Crítica ao positivismo jurídico
Sua glória e poder foram intensos, mas o positivismo jurídico sucumbiu diante da frenética dinâmica dos fatos sociais. E, a crítica veio com a missão de aperfeiçoá-lo e adaptá-lo a sociedade contemporânea e suas necessidades.
Pauta-se o positivismo
jurídico na existência da conexão necessária entre direito e moral[1]. E o questionamento sobre
tal conexão trouxe sensíveis consequências, pois perpassam pela definição do
conceito de direito, a concepção de sistema jurídica e, chega até a teoria da
argumentação jurídica. Mesmo assim, não se encontra resposta geral
satisfatória.
Alexy afirma que existe a
conexão necessária entre direito e moral em relação ao positivismo jurídico que
falha como teoria. Primeiramente, deve-se analisar a tese positivista da
separação e, ainda, sobre a tese a esta oposta (a tese não positivista da conexão).
Todas as teses positivistas
defendem a ideia da separação que
defende que o conceito de direito deve ser definido sem a inclusão de qualquer
elemento moral. Há duas bases positivistas, a saber: a legalidade autoritativa
e a eficácia social.
E, tais elementos se baseiam
na dimensão da validade. As inúmeras variantes do positivismo jurídico resultam
de diferentes interpretações e atribuições de pesos a esses dois elementos
definitórios.
O direito surge de atos de
vontade da autoridade legislativa cujos titulares e procedimentos são
diferentes a cada período histórico, sendo, porém sempre vinculantes.
Independentemente do grau de liberdade criativa que seja dada aos órgãos de
aplicação das normas positivadas, o positivo jurídico em sentido amplo, define
o direito com base em elementos mutáveis no tempo. Tal posicionamento é
indicado como: tese do fato social ou tese social; tese da fonte ou das fontes
sociais; tese convencionalista.
Tais teses indicam que a
validade das normas jurídicas depende de condutas humanas (individuais e
coletivas) que criam as normas, isto é, tornam certos comandos juridicamente
existentes e vinculantes.
Exclui-se, assim, a
possibilidade de encontrar normas jurídicas que não decorram diretamente da
vontade de um legislador. Quem possui a capacidade de criar os direitos são
certas constelações de condutas humanas que constituem os fatos sociais nos
quais se consubstancia a legislação.
Os fatos sociais que são as
condutas humanas que determinam o direito sempre se relacionam com o poder
político. Conclui-se que o direito decorre da vontade e da ação de grupos
sociais que possuem o poder de impor seus mandamentos na forma de direito
válido. E, assim, Kelsen[2] afirmou que determinados
fatos (Tatsachen) devem ser vistos como condição de validade (Bendingun
der Geltung) do direito.
O positivismo jurídico é uma
teoria monista sobre o direito, contrastando com o dualismo jurídico que admite
a existência de um direito natural ao lado do direito criado por legisladores
humanos. Em face disso, o positivismo jurídico no sentido amplo se define, de
forma negativa, a partir da categórica e absoluta exclusão de direito natural[3] da definição do direito
vigente.
Entre as várias teorias sobre
a validade e interpretação do direito que podem ser consideradas positivistas
no sentido amplo, analisaremos a seguir a corrente que denominamos positivismo
jurídico em sentido estrito.
Em sua definição se dá com
base na contraposição ao moralismo jurídico. Pois, enquanto o moralismo
jurídico adota a tese unionista (o direito não pode ser separado da moral), o
positivismo em sentido estrito considera que há plena separação entre o direito
e a moral, adotando uma visão separatista.
A tese separatista fora
formulada por Hart da seguinte forma: "não é uma verdade necessária que o
direito reproduz ou satisfaz certas exigências da moralidade, mesmo se
frequentemente isso ocorra de fato".
O positivismo[4] stricto sensu
considera, primeiramente, que o estudo e a compreensão do direito não incluem
sua avaliação moral e, segundo, que o reconhecimento da validade de um sistema
jurídico ou de uma norma não depende de sua conformidade aos critérios sobre o
justo e o correto. Não interessa o valor e, sim, a validade do direito. Não
interessa a substância, interessa a forma.
Questiona-se qual é o
tratamento do positivismo jurídico stricto sensu no que tange à relação
entre direito e política. E, obviamente, não pode ser negado tal vínculo fático
entre a política e o direito, pois a validade das normas jurídicas decorre de
imposição feita pelo poder político.
Em face disso, a criação de
normas gerais expressa uma vontade política e persegue finalidades políticas.
Temos, portanto, a constatação da conexão genética entre o direito e a
política. Pois o direito é oriundo da política e desta depende.
O reconhecimento da íntima
vinculação entre direito e político no campo normogenético é feito pelo
positivismo stricto sensu de maneira mais evidente do que no âmbito de
abordagens idealistas e moralistas que relativizam a importância da política.
Mas, essa conexão não impede
de afirmar que o positivismo jurídico no sentido estrito adota a tese da
separação entre direito e política em nível conceitual, assim, o conceito de
direito não inclui em sua definição referências à política. É o que Kelsen
denominou de "indiferença política do positivismo".
A validade constitui qualidade
da norma que faz parte de um ordenamento jurídico em determinado momento. É uma
questão de pertença à certo ordenamento jurídico que atribui à norma força
vinculante, impondo-a a seus destinatários e gerando, pelo menos indiretamente,
direitos e obrigações.
As condições de validade da
norma, isto é, as condições de sua entrada e saída do ordenamento são
estabelecidas por outras normas do mesmo ordenamento, de hierarquia superior.
Podemos, por exemplo, afirmar que são válidas no Brasil as leis federais
criadas de validade reportando-se (e devendo se conformar) as previsões
constitucionais.
Na visão do positivismo
jurídico no sentido estrito, os requisitos de pertença da norma ao ordenamento
são de natureza formal, não dependendo do valor, da pertinência e de outras
qualidades materiais da norma a ser validade.
A norma se integra ao
ordenamento vigente se forem respeitadas as condições fixadas pelo sistema
jurídico. As principais condições de validade são:
1. competência conferida a uma
autoridade para criação de certa espécie de normas;
2. procedimento de edição
(tramitação regular, quórum, prazos, registros e formas de publicidade
etc.);
3. limites temporais e
espaciais de validade;
4. respeito as regras que permitem decidir em caso de incompatibilidade entre o conteúdo das normas (antinomias jurídicas). Isso ocorre mediante a aplicação da regra fundamental que impõe congruência de cada norma com suas superiores (princípio da superioridade) e das regras que permitem decidir qual entre as normas conflitantes do mesmo escalão hierárquico deverá prevalecer (princípios da especialidade, da posterioridade e da proporcionalidade).
As condições de validade do
ordenamento jurídico (entendido como sinônimo de direito objetivo) isto é
conjunto de normas que regulamenta o comportamento social em certo território e
possui validade, como um todo, como um todo, desde que respeite determinadas
condições.
A validade é a qualidade de um
conjunto de normas que visam regulamentar a conduta humana, produzem efeitos
sociais em determinado espaço e tempo e se impõem como vinculantes mediante um
ato do poder político que consegue prevalecer na prática social. Isso significa
que um ordenamento jurídico adquire validade mesmo contra a vontade de
indivíduos ou grupos, impedindo a aplicação de normas oriundas de outros
sistemas normativos.
Para tanto, é necessário elaborar
critérios[5] que permitam reconhecer a
validade de certo conjunto de normas. O principal obstáculo para alcançar um
acordo entre os juspositivistas sobre os critérios de validade do ordenamento
jurídica é a influência da realidade social nessa definição.
Os juspositivistas parte do
pressuposto que o ser não deve ser confundido com dever ser. Enquanto o dever
ser, o direito não pode deduzir sua validade de algo fático, de elementos que
existem no mundo do ser.
O problema se sintetiza na
determinação das razões normativas de validade das normas que se encontram no
topo da pirâmide hierárquica de certo ordenamento.
A resposta de Kelsen é que
devemos pressupor, de forma hipotética ou imaginária, a existência de uma norma
fundamental (Grundnorm) que oferece o necessário fundamento às normas jurídicas
situadas no ápice da pirâmide.
A norma fundamental desempenha
duas funções, a saber: primeiro a que ordena que todos se conduzam de acordo
com as normas positivas supremas do ordenamento jurídico; segundo, considera
válidas todas as normas que decorrem da manifestação de vontade do criador das
normas supremas.
A norma (hipotética)
fundamental em vigor atualmente no país ordena que todos os conduzam de acordo
com a Constituição Federal brasileira de 1988 e atribui caráter jurídico à
manifestação de vontade dos criadores desse texto constitucional.
Em virtude da norma
fundamental hoje vigente, a Constituição Federal torna-se algo diferente da
vontade de pessoas, grupos, autoridades ou organizações, cujas propostas não
prevaleceram no momento de redação da Constituição ou que, atualmente, criticam
o referido texto constitucional e pedem a convocação de nova Assembleia
Constituinte ou mesmo tento modificar de fato seu conteúdo, alegando mutações
constitucionais. Em face da norma fundamental da Constituição Federal torna-se
também algo estruturalmente diferente de qualquer norma jurídica válida de
escalão inferior.
Outros doutrinadores não enxergam inconvenientes em fundamentar a validade do sistema jurídico em fatos sociais de natureza política. Hart considera que a validade de um sistema jurídico decorre de uma regra de reconhecimento (rule of recognition[6]) que determina quais comandos devem ser reconhecidos como juridicamente válidos.
Nessa perspectiva, a identifica
da regra suprema no âmbito de um sistema jurídico se faz mediante recurso a uma
regra de segundo nível. A regra de
reconhecimento é denominada segundo Hart de "secundária" ou secundary
rule, porque é de segundo grau, já que dispõe sobre a identificação dos
comandos diretos (de primeiro grau) que estabelecem deveres jurídicos.
Existe a controvérsia entre juspositivismo inclusivo[7] e exclusivo é presente no debate de um positivismo jurídico renovado e intensificado a partir dos anos de 1990 mediante as controvérsias internas entre os pós-hartianos que rejeitam qualquer influência normativa da moral no estudo do direito e aqueles que adotam uma posição mais moderada sobre a questão.
O positivismo exclusivo[8] é conhecido como exclusive
legal positivism, nonincorporationism ou hard positivism ou
anti-incorporacionismo; positivismo radical ou inflexível. E, seu mais
conhecido representante é Joseph Raz, apesar de os referidos termos terem sido
propostos não por ele, mas por críticos de sua abordagem.
Raz preferiu indicar sua
abordagem como strong social thesis, ou sources thesis sendo que em
publicações mais recentes questiona fortemente a possibilidade de conciliar sua
teoria como a de outros doutrinadores que são considerados positivistas, pondo
em dúvidas o próprio conceito de positivismo que é considerado como positivismo
stricto sensu.
Outro conceito crucial de Raz
sobre o positivismo exclusivo é a autoridade, reconhecida como a única fonte do
direito. Segundo Raz[9], exerce-se
"autoridade" quando são reunidas duas condições.
Em primeiro lugar, os
destinatários do comando obedecem porque confiam na autoridade ou se sentem por
esta intimidados - e não porque agiriam da mesma forma se a autoridade não
tivesse emitido o comando.
Em segundo lugar, as ordens da
autoridade são obedecidas inerentemente do juízo de valor que o destinatário
realiza sobre essas. Isso significa que as razões que oferecem a autoridade
conseguem vencer as razões do próprio interessado que acaba seguindo a
autoridade mesmo contra a sua convicção.
Em face disso, Raz considerou
que a atuação de autoridade facilita a vida social, já que as pessoas
obedecerem prontamente, sem dever sopesar argumentos a favor e contra
determinada conduta.
Pensemos em um exemplo
simples. Durante sua vida Mário nunca cometeu furto. E, pode-se afirmar que
Mário agiu maneira conforme às normas penais que tipificam e punem o furto.
Raz perguntaria também quais
foram as razões que fizeram Mário atuar dessa forma. Se a resposta for que
Mário nunca furtou em razão de suas fortes convicções religiosas e morais contrárias
ao furto, temos um caso no qual a lei não exerceu sua autoridade em sentido de
Raz. Havendo ou não essa lei, Mário teria atuado da mesma forma. Se ao contrário, Mário deixou de furtar
porque sempre confiava nas orientações do legislador sem analisá-las e sem
questioná-las ou porque se sentiu intimidada pela ameaça de sanções, diremos
que o legislador exerceu autoridade de Raz.
Ainda segundo Raz, a fonte de
validade do direito é autoridade nesse sentido. A moral não deve ser utilizada
como critério de identificação do direito positivo porque não apresenta
relevância para a constatação de validade jurídica ou para a interpretação das
normas vigentes.
A validade decorre da
existência de fatos sociais capazes de atribuir validade (autoridade) e a
interpretação à qual os exclusivistas pouco se referem, é de competência dos
órgãos estatais, sem que seja possível impor limitações externas, decorrentes
de considerações morais.
O positivismo inclusivo ou
inclusive legal positivism é também conhecido como incorporationism ou soft
positivism (termo traduzido para português como positivismo moderado ou
leve). A referida abordagem é adotada por muitos doutrinadores contemporâneos,
entre estes, David Lyons, Jules Coleman e Wilfrid Waluchow e o próprio Hart
considerou que sua visão sobre o direito correspondente àquilo que fora
designado como positivismo flexível.
Tais doutrinadores distinguem
entre o direito visto como fato "duro" chamado de hard fact e
o direito analisado como convenção social (social convection) seguindo a
distinção feita por Coleman[10].
Os valores morais não são
sempre decisivos para definir e aplicar o direito. Mas, em certas sociedades,
pode haver uma convenção social impondo levar em consideração a moral para
determinar a validade e para interpretar as normas jurídicas.
Tais doutrinadores ainda
acreditam na possível existência de sistemas jurídicos que adotam critérios de
juridicidade de cunho moral. E, o caráter jurídico de normas pode depender
algumas vezes de seus méritos morais substanciais e não apenas de sua origem ou
fonte social.
Em certos lugares do mundo e
momento histórico é possível ocorrer o reconhecimento como jurídicos
regulamentos feitos "conforme a justiça" ou, segundo Hart,
"conforme os princípios morais e valores substantivos".
Em situações, uma norma
jurídica só é válida se for submetida e aprovada em "exame moral",
dependendo sua validade e a forma de aplicação de qualidades morais, conforme
decisão do aplicador.
As divergências entre os
doutrinadores impossível dizer qual é a visão do positivismo jurídico in
stricto sensu na seara da intepretação do direito.
De fato, a maioria dos
positivistas dedica sua pesquisa ao debate sobre as condições de validade das
normas e dos sistemas jurídicos e praticamente silencia sobre os problemas
relacionados com a interpretação jurídica. A explicação mais plausível é que os
positivistas estão focados em não serem acusados de subjetivismo ou moralismo
e, por isso, evitam emitir opiniões sobre os deveres do intérprete.
Essa lacuna no positivismo
prejudica seu rigor teórico e, refletir sobre a interpretação jurídica e se
posicionar sobre os deveres do aplicador é uma tarefa crucial da teoria do
direito. E, assim, algumas considerações sobre a teoria da interpretação (no
âmbito positivista) se fazem necessárias.
Ab initio, cabe
o questionamento: Suponhamos que um magistrado condenou Mário a dez anos de
prisão. Quais são as formas que permitem ao teórico do direito explicar essa
sentença? Quem responde que o juiz fez "aquilo que quis" e sempre faz
aquilo que quiser e se mudar o órgão julgador outros magistrados também farão
aquilo que querem, já que os textos normativos, não existem, fora das
interpretações efetivamente dadas, permanece em um nível superficial.
Em nossa opinião, o importante
é saber por que o magistrado fez isso e não aquilo além do nível subjetivo.
Explicar sua conduta realisticamente com exclusiva referência a desejos
subjetivos significa ignorar a existência de normas (jurídicas e sociais) que
motivam a conduta, ameaçando com sanções e oferecendo aos agentes razões para
agir de determinada forma.
Podemos identificar quatro
categorias de fatores que influenciam a atividade decisória além da
mentalidade, das experiências, da cultura e as aspirações subjetivas do
aplicador. Primeiramente, fatos da vida real.
E, segundo os mandamentos da
moral. Terceiro, considerações de oportunidade política. Quarto, normas que
vigoram em determinado ordenamento jurídico.
A primeira categoria não
interesse diretamente o estudioso do direito, ninguém pode duvidar que os fatos
influenciam a forma de aplicação do direito. Aquilo que o aplicador considerará
como verdade fática é relevante, pois constituirá a premissa menor do silogismo
jurídico.
Ora, a certeza na comprovação
dos fatos é um problema técnico e científico que foge do estudo dos métodos de
aplicação do direito.
Além disso, os fatos só se
tornam juridicamente relevantes a partir do momento em que uma norma jurídica
indique sua relevância, estabelece meios e limites da prova e, do ponto de
vista de direito material, determina a influência dos fatos juridicamente comprovados
na tomada de decisões. Isso significa que o aplicador do direito nunca está
diante de uma questão fática.
Sempre enfrenta uma questão de
direito que regulamenta a constatação de fatos. Se no nosso exemplo o juiz
considera José culpado apesar de José e várias testemunhas clamarem por sua
inocência, o direito decidirá mediante qual procedimento e quais decisões será
resolvida a questão e o que pode fazer José caso discorde da decisão do juiz.
A segunda e a terceira
categoria influenciam fortemente as decisões jurídicas, tal como ocorre com a
visão subjetiva do juiz que “quis” algo. Na medida em que tais influências são
autorizadas por uma norma jurídica, o problema é de interpretação jurídica.
Quando, por exemplo, se
estabelece que a educação é dever do Estado (art. 205 da Constituição Federal),
as medidas que, a juízo dos governantes, permitem atingir esse objetivo não
decorrem de decisões políticas, morais e, afinal de contas, pessoais.
Justificam-se em razão do comando da Constituição Federal que impõe aos
governantes cuidar da educação e, ao mesmo tempo, atribui-lhes um amplo poder
discricionário. A norma jurídica absorve os demais fatores determinantes.
Não há dúvida que o aplicador
é o único que diz o que “é” a norma. Por essa razão, sua decisão é algo mais do
que a norma, situando-se em um meta-nível no tempo e na relevância.
Ora, o aplicador deve seguir a
regra que, paradoxalmente, situa-se também em meta-nível se for comparada com a
decisão do aplicador.
A norma formula a pretensão,
institucionalmente reconhecida e tutelada, de submeter a atuação do intérprete
aos seus mandamentos, sendo algo “mais” do que a decisão dele em termos
axiológicos. O aplicador decide em nome da norma e sua decisão será
posteriormente avaliada com base nessa mesma norma.
Nos sistemas jurídicos
modernos não é possível eliminar a tensão entre as pretensões da norma e as
decisões do aplicador. A síntese só seria possível em duas hipóteses.
Primeiro, se fosse aniquilada
a força normativa da regra, triunfando a vontade de cada aplicador. Segundo, se
o aplicador fosse plenamente domesticado, transformando-se na famigerada
máquina de subsunção.
Nenhuma dessas hipóteses é
plausível. Portanto, devemos admitir a permanente tensão nos processos
interpretativos que criam conflitos e mantêm incertezas. Mas isso, não
justifica o pessimismo, pois o intérprete não pode se desvincular da pretensão
normativa-impositiva que expressam as normas vigentes. Isso se reflete na
divisão de trabalho entre estudiosos do direito.
A sociologia do direito
investiga a atividade dos aplicadores (que eventualmente desrespeitam as
normas), utilizando constatações da esfera do ser que se referem à eficácia
social (primária e secundária) das normas jurídicas.
Já a teoria do direito, à qual
pertence o positivismo jurídico no sentido estrito, analisa a validade e a
interpretação jurídica com base na pretensão normativa-impositiva das
disposições vigentes. Indica o que deve fazer o aplicador e não descreve o que
efetivamente faz e qual é a sua ideologia.
As regras do jogo interpretativo são definidas
pelo sistema normativo que existe independentemente da opinião-decisão do
intérprete.
Suponhamos que o intérprete
afirme: “Nas condições X, a conduta C é obrigatória para o destinatário D”. Essa
afirmação é procedente como interpretação jurídica se e somente se existe uma
disposição juridicamente válida prevendo: “Nas condições X, a conduta C é
obrigatória para o destinatário D”.
Isso significa que a
proposição enunciada pelo aplicador pode ser avaliada como verdadeira ou falsa,
dependendo de sua correspondência a uma norma que possui validade no âmbito do
ordenamento jurídico.
Essa é a convenção da verdade
que rege a interpretação do direito. Fundamenta-se na tese filosófica que
define a verdade como correspondência entre fatos reais e afirmações do
observador e nos parece a mais indicada no âmbito da interpretação jurídica.
Em síntese, o positivismo
jurídico no sentido estrito considera (apesar do silêncio de muitos autores)
que entre todos os fatores que podem influenciar a interpretação jurídica, são
decisivas as normas jurídicas que regulamentam a forma de averiguação e
avaliação dos fatos reais (determinação primária). Os demais fatores que
influenciam a interpretação são secundários, podendo interferir na medida em
que isso for permitido pelas normas da determinação primária.
Assim sendo, a interpretação
jurídica atribui sentido a uma disposição jurídica mediante a formulação de
propostas que correspondem ao sentido dessa disposição.
A distinção entre espaço de
interpretação (atividade cognitiva) e espaço de concretização (atividade
volitiva) constitui uma importante autolimitação dos intérpretes que devem se
ater ao texto, estabelecendo o limite, a partir do qual o aplicador não pode
ser discricionário nem “criativo”.
Critério para tanto é a
interpretação literal e sistemática, rejeitando a interpretação histórica e
teleológica que contrariam a decisão legislativa cristalizada nas normas
vigentes.
Questiona-se os positivistas
consideram que o direito em países nazistas, fascistas e racistas podem ou
devem ser considerados como válidos, da mesma forma que o direito de um país
cujo governo fora eleito pela maioria da população e garante plenamente os
direitos das minorias.
Muitos doutrinadores criticam
os juspositivistas justamente por adotar uma postura indiferenciada, atribuído
a qualidade de direito a qualquer sistema de normas, independentemente de sua
pertinência e seu valor político e moral.
Tal crítica confunde os
requisitos de validade da norma com os requisitos de validade do sistema jurídico
como um todo. Os juspositivistas afirmam que qualquer norma pode vigorar desde
que satisfaça os requisitos de validade internos, ou seja, estabelecidos pelo
sistema. Porém, isso não exaure a questão. Para, enfim, reconhecer a vaidade de
um sistema jurídico, os positivistas exigem que seja socialmente eficaz, isto
é, globalmente respeitado pela população.
Isso altera o questionamento.
Se o direito de um regime evidentemente antidemocrático vigorou porque a
população aderiu às suas previsões, o juízo de reprovação deve ser endereçado
às forças políticas e os cidadãos que apoiaram regimes violentos e autoritários
e não aos teóricos juspositivistas que constatam esse fato político-social.
Os positivistas têm tão pouca
culpa pelo ocorrido durante um período ditatorial quando o médico que
diagnostica a doença de seu paciente. O médico não diz que o paciente deve
morrer, mas que tem decorrência de certa doença poderá morrer, por mais que o
médico não o deseje.
Considerar que o doutrinador
legitima certa ordem normativa significa que esse doutrinador tenta convencer
os demais que uma ordem normativa merece ser obedecida por ser justa, eficiente
e moralmente correta. Assim sendo, o positivismo jurídico no sentido estrito
seria uma teoria legitimadora do direito do direito se houvesse obras de seus
partidários alegando que devemos obedecer aos mandamentos de sistemas jurídicos
claramente antidemocráticos.
Afinal, o estudo de dezenas de
doutrinadores positivistas, não permitiu localizar uma única passagem que
recomendasse a obediência a um "direito ruim" chamado de evil law.
Nenhuma das teses teóricas do positivismo jurídico no sentido estrito autoriza
tal afirmação.
Como disse Hart no último
texto teórico publicado antes de sua morte, ainda que todas as críticas e
acusações contra o juspositivismo fossem verdadeiras, essa teoria teria o
mérito de optar pela mera descrição do direito vigente, rejeitando as tentativas
de sua legitimação.
Quem vive em um regime
violento que suprime liberdades básicas e oprime os grupos sociais pode aceitar
ou não situação política. Sabemos que as ditaduras não são uma espécie de
catástrofe natural, mas conseguem se firmar graças ao apoio da maioria que,
manipulada ou não, aceita o regime e as normas jurídicas por este impostas.
Assim sendo, o problema não se
relaciona à postura, supostamente legitimadora, os juspositivistas, mas ao fato
de que seus adversários discordam da postura meramente descritiva do
juspositivismo e adotam uma visão apologética, querem indicar qual direito
"merece esse nome".
Essa opção é rejeitada pelos
adeptos do positivismo jurídicos no sentido estrito ao propor uma definição do
direito que não leva em consideração seus méritos e que, ao mesmo tempo, não se
posiciona sobre o dever de obediência ao direito positivo.
Já as teorias não-positivistas defendem, ao contrário, a tese de conexão e, afirma que o conceito do direito deve ser definido de modo que contenha elementos morais. Por essa razão, nenhuma tese não-positivista deve ser levada a séria, por excluir o conceito de direito como os elementos da legalidade autoritativa e da eficácia social.
Enfim, o que distingue dos positivistas é antes a concepção de direito que deve ser definida de forma que tenha, além dessas características que se ajustam aos fatos, também elementos morais e, novamente, são possíveis as mais diversas interpelações e atribuições de pesos.
Tanto as teses de separação
como a da conexão necessária afirmam como se deve definir o conceito de
direito. E, assim, formulam o resultado de uma argumentação.
Os argumentos podem ser
divididos em três grupos basicamente, a saber: analíticos, normativos e
empíricos. No caso dos argumentos empíricos,
os que tratam da descrição de certo uso de linguagem ou em certa prática, ou
dos que apoiam necessidades fáticas.
Os argumentos do primeiro tipo
(analíticos) podem apenas demonstrar que uma conexão entre direito e moral é
necessária para certo uso de linguagem ou para certa prática, mas não a
necessidade dessa conexão enquanto tal.
Argumentos de segundo tipo podem se apoiar em teses empíricas, como aquela de que um sistema jurídico que protege a vida, a liberdade, ou a propriedade de alguns sujeitos de direito não têm perspectiva de validade duradoura.
A proteção da vida, da liberdade e da propriedade é, porém, também uma exigência moral. O cumprimento de certas exigências morais mínimas é faticamente necessário para a validade duradoura de um sistema jurídico. (H. L. Hart, The Concept of Law, 1961, p.188 s.).
O argumento empírico é
incompleto nesse sentido. Já o argumento analítico em prol da conexão entre
direito e moral, mas há uma mistura, como por exemplo, N. Hoerster[11], Zur Verteidgung des
Reshtpositivismus, in NW, 1986, p.2480).
A tese da separação ou a tese
da conexão são apoiadas através de argumento normativo quando se demonstra que
a inclusão ou exclusão seria necessária para se alcançar certo objetivo ou para
se cumprir determinada norma. Separações
ou conexões fundamentadas desse modo podem ser “normativamente necessárias”.
Argumenta-se que somente a
tese da separação conduziria à clareza linguístico-conceitual ou que somente
esta garantiria a segurança jurídica, ou ainda, se assevera que com a ajuda da
tese de conexão os problemas da injustiça legal poderiam ser solucionados da
melhor forma possível.
Em debates contemporâneos a
respeito do conceito de direito é disseminada a concepção de que o termo
direito seria ambíguo e vago ao ponto de que a disputa sobre o positivismo
jurídico não poder determinar uma análise conceitual.
Segundo Hoerster a disputa
gera uma determinação normativa, de uma proposta definitórias. Tais construções
conceituais só podem ser justificadas, de ponto de vista definitórios através
de argumentos normativos ou de considerações de conveniência.
Não se cogita que o conceito
de direito é aberto em todos os sentidos, o que significaria que, com base em
considerações normativas basicamente qualquer fixação do seu significado pode
ser feita. A abertura referente à conexão existente entre direito e moral,
sendo que tal conexão não é nem conceitualmente necessária, nem conceitualmente
impossível.
Há bons motivos para se
transferir o problema para campo normativo. A tese separatista afirma que o
conceito de direito deve ser definido sem a inclusão de elementos morais, não
só em algumas formas de uso, mas em todas.
Nessa versão universal, a tese
de separação poderia ser sustentada por argumentos analíticos somente se uma
inclusão de elementos morais no conceito de direito fosse conceitualmente
impossível em todos os seus usos.
Como esse não é o caso, é
preciso reconhecer que existem situações em que uma proposição como “a norma N
foi estabelecida em conformidade com o ordenamento e é socialmente eficaz, mas
não é direito, porque ela ofende princípios fundamentais, não contém uma
contradição, e que a pergunta a norma N foi estabelecida em conformidade com o
ordenamento e, é socialmente eficaz, mas, além disso é ela direito? Não, é sem
sentido”.
Quando muito, os argumentos
analíticos segundos podem demonstrar que há alguns usos do termo “direito” em
que uma inclusão de elementos morais é conceitualmente impossível. Mas não é
isso que afirma a tese separatista.
Por isso, um positivista
defende e deve, a versão universal da tese de separação, com a chance de
formular duas afirmações: em primeiro lugar, ele deve contestar, em um nível
analítico, toda conexão conceitualmente necessária entre o direito e a moral e,
em segundo lugar, afirmar, em nível normativo, que os melhores motivos
justificam uma definição que não consideram a moral. Tentar isso, dado o peso
dos argumentos conceituais, é especialmente atrativo.
A fundamentação da tese de
Alexy que defende a existência de uma conexão conceitual e necessária, entre
direito e moral, ocorre por um quadro conceitual que consiste em quatro
distinções, a saber: conceito e validade, norma e procedimento, observador e
participante e definição e ideal.
A mais pesada crítica ao positivismo jurídico é o engessamento a ação da Justiça. Sobretudo, quanto seguindo a linha de Kelsen na busca da teoria pura do direito. Segundo Dworkin, os positivistas têm equivocada compreensão da estrutura de certos conceitos, entre estes, o conceito de direito. E, para obter a adequada compreensão do conceito de direito, Dworkin considera algumas frases em a palavra direito (law) é utilizada. A mais pertinente crítica é que para o positivismo, a norma é sua forma e validade e, não seu conteúdo.
Referências
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jurídico e discricionariedade judicial. Disponível em: http://www.repositorio.jesuita.org.br/bitstream/handle/UNISINOS/2985/HenriqueAbel.pdf?sequence=1&isAllowed=y
Acesso em 13.11.2020.
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AUSTIN, John. The uses
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Notas:
[1]
A questão das relações existentes (ou não) entre Direito e moral há tempos é
objeto da Teoria e da Filosofia do Direito. De sua análise, surgem diversas
questões: Direito e moral estão vinculados?
A justiça, enquanto valor moral, possui relação com Direito? A
moralidade do Direito é requisito de sua validade e eficácia? Neste artigo,
analisamos tais questões, demonstrando a necessária conexão existente entre
Direito e moral. Para tanto, partimos da
tese de Kelsen, o qual nega a influência da moral no Direito. Então, estudamos
de que forma a separação entre Direito e moral constitui um dos requisitos de
pureza da teoria kelseniana. Por fim, verificamos a insuficiência da
desvinculação entre ambas as ordens, analisando o que dizem Radbruch, Dworkin e
Alexy acerca da conexão entre Direito e moral. In: DE CARLOS, Paula Pinhal. A
relação entre Direito e Moral: da Separação Kelsiana à Necessária Conexão.
Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/primafacie/article/view/22620/14264 Acesso em 12.11.2020.
[2]
Kelsen refere que “o que Direito e Moral têm em comum é que ambos são ordens
normativas, quer dizer, são sistemas de normas que regulam a conduta humana”. A distinção encontrar-se-ia na forma com que
ambas as ordens sociais prescrevem ou proíbem uma conduta humana. Ressalta-se
que, para o doutrinador, a distinção está na presença da sanção no Direito, a
qual é ausente na moral.
[3]
O direito natural decorre de natureza de algo, razão pela qual se pode falar,
por exemplo, em direito natural de origem divina ou em direito natural fundado
na essência do ser humano. Em todo caso, as doutrinas jusnaturalistas partem da
ideia de que o direito natural possui normas imutáveis no tempo e no espaço, ao
passo que as normas do direito positivo são caracteristicamente cambiantes nas
dimensões espacial e temporal. Compreendem-se as diferenças entre direito
natural e direito positivo, tendo em vista que o direito natural reside na
natureza de algo, não resulta de criação do homem, precisamente o contrário do
que ocorre em relação ao direito positivo.
[4]
Depois tantas barbaridades ocorridas na primeira metade do século XX, com as
duas guerras mundiais, resultado de regimes fascistas e nazistas, ideologias e
os sistemas políticos que têm íntima relação com o Direito, sofreram duras
críticas e passaram por um processo e reformulação. Depois das guerras,
restaram eternas cicatrizes envoltas de paixões viscerais como a de Radbruch que
publicou um artigo sobre a justiça que representa mais um libelo à liberdade do
que propriamente um texto acadêmico. O positivismo jurídico foi considerado
sustentáculo ideológico dos regimes totalitários no campo do Direito e, mesmo
causa de seu surgimento e consolidação.
[5]
Em busca de um critério para a caracterização mais precisa do pensamento
teórico pós-positivista, esclarece-se que a “relação entre o direito e a moral
é um traço teórico significativo, com o auxílio do qual se podem estabelecer
diferenças entre positivismo, jusnaturalismo e pós-positivismo”.
[6]
A regra de reconhecimento é uma meta-regra básica subjacente a qualquer sistema
jurídico que define o teste de identificação comum para validade legal (ou
"o que conta como lei") dentro desse sistema. De acordo com Hart:
"(...) dizer que uma determinada regra é válida é reconhecê-la como tendo
passado em todos os testes fornecidos pela regra de reconhecimento e, portanto,
como regra do sistema. Podemos simplesmente dizer que a afirmação de que uma
determinada regra é válida significa que ela satisfaz todos os critérios
fornecidos pela regra de reconhecimento”.
Na opinião de Hart, a regra de reconhecimento surge de uma convenção
entre funcionários, onde eles aceitam os critérios da regra como padrões que
impõem deveres e conferem poderes aos funcionários, e resolve dúvidas e
desacordos dentro da comunidade. A regra
pode ser percebida a partir das práticas sociais de funcionários que reconhecem
a regra como um padrão legítimo de comportamento, exercendo pressão social uns
sobre os outros para obedecê-la e geralmente satisfazendo os requisitos da
regra. Para tanto, conforme explica
Hart, a regra tem três funções: Para estabelecer um teste para a lei válida no
sistema jurídico aplicável; Para conferir validade a tudo o mais no sistema
jurídico aplicável; Para unificar as leis no sistema jurídico; aplicável. A
validade de um sistema jurídico é independente de sua eficácia. Uma regra
completamente ineficaz pode ser válida - desde que emane da regra de reconhecimento.
Mas para ser uma regra válida, o sistema jurídico do qual a regra é um
componente deve, como um todo, ser eficaz. De acordo com Hart, qualquer regra
que esteja em conformidade com a regra de reconhecimento é uma regra legal
válida. Por exemplo, se a regra de reconhecimento fosse "o que o Professor
X diz que é lei", então qualquer regra que o Professor X falasse seria uma
regra legal válida. Segue-se que a regra de reconhecimento é apenas um
reconhecimento factual do que é de fato lei; de acordo com a ilustração
clássica de um projeto de lei aprovado pela autoridade legislativa e com o
consentimento de um chefe de estado. O fato de o projeto de lei ter sido
transformado em lei de acordo com o procedimento parlamentar adequado, de
acordo com a regra de reconhecimento, torna-o válido. Novamente, isso se baseia
principalmente no fato de sua existência dessa maneira. O acórdão R (Factortame
Ltd) v Secretary of State for Transport (decidido de março de 1989 a
novembro de 2000) representa uma alteração da Regra de Reconhecimento, ao
confirmar a incompatibilidade da legislação do Reino Unido (o Merchant
Shipping Act) com a legislação da UE e decidir que as disposições dessa lei
deveriam ser desaplicadas pelos tribunais do Reino Unido se violassem a legislação
da UE. Sir William Wade, uma autoridade renomada em direito
constitucional britânico, confirmaria essa visão. Seguindo o Brexit, no
entanto, essa visão manteria significância apenas como parte da história
jurídica.
[7] Desse modo, é acertado dizer que o positivismo jurídico inclusivo, como qualquer teoria positivista, pressupõe a tese da separabilidade conceitual entre direito e moral, mas admite a conexão eventual entre direito e moral, a depender de questões de natureza fática, diferenciando-se, por conseguinte, do positivismo jurídico exclusivo, que, conforme anteriormente salientado, não admite qualquer papel desempenhado por normas morais no exame da validade jurídica das normas de um dado ordenamento jurídico.
[8]
Ab initio, assevera-se a tese da separação conceitual entre direito e
moral, de modo que a correção moral não integra o conceito de direito, não
havendo que se confundir o direito como ele é e o direito como deve ser. Ademais, seguindo-se essa versão rígida do
positivismo jurídico, aduz-se que há razões normativas, que indicam o que é
melhor ou o que é preferível, segundo as quais princípios morais e argumentos
morais não desempenham nenhum papel na definição das normas jurídicas válidas,
logo também na interpretação do direito. A tese da separação conceitual entre
direito e moral implica a tese da separabilidade das normas jurídicas das
normas morais, mas não a separação de fato entre direito e moral. Já a tese da
separação normativa entre direito e moral, ou simplesmente tese da separação,
vai mais além, ao afirmar que em nenhum caso parâmetros morais são relevantes
no estabelecimento das normas jurídicas válidas ou na interpretação do direito.
[9]
Constata-se que a teoria do direito de Joseph Raz se baseia na tese da
separação normativa entre direito e moral, de modo que todos os elementos
morais são excluídos na identificação do direito válido ou na interpretação do
direito. Raz refere-se à sua doutrina como strong social thesis, segundo a qual
a validade das normas jurídicas depende tão-somente de elementos empíricos,
fatos sociais, descartados, portanto, critérios de justiça ou de correção
moral. O relevante para a identificação do direito válido, no positivismo
jurídico de Raz, é que ele provenha de quem tem autoridade, seja para o exercício
do poder legislativo, seja para decidir em um processo judicial. Assim, o
direito é compreendido como correspondência a um fato social praticado por uma
fonte autorizada pelo direito. In: MOTA, Marcel Moraes. Relações entre Direito
e Moral: Teorias do Direito Natural, Positivistas e Pós-positivistas.
Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/10_1467.pdf
Acesso em 12.11.2020.
[10]
Como positivista, Jules Coleman não renuncia à tese do fato social e da
separação conceitual entre direito e moral. Influenciado por Hart, procura
reafirmar a doutrina da regra de reconhecimento, que é alvo de pesadas críticas
levantadas por Ronald Dworkin. Diferencia-se do juspositivismo exclusivo de
Raz, ao admitir a possibilidade de que princípios morais sejam incorporados ao
ordenamento jurídico, de modo a serem juridicamente vinculantes, razão pela
qual sua visão teórica, o juspositivismo inclusivo, também pode ser chamada de
incorporacionismo. Verifica-se, assim, que a teoria do direito formulada por
Coleman está situada em uma posição intermediária entre o interpretativismo de
Ronald Dworkin e a doutrina do positivismo jurídico exclusivo de Joseph Raz.
In: MOTA, Marcel Moraes. Relações entre Direito e Moral: Teorias do Direito
Natural, Positivistas e Pós-positivistas. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/anais/36/10_1467.pdf Acesso em 12.11.2020.
[11]
Norbert Hoerster é advogado e filósofo alemão que lida em particular com
questões de filosofia jurídica, ética e filosofia da religião. Ensinou
filosofia jurídica de 1974 a 1998 na Universidade de Mainz. Como pensador
rejeita o conceito de dignidade humana como critério de ética, visto que esse
conceito é uma fórmula vazia com a qual quaisquer valores podem ser vinculados.
Em vez disso, defende uma ética de interesses, segundo a qual não a dignidade,
mas os interesses elementares das pessoas (e, até certo ponto dos animais)
devem ser protegidos. A filosofia jurídica de Hoerster está comprometida com o
positivismo jurídico e a filosofia analítica de Hart. É defensor mais destacado
da tese da neutralidade positivista, segundo a qual o conceito de direito deve
ser definido de forma a permanecer neutro em razão dos postulados morais. A
tese da neutralidade decorre da exigência de clareza conceitual, que está no
centro da filosofia analítica. Segundo a tese da neutralidade, rejeita a
fórmula de Radbruch, segundo a qual leis extremamente injustas não podem mais
ser chamadas de leis.