das formas de
justiça consistiria em tratar desigualmente os desiguais.
Se as pessoas não são iguais,
não receberão coisas iguais; mas isso é motivo de disputas e queixas (como
quando iguais têm e recebem partes desiguais, ou quando desiguais recebem
partes iguais).
Ademais, isso se torna
evidente pelo fato de que as distribuições devem ser feitas “de acordo com o
mérito de cada um”, pois todos concordam que o que é justo com relação à
distribuição, também o deve ser com o mérito em um certo sentido, embora nem
todos especifiquem a mesma espécie de mérito: os democratas o identificam com a
condição de homem livre, os partidários da oligarquia com a riqueza (ou nobreza
de nascimento), e os partidários da aristocracia com a excelência. O justo é,
por conseguinte, uma espécie de termo proporcional. (ARISTÓTELES, 2002).
A contribuição de Aristóteles
a essa questão foi reconhecida explicitamente por Marx e Engels, que
consideravam o filósofo o mais genial de todos os gregos.
Enfim, na sociabilidade
capitalista, em razão da apologia à propriedade privada, esse modelo herdado de
Aristóteles, pelo qual uma das formas de justiça consistiria em tratar
desigualmente os desiguais, é apresentado de forma descontextualiza e tratado
como valor atemporal.
Infelizmente, a linguagem da moralidade está
em grave confusão e o que desta se herda são fragmentos de um esquema
conceitual aos quais faltam os contextos de onde deveriam ser extraídos os seus
significados, o que resulta em aprofundar, ao invés de eliminar, a própria
desigualdade. Ainda dentro da concepção aristotélica, a justiça e injustiça
parecem ser termos ambíguos, mas, como seus diferentes significados se
aproximam, é possível determinar um ponto de partida.
Na concepção clássica de
Aristóteles, a justiça como virtude é como mencionado anteriormente uma espécie
de meio termo entre dois extremos, o equilíbrio entre dois vícios como escassez
e o excesso.
Cumpre destacar que equidade e
justiça não são absolutamente idênticas. Equidade é justo e superior a uma
justiça porque é uma espécie de justiça que se aplica aos fatos particulares e
específicos a exemplo dos decretos. Sua definição de justiça e equidade conduz
mais com a realidade, porque ajusta a lei para que ela contemple cada caso
particular. Portanto, na sua concepção, uma das formas de justiça consistiria
em tratar desigualmente os desiguais.
Assim, como ponto de partida,
determinemos as várias acepções em que se diz que um homem é injusto. Tanto o
homem que infringe a lei, tal como os homens gananciosos e ímprobos são
considerados injustos, de tal modo que tanto aquele que cumpre a lei como o
homem honesto obviamente serão justos. O justo, portanto, é aquele que cumpre a
lei e é probo, e o injusto é o homem sem lei e ímprobo.
Uma vez que o homem injusto é
ganancioso, a questão deve estar relacionada com bens. (...) as leis visam à
vantagem comum, seja a de todos, seja a dos melhores ou daqueles que detêm o
poder ou algo semelhante, de tal modo que, em certo sentido, chamamos justos os
atos que tendem a produzir e a preservar a felicidade e os elementos que a
compõem para a sociedade política. (ARISTÓTELES, 2002)
Uma questão decisiva é saber
quem define as leis. Pois os critérios para tal serão de acordo com sua
situação na sociedade, lembrando ainda que na época de Aristóteles, as mulheres
e os escravos não eram considerados cidadãos, portanto, não compunham a
sociedade política e, em sendo assim, a essência da justiça estaria em validar e
reforçar a ordem social.
Ora, as noções de igualdade e
justiça, que perpassam a cultura ocidental vêm, desde a Antiguidade, adquirindo
significados diferentes em cada época e em cada contexto histórico e, na
cultura contemporânea, é este o fio condutor que aponta diretamente para a
concepção dominante do que sejam a justiça, os direitos humanos e os direitos
sociais.
E, para situar o busilis não
se pode deixar de observar que a modernidade ressignificou o conceito de
igualdade, ampliando-o por via do iluminismo de 1789 e instaurando a ideia dos
direitos humanos, mas, colocando como um de seus aspectos centrais o direito à
apropriação privada de riquezas cuja produção é social.
Essa inclusão da apropriação privada
por alguns enquanto "direito humano" (uma das coisas mais inumanas,
pois, que exclua a maioria em favor de uma ínfima minoria) ao tempo em que
refletia a hegemonia política e ideológica do setor social que pretendia
legitimar juridicamente seu predomínio, não foi algo que se deu sem resistência
intelectual.
Rousseau, no chamado “Segundo
Discurso”[11]
denunciava o caráter falacioso de tal direito pelo qual a apropriação privada de
riquezas funciona como direito oponível contra todos e que, portanto, e
contraditoriamente, exclui todos os demais desse direito, supostamente geral.
São legitimados aqueles que,
ao cercarem um terreno, tiveram a audácia de dizer, isto é, meu e encontraram
gente bastante simples para nele acreditar, “não havendo quem gritasse a seus semelhantes
que aquele homem era um impostor, na medida em que os frutos pertencem a todos
e a terra é de ninguém” (Rousseau, 2009), assim como o ar e a água.
Desde os primórdios, para
Rousseau, quando o homem começa a cultivar a terra, dividi-la e, reconhecer a
propriedade, afirmando-a como "sua", já se configuram as primeiras
regras de justiça, como as leis, por exemplo, que determinam a quem pertence o
bem. Daí, a noção de justiça que diz "a cada um o que a lei lhe
atribui". Porém, quem determina a lei e o que fazem as leis senão
legitimarem a apropriação original? Ele lembra que, na origem, o trabalho dá
direito ao cultivador sobre o produto da terra que ele lavrou e, pelo menos até
a colheita, tem o direito sobre o terreno.
Na base da crítica de
Rousseau, e de toda tradição que questiona o direito de propriedade está a
concepção jurídica que diferencia posse e propriedade. Pois posse é a detenção
da coisa com objetivo de tirar desta qualquer utilidade econômica e,
propriedade é o direito de usar, gozar e dispor de bens e, de reavê-los do
poder de quem injustamente os possua.
Na construção do conceito de
justiça, destaca-se o liberal John Locke, antecessor de Rousseau, que também
influenciou os iluministas. E, em sua obra "Segundo tratado sobre o
Governo", as posses tornam-se propriedade através do trabalho que
acrescenta valor, deixando o estado natural nas quais pertence igualmente a
todos para, por direito, se tornar propriedade sua.
John Locke é considerado o pai
do empirismo, teórico e político e social que tanto inspirou os iluministas do
século XVIII. E, sua obra de 1690 é a base do liberalismo moderno e exerce
notável influência no pensamento ocidental.
Desta forma, pelo trabalho, o
homem tira da natureza e se apropria para si mesmo. Porém, o que dizer quando o
trabalho é social? Porque se permite a apropriação privada de bens constituídos
coletivamente e depois a lei, a justiça legitima os que se apropriaram?
Para ele, o poder político se
constitui no direito de elaborar leis, incluindo pena de morte, no intuito de
regular e conservar a propriedade, e de utilizar a força para garantir tais
leis e para protegê-la de ofensas externas. (LOCKE, 2002).
Locke[12] se posicionava contrário
ao absolutismo, afirmando não existir poder inato e de origem divina. E, em sua
obra defendeu que o Estado e o poder nascem de um pacto social entre os homens.
Antes desse acordo, os homens viviam em estado natural, isto é, todos iguais e
governados pela razão onde a lei da natureza permanece nas mãos dos indivíduos.
Entre os direitos naturais, para ele, está o direito de propriedade e considera
natural do homem a vida, a liberdade e as posses.
Um homem livre se torna servo
de outem vendendo-lhe o serviço, passando à tutela disciplinar dele, outorgando
poder temporário sobre si próprio estabelecido no seu contrato. Já os escravos,
“prisioneiros tomados em guerra justa, estão sujeitos, por direito de natureza,
ao domínio absoluto e ao poder arbitrário dos senhores”. Perdem a vida e com
ela a liberdade, não podendo ter qualquer posse e, “não se podem considerar, portanto,
como parte de sociedade civil, cujo fim principal é a preservação da
propriedade”. (Locke, 2002).
Com isso, Locke justifica a escravidão
e admite que os indivíduos sem propriedade não fazem parte da sociedade civil e
não são sujeitos de direito. Até hoje, de diferentes formas, os não proprietários
continuam sem a garantia dos direitos pelo Estado.
Ainda sobre a temática das leis e justiça, pode-se apontar outro relevante pensador iluminista, Voltaire[13], através de sua notável obra intitulada "O preço da justiça" escrita em 1777, sendo, portanto, depois do segundo discurso de Rousseau. Onde o doutrinador denuncia que as leis são variáveis como os homens que as fizeram, que algumas foram ditadas pelos poderosos para esmagar os fracos, que o Estado deveria prevenir antes de punir.
Durante muito tempo da Idade
Média, sob o signo da ignorância, superstição, fraude e barbárie, a Igreja que
sabia ler e escrever ditou as leis em toda a Europa, que só sabia beber, brigar
e confessar-se aos monges.
Eram leis que impunham o
extermínio de todos os hereges, como crime de lesa-majestade divina com máxima
gravidade.
E, em todas as situações,
incube à sabedoria dos governantes ditar as leis, tornar proporcional cada pena
e cada delito e refrear réus e juízes.
O coração se entristece e a
mão treme quando nos lembramos de quantos horrores saíram do seio das próprias
leis. Seríamos tentados a desejar que todas as leis fossem abolidas, e que
outras não houvesse além da consciência e do bom senso dos magistrados.
Mas quem pode garantir que
essa consciência e esse bom senso não se extraviam? (...) É preciso ter
dinheiro para exigir justiça numa revisão, mas as pobres famílias que a
requereriam estão reduzidas à mendicância, enquanto [outros] (...) discutem alegremente
sobre jardins públicos, óperas cômicas, fusas e semifusas. (VOLTAIRE, 2006).
Quer as leis feitas pelos
ricos, pela Igreja ou pelo governo encontram enorme variação de critérios, pois
são leis feitas pelos homens, defendendo seus próprios interesses e atribuindo
"verdade e justiça do lado de cá deste regato"; erro e injustiça do
lado de lá. Assim como o adultério das mulheres era um crime visto terem sido
os homens que fizeram as leis. Enxergaram-se como proprietários de suas
esposas, elas são um de seus bens; o adultério rouba, introduz nas famílias
herdeiros estranhos.
Chamava à atenção de Voltaire[14] a crueldade praticada em
nome das leis e perguntava se não seria possível diminuir o número de delitos,
tornando os castigos mais vergonhosos e menos cruéis, com torturas, fogueiras
etc. E, aplicando castigos úteis, obrigando o condenado a servir, causando
vergonha, com finalidade de dar exemplo e de educar.
Contemporaneamente, torna-se
mais difícil enxergar as injustiças porque não sejam mais tão assassinas como
antes, se mata de outras formas, tal como pelo abandono das massas no direito a
vida, na apropriação privada dos meios e das riquezas socialmente produzidas,
formas de crueldade que restam diluídas no grande discurso pós-moderno, na
liberdade de mercado, na livre iniciativa, na igualdade puramente formal de
oportunidades, na moralização da questão social cujas expressões estão na fome,
na miséria, que se constitui em verdadeira tortura, mas que, fica quase invisível
quem são os autores das injustiças, porque se atribui ao próprio indivíduo a
solução de seus problemas.
Na acepção liberal, a lógica é
o direito individual e, ver o sujeito de direito como indivíduo é assim na
concepção liberal das revoluções burgueses do século XIX e não como resultado
histórico, constitui-se num erro metodológico de imaginar uma suposta produção
desse indivíduo fora da coletividade.
E isso, por fim, se dá, no
entendimento aqui desenvolvido, pelo fato de que o discurso liberal justifica o
direito de propriedade, cujo centro é a apropriação privada dos meios de
produção e que é a fonte fundamental das desigualdades sociais.
Assim, o que interessa se esclarecer é que,
como formulado pela visão liberal, essa concepção de justiça não passa de um
modelo que pretende nublar seu caráter classista sob uma construção que, em
última instância, mantém a ficção legalista de igualdade enquanto direito
abstrato, isto é, formal.
Em Rawls[15], bem como toda a tradição
liberal, a justiça não se põe como resposta aos problemas da questão social. Ao
contrário. Fidelíssimo à tradição liberal, sua teorização se distancia de
qualquer referimento às determinações sócio-político-econômicas das
desigualdades, o que é feito para garantir o modelo teórico do "véu de ignorância
e o respeito ao que chama de "posição original"[16]. (RAWLS, 2006), porque em
seu referencial teórico o que importa é a igual cidadania (formal), ainda que
tente compatibilizar o problema defendendo que as liberdades básicas não seriam
meramente formais, mas, mesmo sob esse argumento, sua discussão se centra em
torno dos mecanismos que, ao fim e ao cabo, enfatizam o caráter formal do
direito.
O principal questionamento é
saber em qual sentido de justiça numa sociedade desigual, isto é, qual a
concepção societária garante para além da emancipação político, a emancipação
humana?
Há de se examinar o conceito
de justiça e se estabelecer previamente quais os pressupostos necessários a sua
formulação pelos campos e interesses rivais, por que ao lidar, e é isso que
interessa nesta tese, com o enfrentamento da chamada questão social, a visão de
mundo liberal se vale das políticas sociais e não eliminá-la, contribuindo
assim, no terreno das ideias, e otimizar o funcionamento da lógica do capital, por
isso o seu discurso é totalmente formal, se restringindo aos problemas da
desigualdade enquanto problemas de mera técnica e não enquanto resultantes de
escolhas de políticas de classe e cuja justificação é ideologia produzida a fim
de, com isso, justificar o existente enquanto fenômeno supostamente inevitável.
Todos esses questionamentos demonstram que a perpetuação, por exemplo, da noção de justiça a cada qual segundo sua posição, aquela, conforme já mencionada, que reparte os humanos em superiores e inferiores, se dá num processo de reprodução através das relações sociais, cuja compreensão envolve não apenas um problema teórico, mas também que tem rebatimento nas práticas cotidianas, inclusive dos advogados, assistentes sociais e, outros operadores, quer daqueles que aplicam e praticam o conhecimento construído, quer daqueles que o formulam.
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Notas:
[1]
A teoria marxista reconhece dois tipos de igualdade que correspondem às duas
fases da sociedade pós-revolucionária. Na primeira, o princípio de cada qual
segundo sua capacidade, a cada qual segundo o trabalho realizado. Esse
princípio de distribuição ao contrário do que pretendem os defensores da
sociedade capitalista atual, só se concretizará na sociedade pós-
revolucionária, onde todos os outros critérios pelos quais a distribuição tem
sido feita serão abolidos como ilegítimos e injustos. Mas, com as diferenças
nas realizações individuais são, pelo menos em parte, resultado de diferenças
de talento e capacidade são inatas ou produto das condições ambientais, e, como
as situações familiares e condições de vida dos diferentes indivíduos são muito
diversas ( desde diferenças no físico e as correspondentes necessidades de
vestuário, e alimentação, até as diferentes responsabilidades impostas por
diferenças no tamanho da família etc.), esse princípio de distribuição não
equivale a uma igualdade justa, pois, embora uma igualdade abstrata seja
formalmente aplicada a todos os indivíduos, eles recebem na realidade um
tratamento materialmente desigual.
[2]
Rousseau expõe que a desigualdade é quase nula no estado de natureza,
limitava-se à esfera física, obtendo força e crescimento com o desenvolvimento
de nossas faculdades e os progressos do espírito humano, tornando-se estável
pelo estabelecimento da propriedade e das leis. Rousseau divide a desigualdade
entre os homens em duas formas representativas: a desigualdade natural e física
e a desigualdade moral e política. A
primeira, natural e física, representa as diferenças de idades, fisiológicas e
anatômicas. A segunda, a desigualdade moral e política, é fruto de uma espécie
de convenção estabelecida ou autorizada pelo consentimento dos homens. Estas
duas formas de desigualdades representam os passos cruciais que ajudam a
distinguir o que é natural e o que é convencionado entre os homens, permitindo
compreender o argumento rousseauniano sobre o início da sociedade que se forma
na transição do estado de natureza para o estado civil. Neste contexto, a
propriedade privada é um elemento chave que promove mudanças e conflitos dentro
da recente estrutura social demarcando o início da ordem civil e o
desenvolvimento da desigualdade moral e política como resultado dos interesses
entre as relações de posse e de direito sobre a terra.
[3]
A visão de Marx tinha da democracia burguesa, que se caracteriza pelo sufrágio
universal, pelas liberdades políticas, pelo império da lei e pela competição
política, era, porém, complexa e sensível às suas possibilidades
contraditórias. Sobre a república democrática burguesa ele escreveu, na segunda
parte de “As lutas de classes” na França de 1848 a 1850, que sua constituição
sanciona o poder social da burguesia, ao mesmo tempo em que retira as garantias
políticas desse poder, impondo-lhe condições democráticas que, a todo momento,
contribui para a vitória das classes que lhe são hostis e põem em risco as
próprias bases da sociedade burguesa.
[4]
O enigma que Marx identifica na política moderna, isto é, a contradição entre o
Estado e a sociedade civil. A verdadeira democracia como um conceito que é em
sua essência normativo. A excepcionalidade do conceito marxiano de democracia
encontra-se revelada nas palavras de Engles. Não se trata da democracia real,
aquela que se verifica hoje empiricamente ao redor do mundo e, que no século
XIX a Europa inteira estava apressando-se em adotar.
[5]
Rawls foi autor de obras relevantes para a filosofia moral e política, como Uma
Teoria de Justiça (2008) e Justiça como Equidade: uma reformulação (2003) e O
Liberalismo Político (2000). Nesses escritos ele expõem sua teoria de justiça
como equidade, visando estabelecer um parâmetro de justo para uma sociedade
bem-ordenada, onde os indivíduos teriam acesso a liberdade e chances equânimes,
enquadrando-se como liberal-social no diagrama político. Uma das principais
críticas ao trabalho de John Rawls é a falta de aplicação prática à realidade
institucional brasileira, já que se trata de uma obra abstrata e tem por base
de formulação o sistema estadunidense. Porém, como o próprio autor escreve em
sua obra, a teoria por ele formulada contém o caráter de abstração objetivando
a aplicação em qualquer sistema democrático, não apenas em um específico.
Determinados temas não são tratados como: quem são os menos favorecidos, quais
instituições devem existir ou que sistema de governo seguir, para que o
intérprete adeque a teoria à própria realidade onde vive.
[6]
Afirmou Marx que a democracia é o enigma resolvido de toda constituição. Mais
do que conceber a democracia. A trata como enigma resolvido se apresenta como
respostas para os problemas suscitados pelas formas políticas. O principal
destes problemas, de acordo, com Marx, refere-se à contradição entre Estado e a
sociedade civil. É o enigma da modernidade política que tão cedo pode
diagnosticar.
[7]
Rawls, em sua teoria da justiça, justiça como equidade, apresenta os princípios
básicos que irão instituir uma sociedade bem-ordenada, possibilitando que se
atinja um sistema de cooperação equitativa entre seus cidadãos e que, através
desses princípios, sejam garantidas as liberdades e igualdade entre eles.
[8]
O enigma que Marx identifica na política moderna, isto é, a contradição entre o
Estado e a sociedade civil. A verdadeira democracia como um conceito que é em
sua essência normativo. A excepcionalidade do conceito marxiano de democracia
encontra-se revelada nas palavras de Engles. Não se trata da democracia real,
aquela que se verifica hoje empiricamente ao redor do mundo e, que no século
XIX a Europa inteira estava apressando-se em adotar.
[9]
A ideia de justiça em Kant está mais voltada para a organização da sociedade e,
por conseguinte, do Estado. Seu critério de justiça propõe que uma conduta
justa é aquela que está de acordo com as leis externas criadas racionalmente e
a injusta é aquela que as contraria. É onde propôs a famosa frase “Sapere
aude!” (lema latino que pode ser traduzido como “Atreva-se a conhecer!”), salientando
a importância do pensamento autônomo. Fundamentação da Metafísica dos Costumes
(1785): e scrito em que estabelece as bases de sua perspectiva ética.
[10]
Da Ética a Nicômaco, o homem busca ser feliz, a essência da felicidade, vida
contemplativa, a suprema felicidade, prazer intelectual, atividade
virtuosa. Aristóteles faz uma análise do
agir humano. Constatou que todo o conhecimento e todo o trabalho do homem visam
algum bem. O bem é a finalidade de toda a nossa ação. Ética a Nicômaco é a
principal obra de ética de Aristóteles. Nela se expõe sua concepção teleológica
e eudaimonista de racionalidade prática, sua concepção da virtude como mediania
e suas considerações acerca do papel do hábito e da prudência na Ética. O homem
respeitador da lei é justo porque as leis visam à vantagem comum, preservando a
sociedade política; a lei bem elaborada nos ordena praticar tantos atos de um
homem bravo (ex: não desertar de nosso posto, não fugir) quanto os de um homem
temperante (ex: não trair) e os de um homem calmo (ex: não bater em ninguém)
...
[11]
Segundo o filósofo, os momentos que caracterizaram o surgimento do progresso e
das desigualdades aconteceram de forma muito lenta. Alguns sentimentos naturais
como a piedade e o amor de si despertaram no homem algumas paixões, dentre
elas, merecem destaque o amor pela vida e, consequentemente, o instinto de
conservação da espécie. A propriedade privada é sinônimo de desigualdade
social. A partir dela, as desigualdades se consolidam e ganham formas. Da sua
estrutura, nascem três tipos de desigualdades diferentes: entre rico e pobre,
poderoso e fraco, senhor e escravo. A relação entre ricos e pobres caracteriza
o primeiro progresso de desigualdade; o surgimento dos magistrados, que é a
relação entre poderosos e fracos, é o segundo; o despotismo, que é a relação
entre senhor e escravo, é o terceiro e o mais alto grau de desigualdade.
[12]
Dessa maneira, é estabelecida a fonte da desigualdade social entre os
indivíduos, segundo o comentador. teoria de Locke que vê o trabalho como a
origem do direito de propriedade conduz à teoria do valor do trabalho. É o
trabalho, afirma ele, que 'transforma o valor de tudo'.” Locke acreditava na soberania do indivíduo e
que nós somos “capitães de nós mesmos”, enquanto Rousseau argumentava que o
grupo era mais importante do que o indivíduo e que a “vontade geral” era
superior à consciência solitária.
[13]
“A miséria, condição agregada à nossa espécie, subordina um homem a outro
homem; não é a desigualdade que é um mal real, mas a dependência.” Os ideais de
Voltaire estão bem alinhados com os de outros iluministas franceses, mas com
alguma ênfase na questão da liberdade. Voltaire acreditava que o ser humano
deveria ser livre para expressar sua vida criativa, sem interferências de cunho
moral e religioso. Ele era contra o absolutismo e a favor da separação entre
Igreja e Estado, ou seja, foi um dos primeiros defensores da ideia de Estado
Laico. Voltaire também era absolutamente a favor da liberdade de imprensa e da
liberdade de expressão, além da liberdade religiosa e da tolerância. Para o
pensador, o progresso da sociedade somente viria com o reconhecimento dessas
liberdades individuais e com o respeito e a tolerância a todas as formas de
pensar. A tolerância era um tema essencial para ele, pois muitas vezes o
filósofo foi censurado e interditado por seu pensamento liberal. Voltaire, no
entanto, somente condenava e lutava contra dois tipos de pensamento: o
fanatismo e a superstição, pois estes levam a liberdade à ruína.
[14]
"Voltaire condena o arbitrário, não o monárquico; mas o monarca deve
conformar sua conduta às exigências da razão. Um príncipe aconselhado pelos
filósofos e sendo ele mesmo um filósofo, fará o seu povo feliz, concedendo
plenos graus de liberdade a seus súditos, que, por sua vez, tendo o espírito
formado na filosofia, aceitam de bom grado sua tutela, fazendo com que a
felicidade pública reine sob a lei do despotismo esclarecido.".
"Voltaire é, antes de tudo, um polemista. Pretende lutar contra os
sistemas vãos, contra opiniões falsas e condena toda atitude fundada na crença
e na superstição ou ainda nos pensamentos puramente abstratos. "
[15]
De acordo com os princípios formulados por Rawls, a desigualdade seria
permitida de acordo com a ideia de equidade, para auxiliar os indivíduos em situação
menos privilegiada na sociedade. Deste modo, existiria uma distribuição
equitativa de bens controlada pela imparcialidade. Em Uma Teoria da Justiça (A
Theory of Justice), de 1971, Rawls defende que uma sociedade será justa
se respeitar três princípios: garantia das liberdades fundamentais para todos;
igualdade equitativa de oportunidades; e. manutenção de desigualdades apenas
para favorecer os mais desfavorecidos.