Conteúdo Mínimo da dignidade humana

Provavelmente, a dignidade humana represente um dos maiores consenso ético do mundo ocidental, estando presente em inúmeros diplomas legais, além de textos constitucionais e, apesar disto, não se ofereceu uma definição para a expressão. Para Luís Roberto Barroso esse conteúdo mínimo que é aceito no discurso transnacional se divide em: valor intrínseco de todos os seres humanos; a autonomia de cada indivíduo e, ainda, inclui o valor comunitário.

Fonte: Gisele Leite

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A dignidade humana tem sua origem secular na filosofia, onde pensadores como Cícero, Pico della Mirandola[1] e Immanuel Kant construíram paradigmas como antropocentrismo, que é a visão de mundo que reserva ao ser humano um lugar e um papel central no universo.

Della Mirandola defendeu, no mencionado "De dignitate hominis oratio", que o homem é uma criatura à parte de todas as outras no mundo, já que ele pode se tornar o que quiser. Na obra, Deus trava um diálogo com Adão, no qual explica que as demais criaturas, ao contrário dos homens, possuem uma natureza restrita e muito bem definida (PICO DELLA MIRANDOLA, 1486). O homem, por sua vez, não possui esses impedimentos e restrições, tendo a capacidade de criar, de transcender e ir além. O homem, sob essa ótica, é um ser dotado de um enorme potencial criativo, que o habilita a ir além de si próprio, estabelecendo ele mesmo as próprias fronteiras.

Há doutrinadores que listam, ainda, como precursores da dignidade humana, Tomás de Aquino e David Hume.

Enfim, é o valor intrínseco de cada pessoa e a capacidade individual de ter acesso à razão, de fazer escolhas morais e determinar seu próprio destino. Tendo suas justificativas na ética, na filosofia moral, sendo o primeiro valor vinculado à moralidade, ao bem, à conduta escorreita e à vida boa.  Convém destacar que Ronald Dworkin procurou demonstrar a distinção entre ética que é o estudo de como vier bem e a moralidade que é o estudo de como nós devemos tratar as outras pessoas. Vide Justice for hedgehogs[2], 2011, p.13.

Foi no século XX, particularmente após a Segunda Guerra Mundial, a ideia de dignidade humana fora incorporada ao discurso político das potências mundiais, principalmente, os vencedores do conflito e, se tornou meta política, um nobre fim a ser galgado por instituições nacionais e internacionais. Não é difícil notar, nesse contexto, a dupla dimensão da dignidade humana, a saber: uma interna onde há o expresso valor intrínseco ou próprio de cada indivíduo; e outra externa, representando seus direitos, aspirações e responsabilidades, assim como os correlatos deveres de terceiros.

Nota-se que a primeira dimensão é inviolável, já que tal valor intrínseco jamais é perdido, sob nenhuma circunstância. Já a segunda dimensão pode sofrer ofensas e violações. Por essa razão, a proteção e efetiva promoção da dignidade humana foram consideradas tarefas exclusivas dos poderes políticos do Estado, isto é, dos poderes do Executivo e do Legislativo. No entretanto, não tardou para que tais metas políticas e valores morais inscritos na dignidade humana migrassem para o direito.

E, passou a ser consagrada em diversos diplomas legais, tratados internacionais, bem como as Constituições nacionais.  Sua suprema ascensão como conceito jurídico, foi consequência de mudança no pensamento jurídico, que se tornou mais visível e concreta após a Segunda Guerra. Realmente, de acordo com os dois pilares do pensamento jurídico clássico, entre o direito público e privado e a crença no formalismo e, no raciocínio puramente dedutivo, começaram a ruir, a interpretação jurídica fez movimento decisivo na direção da filosofia moral e política. Isso é particularmente verdadeiro nas decisões envolvendo casos difíceis.

O pensamento jurídico clássico foi contestado na virada do século e, durante seus anos iniciais por doutrinadores como Georg Jellinek[3], na Alemanha, François Geny[4], na França e Oliver Wendell Holmes[5], nos EUA.

Nos EUA foi lançado um ataque poderoso contra a teoria jurídica tradicional e, especialmente, contra o formalismo, por doutrinadores identificados como realistas jurídicos[6], tais como:  Robert Lee Hale, Felix Solomon Cohen e Karl Llewellyn. No período logo após guerra foi formado um novo consenso, identificado como consenso do processo legal.

O realismo jurídico tem como fundamento a distinção nítida entre o fenômeno jurídico e a Ciência Direito; oferece uma perspectiva ontológica e, feitas algumas ressalvas, pode facilmente ser lido sob a ótica anacrônica.

Miguel Reale bem explica que a Ciência Jurídica "estuda o fenômeno jurídico tal como ele se concretiza no espaço e no tempo", enquanto que a Teoria Geral do Direito constitui a parte geral do Direito, "na qual se fixam os princípios ou diretrizes capazes de elucidar-nos sobre a estrutura das regras jurídicas e sua concatenação lógica, bem como sobre os motivos que governam os distintos campos da experiência jurídica". (In: REALE, Miguel - Lições Preliminares de Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 17ª edição, 1990).

A sociologia jurídica tem como objeto de estudo o direito enquanto fenômeno jurídico, como fato social decorrente naturalmente das relações sociais. Um dos pilares da ciência é o direito vivo, que passa de acordo com a vontade do homem. A Ciência do Direito tem como objeto de estudo a norma jurídica e sua respectiva aplicação aos casos particulares, conforme foi concebida e equacionada pelo legislador. O cientista do Direito, como jurista, interpreta e aplica a norma jurídica, excluindo assim qualquer elemento não jurídico. Um dos pilares da Ciência Jurídica é o “dever ser”, correspondente a normatividade do direito positivo.

A Filosofia do Direito tem como objeto de estudo os princípios fundamentais do Direito tais como a norma, poder, realidade, valor ou conhecimento. O filósofo se preocupa com a valoração jurídica[7] dos bens da sociedade tais como a justiça, o bem comum, o interesse social e a liberdade. Um dos pilares da Filosofia do Direito é “poder ser” correspondendo à essência e definição do Direito, visando sua aplicação.

A dignidade humana interessa e, é estudada tanto pela Sociologia do Direito, como pela Ciência do Direito e, igualmente, pela Filosofia do Direito[8].

Conforme David Kennedy e William W. Fisher[9] têm escrito, se tornou senso comum afirmar que os materiais jurídicos não produzem soluções únicas para os casos individuais, que o trabalho jurídico não era sempre dedutivo, mas também envolvia em grande medida a formulação de políticas e que os juristas têm de cogitar, pensar sobre consequências, éticas, estatísticas e assim por diante.

Esses casos envolvem lacunas, princípios conflitantes, desacordos morais ou ambiguidades. Nesse novo ambiente pós-positivista[10] onde a Constituição e os princípios constitucionais sejam expressos ou implícitos, desempenham função central, os juízes e as cortes frequentemente necessitam recorrer à moralidade política com a finalidade de aplicar corretamente os princípios.

O que favoreceu, particularmente, a ascensão da dignidade humana e, tal tendência tornou-se mais evidente na Alemanha e, alguns outros países da tradição do civil law, assim como em outros países associados ao common law[11], como o Canadá e a África do Sul. Todavia, como já anteriormente demonstrado, esse também foi o caso, em alguma medida, dos EUA.

O ideal da dignidade humana vive firmemente presente na jurisprudência da Suprema Corte na década de 1940[12], além de figurar no centro da produção acadêmica de alguns dos filósofos do direito e constitucionalistas mais proeminentes das últimas décadas.

Trata-se de conceito multifacetado residente na religião, na filosofia, na política e no direito. Há razoável consenso de que esta constitui valor fundamental subjacente às democracias constitucionais de modo geral, mesmo quando não expressamente prevista nas suas Constituições.

A Alemanha trouxe a visão dominante e concebe a dignidade como valor absoluto, que prevalece em qualquer circunstância. Essa posição tem sido pertinentemente questionada ao longo dos anos[13].

Em regra geral, no direito não há espaço para absolutos. Embora seja razoável afirmar que a dignidade humana normalmente deve prevalecer, existem situações inevitáveis em que esta terá de ceder ao menos parcialmente.

A dignidade humana, portanto, é um valor fundamental, mas não deve ser tomada como absoluta. Valores, sejam políticos ou morais, adentram o mundo do direito usualmente assumindo a forma de princípios. E, embora direitos constitucionais e princípios constitucionais frequentemente se justaponham; a melhor maneira de classificar a dignidade humana é como um princípio jurídico com status constitucional, e não como direito autônomo.

Tida como valor fundamental, é igualmente um princípio constitucional, a dignidade humana funciona tanto como justificativa moral quanto como fundamento jurídico-normativo dos direitos fundamentais. Não é necessário elaborar de modo mais profundo e detalhado a distinção qualitativa existente entre princípios e regras.

A concepção adotada é a mesma que se tornou prevalente na Teoria do Direito, baseada no trabalho seminal de Ronald Dworkin sobre o assunto, acrescida dos desenvolvimentos posteriores realizados pelo filósofo do Direito alemão Robert Alexy.

Lembremos que com Dworkin afirma que os princípios são normas que contêm exigências de justiça ou equidade, ou alguma outra exigência de moralidade. Ao contrário das regras, estes não se aplicam na modalidade tudo ou nada, e em certas circunstâncias podem não prevalecer devido à existência de outras razões ou princípios que apontem para uma direção diferente.

Os princípios têm uma dimensão de peso e quando estes colidem é necessário considerar a importância específica de cada um destes naquela situação concreta.

Para Robert Alexy, os princípios são mandados de otimização, cuja aplicação varia em diferentes graus, de acordo com o que é fática e juridicamente possível. Portanto, de acordo com a teoria de Alexy, os princípios estão sujeitos à ponderação e à proporcionalidade, e sua pretensão normativa pode ceder, conforme as circunstâncias, a elementos contrapostos. Tais visões doutrinárias não estão imunes a controvérsias.

Os princípios jurídicos são normas que possuem maior ou menor peso de acordo com as circunstâncias. Mas, em qualquer caso, fornecem argumentos que devem ser considerados pelos juízes, e todo princípio exige um compromisso de boa-fé para com sua realização, na medida em que essa realização seja possível.

Os princípios constitucionais desempenham diferentes papéis no sistema jurídico, e no momento da sua aplicação concreta, estes sempre geram regras que disciplinam situações específicas. Como forma de distinguir dois dos seus papéis principais, pode-se visualizar um princípio como dois círculos concêntricos.

Logo, qualquer tipo de intervenção sobre a dignidade humana será necessariamente tido como uma violação à dignidade, ainda que seja de alguma forma justificada. Sendo assim, como regra, a dignidade não enfrenta limitação, devendo sempre prevalecer de forma absoluta. Nesse sentido, a concepção absoluta não é compatível com a análise de proporcionalidade.

Por sua vez, de acordo com o conceito relativo, exatamente o oposto é verdadeiro. Compreende a dignidade humana como um princípio que pode ser ponderado e relativizado, quando em colisão com outras normas. Logo, a concepção relativa é compatível com a análise da proporcionalidade.

Nesse contexto, diante de um conflito entre princípios, Robert Alexy defende a ponderação buscando-se, no caso concreto, dar maior peso a um em relação a outro. No direito brasileiro, a disposição constitucional da dignidade da pessoa humana, disposta no art. 1°, III, da Constituição Federal de 1988, vem sendo ponderada pelo Judiciário sem nenhum critério, nem argumentação jurídica racional.

Com relação aos casos mais complexos, o pensador Robert Alexy apresentou o exemplo do aborto. O doutrinador alemão cogitou que, nesse caso, a otimização entre os princípios em conflito se dá pela regra de balanceamento. Alguém vai ter sacrifícios: ou a mulher, que perde seu direito de autodeterminação, ou a vida daquele que vier a ser objeto do aborto[14].

Para esse tipo de caso, o professor criou uma fórmula matemática, chamada de fórmula de ponderação ou fórmula peso, que tem a função de descrever a solução de colisões entre princípios. Na fórmula, ele atribui um peso numérico a cada um dos elementos da equação, que envolvem a intensidade de interferência de um princípio em outro, o peso abstrato de um princípio em relação ao outro, e o grau de confiabilidade ou segurança, que é “a prova dos 9”, que avalia quão confiáveis são as assertivas.

Quando a questão do aborto foi analisada na fórmula matemática do professor, o resultado da equação foi favorável à prática do aborto, já que a sua proibição concreta seria uma interferência muito maior e agressiva ao princípio da autodeterminação da mulher do que permitir o aborto até determinado período. Em resumo, a teoria dos princípios diz que quanto maior o sacrifício de um princípio, maior deverá ser o benefício daquele a que ele se destina a atender.

O palestrante também citou outros conflitos complexos, como a colisão entre os princípios da liberdade de expressão e da proteção da personalidade na internet, que têm sido muito discutidos na Corte Europeia de Direitos Humanos. A solução para o caso também se daria pela equação matemática. Robert Alexy também citou o caso da maconha, em que grupos se dividem a favor ou contra a legalização do seu uso. Na Alemanha, a Corte chegou à conclusão de que não há certeza nesse caso. In: Robert Alexy fala de sua teoria dos direitos fundamentais em conferência no TRT-18. Disponível em: http://www.trt18.jus.br/portal/robert-alexy-fala-de-sua-teoria-dos-principios-fundamentais-em-conferencia-no-trt-18/ . Acesso em 3.3.2021.

Em nosso país, vige ainda a incompreensão do duplo caráter da norma da dignidade humana, transformando-se em artimanha jurídica, tanto pelos julgadores quanto pelas partes do processo. Enfim, a teoria de ponderação de princípios proposta por Robert Alexy constitui uma desculpa perfeita e adequada para sentenciar com elevada discricionariedade e pouca racionalidade, conforme alude Humberto Ávila e Lenio Luiz Streck, manipulando livremente as disposições constitucionais, como a própria dignidade.

Aliás, Streck in litteris:

            "A ponderação é inconstitucional (...) porque o legislador, ao estabelecer, de forma a técnica a ponderação de “normas”, “esqueceu” que o direito é um sistema de regras e princípios e que, portanto, ambas são normas. Logo, ponderar regras é ponderar normas. Entretanto, é vedado ponderar regras, como se pode ver no próprio criador da ponderação contemporânea, Robert Alexy, no âmbito de sua teoria da argumentação jurídica. Ao ponderar regras, o juiz deixará de aplicar uma delas. Só que, para fazer isso, deve lançar mão da jurisdição constitucional ou dos mecanismos que tratam da resolução de antinomias, e não de algo fugidio e vazio como é a ponderação.  A violação, in casu, é do princípio da separação dos poderes e o da legalidade. Juiz não cria normas e tampouco pode deixar de aplicar uma regra válida sem que lance mão dos mecanismos próprios para isso. Se ponderar princípios já é um problema pela falta de critérios, a ponderação de regras é de extrema gravidade, porque transforma o Poder Judiciário em legislador.”.

O círculo interno, próximo do centro, contém o conteúdo essencial do princípio e, é uma fonte direta de direitos e deveres. Por exemplo, o conteúdo essencial da dignidade humana implica na proibição da tortura, mesmo em um ordenamento jurídico no qual não exista nenhuma regra específica, impedindo tal conduta.

A distinção existente entre direito e moral, entre princípio e valor promove uma épica discussão na doutrina jurídica. Observa-se a necessária relação entre as questões valorativas com o direito à total cisão entre direito e moral. É necessária a distinção entre o princípio e o valor. Com base em Philipp Heck, na sua obra "Interpretação da lei e jurisprudência de interesses", onde o doutrinador propôs a superação da antiga jurisprudência de conceitos, e, ipso facto, do positivismo primitivo. Precisamos dar solução ao órfão diante da superação das antigas doutrinas, a saber: o da interpretação da lei. Durante o desenvolvimento do seu estudo, este irá trazer o conceito de interesse, que é suma importância para a evolução da hermenêutica.

Segundo Heck, o que denominamos interesses são os desejos e aspirações da vida e da jurisprudência de interesses[15] seria a preocupação da decisão judicial em jamais perder de vista essa finalidade. O autor ainda propôs a "teoria dos comandos", conceito a partir do qual começará a traçar as linhas do que seria entendido por princípio.

Os comandos legais que destinariam a resolver os conflitos de interesses, seriam, em verdade, resultado desses interesses. Portanto, teríamos, alei como produto do interesse. Foi quando surgira o problema das lacunas da lei e a posição do juiz. A experiência como forma de determinação dos princípios asseguraria o valor social da interpretação judicial e, aparece na tentativa de sanar tais problemas.

A compreensão dos interesses seria a forma de compreender a própria lei. Porém, o próprio doutrinador é capaz de entender e de admitir a limitação da sua proposta ao afirmar que "a interpretação crítica acarreta frequentemente à conclusão de que é impossível determinar a ideia de comando ou valoração de interesses, ou de que são possíveis várias explicações, quer equivalentes, quer divergentes, quanto ao grau de verossimilhança.

Os princípios são valores dos critérios diretivos para interpretação e dos critérios programáticos para o progresso da legislação. Existe a influência de Heck, que tratava o princípio como norteador das lacunas da lei. Já Verzio Crisafulli introduziu o entendimento de que o princípio é forma de justificar resoluções jurídicas e, por Josef Esser com a concepção de princípios como normas que estabelecem os fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado.

Crisafulli cogita, ainda, dos denominados princípios problemáticos, como forma de conferir a primazia para o momento concreto da aplicação do direito. E, começa-se a perceber que a noção de princípio se altera, passando de mero auxiliar na interpretação, para enfim, ser considerado como norma.

É claro que quando já existem regras mais específicas indicando que os constituintes ou os legisladores detalharam o princípio de modo mais concreto, não havendo necessidade de se recorrer ao princípio mais abstrato da dignidade humana. Porém, em outro exemplo, nos países onde o direito à privacidade não está expresso na constituição, como nos Estados Unidos, ou o direito geral contra a autoincriminação não está explicitado, como no Brasil, eles podem ser extraídos do significado essencial da dignidade.

Ingo Wolfgang Sarlet destaca que o próprio Supremo Tribunal Federal vem seguindo o entendimento doutrinário majoritário no sentido de compreender a dignidade humana como valor-fonte da ordem jurídica, conforme restou consignado no acórdão proferido no HC nº. 87.676/ES, relatado pelo Ministro Cezar Peluso, cujo julgamento ocorreu em 06.05.2008. Uma vez superada, então, a controvérsia acerca da natureza jurídica da dignidade da pessoa humana, revela-se necessário analisar a dignidade da pessoa humana sob o manto da “abertura material” dos direitos e garantias fundamentais, a partir da jurisprudência da Suprema Corte brasileira.

Estando consciente do elevado grau de indeterminação e do caráter polissêmico do princípio da dignidade da pessoa humana, adverte o doutrinador brasileiro que, com esforço argumentativo, tudo o que se consta no texto constitucional, ainda que de maneira indireta, poderá ser reconduzido ao valor da dignidade da pessoa humana.

Entretanto, não é neste exato sentido que o princípio da dignidade da pessoa humana deverá ser utilizado na condição de elemento integrante de uma ideia material de direitos fundamentais, vez que, se assim o fosse, "toda e qualquer posição jurídica estranha ao catálogo poderia (em face de um suposto conteúdo de dignidade da pessoa humana), seguindo a  mesma linha de raciocínio, ser guindada à condição de materialmente fundamental".

Sarlet ainda alerta para a necessidade de cautela por parte do intérprete, especialmente pelo fato de estar-se ampliando o rol de direitos fundamentais da Constituição com as consequências práticas a serem extraídas, não se devendo, por isso, desconsiderar o risco de uma possível desvalorização dos direitos fundamentais, que, vez ou outra, é indicada pela doutrina.

Eis aí, o primeiro papel de um princípio como a dignidade humana: funcionar como uma fonte de direitos e, consequentemente, de deveres —, incluindo os direitos não expressamente enumerados, que são reconhecidos como parte das sociedades democráticas maduras.

O outro papel principal da dignidade humana é interpretativo[16]. A dignidade humana é parte do núcleo essencial dos direitos fundamentais, como a igualdade, a liberdade ou o direito ao voto (o qual, a propósito, não está expresso no texto da Constituição dos Estados Unidos). Sendo assim, ela vai necessariamente informar a interpretação de tais direitos constitucionais, ajudando a definir o seu sentido nos casos concretos.

Além disso, nos casos envolvendo lacunas no ordenamento jurídico, ambiguidades no direito, colisões entre direitos fundamentais e tensões entre direitos e metas coletivas, a dignidade humana pode ser uma boa bússola na busca da melhor solução. Mais ainda, qualquer lei que viole a dignidade, seja em abstrato ou em concreto, será nula.

Coerente com a posição ora sustentada de que a dignidade humana não é um valor absoluto é a afirmação de que esta tampouco é um princípio absoluto. De fato, se um princípio constitucional pode estar por trás tanto de um direito fundamental quanto de uma meta coletiva, e se os direitos colidem entre si e com as metas coletivas, um impasse lógico ocorreria.

Afinal, um choque de absolutos não tem solução. Assim, a dignidade humana, como um princípio e valor fundamental, deve ter precedência na maior parte dos casos, mas não necessariamente em todos. E, mais ainda: quanto aos aspectos reais e, não apenas retóricos da dignidade estão presentes na argumentação dos dois lados em conflito, a discussão se torna mais complexa.

Em circunstâncias como essa, o pano de fundo cultural e político pode influenciar o modo de raciocínio do julgador ou da corte, o que, realmente, acontece com frequência, por exemplo, nos casos que envolvem os conflitos entre a privacidade, no sentido de defesa da reputação e a liberdade de imprensa.

Na verdade, este não é um conflito entre a liberdade e a dignidade, mas entre esta como um valor intrínseco e a dignidade como autonomia. Em verdade, os princípios e direitos são categorias intimamente ligadas. Tanto os direitos fundamentais quanto os princípios constitucionais representam uma abertura do sistema jurídico ao sistema da filosofia moral.

Especialmente quando se reconhece a chamada dimensão objetiva dos direitos fundamentais, que representa uma ordem moral de valores condicionantes da interpretação do sistema jurídico como um todo, a semelhança entre direitos fundamentais e princípios constitucionais. se torna ainda mais evidente.

No entanto, uma vez que a dignidade é reconhecida como o alicerce último de todos os direitos verdadeiramente fundamentais e como fonte de parte do seu conteúdo essencial, seria contraditório considerá-la como um direito em si, já que ela é parte de diferentes direitos.

Além disso, se a dignidade humana fosse considerada um direito fundamental específico ela necessariamente iria ter que ser ponderada com outros direitos fundamentais, o que a colocaria em uma posição mais fraca do que ela teria caso fosse utilizada como um parâmetro externo para aferir soluções possíveis nos casos de colisões de direitos. Como um princípio constitucional, contudo, a dignidade humana pode precisar ser ponderada com outros princípios ou metas coletivas.

Vale lembrar que esta normalmente deve prevalecer, mas nem sempre será esse o caso. É melhor reconhecer esse fato do que tentar negá-lo através de argumentos circulares.

Uma derradeira observação: a dignidade humana, em muitos países, é tida como aplicável tanto às relações entre indivíduos e governo quanto às relações privadas, o que corresponde à chamada eficácia horizontal dos direitos constitucionais (drittwirkung).

Avaliando-se a tensão existente entre direitos individuais e metas coletivas, Ronald Dworkin[17] cunhou frase que se tornou emblemática dentro do contexto de conflito existente entre o indivíduo e Estado[18]. Afinal, os direitos individuais correspondem aos trunfos guardados pelos indivíduos e, a consequência de se definir algo como direito é que para este não pode ser sobrepujado pelo apelo a qualquer meta cotidiana da Administração Pública, mas apenas por uma meta de especial urgência. (In: Dworkin, Ronald. Talking rights Seriously, 1997, p. 92).

Na apreciação da dignidade humana é notável a influência do pensamento kantiano, oriundo do Iluminismo, que é reconhecidamente uma referência central na filosofia moral e jurídica ocidental. Aliás, a ética de Kant é plenamente fulcrada em noções de razão e dever, na capacidade do indivíduo dominar suas paixões e interesses próprios e, ainda, descobrir dentro de si mesmo, a lei moral que deverá orientar sua conduta.

Não obstante da sua dominante influência, o sistema da moral de Kant[19] é, por vezes, questionado por autores que destacam os limites da razão em contraste com o desejo e a paixão e o papel da comunidade onde o indivíduo está inserido na fixação de seus valores éticos. Inegavelmente que existe boa margem para críticas, uma vez que, fora de qualquer dúvida, a razão isoladamente considerada jamais será inteiramente responsável pelo comportamento humano.

Assim, sendo, embora não se deva rejeitar a força da ação moral e da razão prática, é relevante reconhecer a impossibilidade de se conceber uma razão plenamente objetiva e desprovida de diferentes percepções subjetivas do bem e do justo.

Em verdade, o comportamento humano jamais pode ser completamente dissociado de simpatias, afetos e solidariedades, para não mencionar sentimentos menos nobres, como ambições por poder, inveja e riqueza. E, mesmo assim, a ética de Kant[20] traz conceitos como o imperativo categórico, autonomia e dignidade, tornando-se parte essencial da gramática e da semântica de todos os estudos sobre o tema.

Algumas noções básicas do pensamento de Kant, são inevitáveis para entender a dignidade humana. Kant dividiu a filosofia em três partes, a saber: lógica, que é a filosofia formal aplicada a todo pensamento; a física que então é que lida com as leis da natureza e, ainda descreve o mundo conforme ele é; já a ética, que tem como objeto a vontade humana e prescreve o que esta deve ser.

A ética é o domínio da lei moral que é composta por comando que disciplina a vontade humana que está em conformidade com a razão. Tais comandos expressam um dever-ser, um imperativo, que pode ser hipotético ou categórico. O imperativo hipotético identifica uma ação que é boa como um meio para se alcançar algum fim.

O imperativo categórico, por sua vez, corresponde a uma ação que é boa em si mesma, independentemente do fato de servir a determinado fim. Ele corresponde a um padrão de racionalidade e representa o que é objetivamente necessário em uma vontade que esteja em conformidade com a razão.

Esse imperativo categórico, ou imperativo de moralidade, foi enunciado por Kant em uma famosa proposição sintética: “Age de tal modo que a máxima da tua vontade (ou seja, o princípio que a inspira e move) possa se transformar em uma lei universal”. Note-se que em lugar de apresentar um catálogo de virtudes específicas, uma lista do que fazer e do que não fazer, Kant concebeu uma fórmula capaz de determinar a ação ética.

Apesar de Kant ter afirmado que há um único imperativo categórico, reproduzido acima, este apresenta três diferentes formulações deste. O primeiro é conhecido como a fórmula da lei natureza, que declara: Aja como se a máxima que fundamentou sua ação deve-se tornar, pela sua própria vontade, uma lei universal da natureza.

A segunda fórmula é chamada de fórmula da humanidade: “Age de modo a utilizar a humanidade, seja em relação à tua própria pessoa ou a qualquer outra, sempre e a todo o tempo como um fim e, nunca meramente, como um meio”.

A terceira fórmula é a da autonomia: E isso é feito na presente terceira fórmula do princípio, a saber, a ideia da vontade de cada ser racional como a vontade formuladora da lei universal.

Observa-se que a primeira e a terceira fórmulas são muito próximas, exceto pelo fato de o foco mudar da obediência à lei universal para a sua formulação. Já a segunda fórmula com um aspecto humanista mais destacado e uma ênfase no respeito pelas pessoas, parece oferecer perspectiva diferente.

Contudo, Kant, afirmou que todas as formulações eram equivalentes, assinalando, provavelmente, que elas levavam aos mesmos deveres.  Há dois outros conceitos fundamentais para a ética de Kant são a autonomia e a dignidade. A autonomia é a qualidade de uma vontade que é livre, pois identifica a capacidade do indivíduo de se autodeterminar em conformidade com a representação de certas leis. Uma razão que se autogoverna e, a ideia central é que os indivíduos estão sujeitos apenas às leis que dão a si mesmos.

Um indivíduo autônomo é alguém vinculado somente à sua própria vontade e não àquela de alguma outra pessoa, uma vontade heterônoma. Tais ideias se tornam mais complexas e um tanto contrafáticas quando adicionamos outros elementos da teoria moral de Kant.

Afinal, para Kant[21], o indivíduo é governado pela razão e, esta é a representação correta de leis morais, sendo que o princípio supremo da moralidade consiste em cada indivíduo dar a si mesmo uma lei que poderia se tornar universal, que uma  lei objetiva da razão, sem nenhuma concessão a motivações subjetivas.

A dignidade, por sua vez, dentro da visão kantiana, tem por fundamento a autonomia. Em um mundo no qual todos pautem a sua conduta pelo imperativo categórico — no “reino dos fins”, como escreveu —, tudo tem um preço ou uma dignidade.

As coisas que têm preço podem ser substituídas por outras equivalentes. Mas quando uma coisa está acima de todo preço e não pode ser substituída por outra equivalente, ela tem dignidade. Assim é a natureza singular do ser humano. Portanto, as coisas têm um preço de mercado, mas as pessoas têm um valor interno absoluto denominado dignidade.

Consequentemente, cada ser racional e cada pessoa existe com fim em si mesmo, e não como meio para uso discricionário de uma vontade externa. E, essa é, conforme visto, a segunda formulação do imperativo categórico.

Essas são algumas das ideias e conceitos kantianos que têm tido maior influência nos estudos sobre dignidade humana ao redor do mundo. Condensada em uma única proposição, elas podem ser assim enunciadas: a conduta moral consiste em agir inspirado por uma máxima que possa ser convertida em lei universal; todo homem é um fim em si mesmo, e não deve ser instrumentalizado por projetos alheios; os seres humanos não têm preço nem podem ser substituídos, pois eles são dotados de um valor intrínseco absoluto, ao qual se dá o nome de dignidade.

A dignidade humana se tornou um consenso ética essencial no mundo ocidental, reforçando a rejeição moral ao desastre representado pelo nazifascismo. Desta forma, nenhum documento jurídico nacional ou internacional tentou oferecer definição[22] para o termo, deixando o significado intrínseco da dignidade humana para o entendimento intuitivo.

Com a derrota do Eixo na Segunda Guerra Mundial e o suicídio de Hitler, o “Terceiro Reich” (o “reino ariano”) foi desfeito. Em Nuremberg, cidade natal do partido nazista, ocorreu entre os anos de 1945 e 1946 um dos julgamentos[23] mais famosos da história, no qual foram condenados alguns dos responsáveis pelo desenvolvimento do Reich. A prisão de Mussolini representou ainda outro importante revés para as forças fascistas. Mesmo com a manutenção do Salazarismo em Portugal e da ditadura espanhola de Franco, o nazifascismo parecia não mais amedrontar o mundo como antes.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial não apenas oportunizou-se a criação de arcabouço jurídico em torno da dignidade da pessoa humana, mas igualmente proporcionou o grande debate entre os pensadores alemães que romperam o silêncio, como por exemplo, Ernst Bloch, Werber, Maihofer e Niklas Luhmann[24]. Concluíram, que é impossível se alcançar o pleno exercício da dignidade humana sem atendimento das necessidades humanas. Portanto, a tutela da dignidade humana transcende a personalidade do homem e implica a solidariedade entre os homens, como forma de superação de diferenças socioeconômicas.

De fato, a amplitude conceitual da dignidade humana torna difícil elaborar um conceito transnacional que seja capaz de considerar adequadamente toda a miríade de circunstâncias culturais, religiosas, históricas, políticas e sociais que estão vigentes em diferentes partes do mundo. E, na medida em que a dignidade tem ganhado importância, tanto na seara interna quanto no discurso internacional, se faz curial e necessário estabelecer pelo menos certo conteúdo mínimo, a fim de unificar o seu uso e lhe conferir ainda alguma objetividade. Para, enfim, ter como bom termo deve-se aceitar que se trata de uma noção aberta, plástica e plural.

O atual Ministro Luís Roberto Barroso assim, traçou a concepção minimalista, in litteris: a dignidade humana identifica 1. O valor intrínseco de todos os seres humanos; assim como 2. A autonomia de cada indivíduo; e 3. Limitada por algumas restrições legítimas impostas a ela em nome de valores sociais ou interesses estatais (valor comunitário[25]).

Esses três elementos serão analisados na próxima seção, com base em uma perspectiva filosófica que é laica, neutra e universalista. Antes disso se faz necessário, porém, um comentário adicional a respeito de cada uma dessas perspectivas.

Por laicidade entende-se que Igreja[26] e Estado devem ser separados, que a religião é questão privada de cada indivíduo e que, na política e nos assuntos políticos, trazendo visão racional e humanista que deve prevalecer sobre as concepções religiosas.

Tal visão, evidentemente, não deprecia a liberdade de religião, e a crença religiosa é, realmente, opção legítima para milhões de pessoas. Nas democracias maduras e mais aperfeiçoadas, vige um equilíbrio implícito e justo é normalmente atingido: os dogmas religiosos — como milagres, pecado e fé na vida após a morte — são deixados de lado na esfera pública, mas isso não significa que valores de inspiração religiosa — como a santidade da vida ou o dever de respeitar os outros — não possam ser traduzidos em argumentos políticos válidos.

A laicidade[27] é referida também como secularismo, sendo que esse derradeiro termo fora usado pela primeira vez por George Jacob Holyake (The origin and nature of secularism, 1896, p. 50) onde se lê: “Então, como agora, havia inúmeras pessoas, em todos os lugares, a serem atendidas por aqueles que explicavam tudo com base em princípios sobrenaturais, com toda a confiança do conhecimento infinito (...)

Isso me levou à conclusão de que o dever de observar as maneiras da natureza era incumbência de todos os que iriam encontrar verdadeiras condições de aperfeiçoamento humano, ou novas razões para a moralidade — ambas muito necessárias.

Para esse fim, o nome “secularismo” foi dado para certos princípios que tinham como seu objeto o aperfeiçoamento humano através de meios materiais, relacionados com a Ciência como a Providência do homem, e que justificavam a moralidade com considerações que são pertencentes apenas a essa vida”

A neutralidade, nesse contexto, indica que a dignidade humana não seja entendida como exigindo qualquer visão perfeccionista, ideológica ou política particular. Busca-se um conteúdo mínimo de dignidade humana capaz de ser aceito por conservadores, liberais ou socialistas, assim como por pessoas que professam diferentes concepções razoáveis de bem e de vida boa.

A noção de neutralidade é ponto central do pensamento liberal contemporâneo, apesar que esteja longe de atingir aceitação universal. A neutralidade[28], nesse contexto, indica que a dignidade humana não seja entendida como exigindo qualquer visão perfeccionista, ideológica ou política particular.

Essas noções de laicidade e neutralidade[29], contudo, representam um esforço para libertar a dignidade humana de qualquer doutrina religiosa ou política abrangente, associando-a com a ideia de razão pública, desenvolvida com maestria por John Rawls[30].

O universalismo e sua noção correlata, o multiculturalismo implica em respeito e apreço pela diversidade étnica, religiosa e cultural. Desde o fim do século XX, tem se tornado amplamente aceito que o multiculturalismo é fulcrado em valores não somente coerentes com as democracias liberais, mas também exigidos por estas. As minorias têm direito às suas identidades e diferenças, bem como o direito de serem reconhecidas.

Não existe dúvida de que a dignidade humana corrobora com tal entendimento. Porém, em seu essencial significado, tem também uma pretensão universalista, simbolizando o tecido que mantém a família humana unida. Nesse domínio mínimo, o idealismo iluminista[31] se faz necessário, para que possam confrontar práticas e costumes relacionados com a violência, crueldade, opressão sexual e tirania.

É claro que essa é uma batalha de ideias, a ser vencida com paciência e perseverança. Tropas não conseguirão fazê-lo. E, para esse fim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) oferece um bom guia. Pode-se destacar a escolha da expressão universal ao invés de internacional.

A DUDH foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 12 de outubro de 1948, com 48 votos a favor, zero contra e 8 abstenções. Simboliza o mínimo ético a ser perseguido na finalidade de preservar e promover a dignidade humana. Tais princípios e direitos consagrados é vista como soft law, têm sido desenvolvidos e especificados em outros documentos internacionais, considerados como vinculantes, e outros como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 16 de dezembro de 1996. Além de inúmeros outros patrocinados pela ONU, assim como tratados e convenções regionais nas Américas, Europa e África que incorporaram alguns dos conceitos da DUDH.

A dignidade humana e os direitos humanos (ou fundamentais) são intimamente relacionados, como as duas faces de uma mesma moeda ou, para usar uma imagem comum, as duas faces de Jano. Uma, voltada para a filosofia, expressa os valores morais que singularizam todas as pessoas, tornando-as merecedoras de igual respeito e consideração; a outra é voltada para o Direito, contemplando os direitos fundamentais.

Esses últimos representam a moral sob a forma de Direito ou, como assinalado por Jürgen Habermas, “uma fusão do conteúdo moral com o poder de coerção do Direito”. In: Jürgen Habermas. The concept of human dignity and the realistic utopia of human rights. Metaphilosophy, n. 41, p. 464, 470, 2010. (“Como a promessa moral de igual respeito a todos precisa ser traduzida em linguagem jurídica, os direitos humanos exibem uma face de Jano, voltada simultaneamente para a moral e para o Direito. Apesar do seu conteúdo exclusivamente moral, eles têm a forma de direitos individuais aplicáveis”).

O valor intrínseco, o elemento ontológico da dignidade humana está ligado à natureza do ser. Corresponde ao conjunto de características que são inerentes e comuns a todos os seres humanos, e que lhes confere status especial e superior no mundo, distinto do de outros países.

O valor intrínseco é oposto ao valor atribuído ou instrumental, porque é um valor que é um bom em si mesmo e que não tem preço. A singularidade da natureza humana é a combinação de características e traços inerentes que incluem inteligência, sensibilidade e a capacidade de se comunicar.

Há uma consciência crescente, todavia, de que a posição especial da condição humana não autoriza arrogância e indiferença em relação à natureza em geral, incluindo os animais irracionais, que possuem a sua própria espécie de dignidade.

Do valor intrínseco do ser humano decorre um postulado antiutilitarista e outro antiautoritário. O primeiro se manifesta no imperativo categórico de Kant do homem como um fim em si mesmo, e não como um meio para a realização de metas coletivas ou de projetos pessoais de outros; o segundo, na ideia de que é o Estado que existe para o indivíduo, e não o contrário.

É por ter o valor intrínseco de cada pessoa como conteúdo essencial que a dignidade humana é, em primo locus, um valor objetivo que não depende de qualquer evento ou experiência e que, portanto, não pode ser concedido ou perdido, mesmo diante do comportamento mais reprovável.

Esta independe até mesmo da própria razão, estando presente em recém-nascidos e, em pessoas senis ou qualquer grau de deficiência mental. No plano jurídico, o valor intrínseco está na origem de um conjunto de direitos fundamentais.

O primeiro destes é o direito à vida que significa pré-condição básica para o desfrute de qualquer outro direito. A dignidade humana preenche quase plenamente o conteúdo do direito à ida, deixando espaço apenas para poucas situações particulares e controversas, tais como aborto, eutanásia, suicídio assistido e pena de morte.

A guerra e o genocídio são adequadamente compreendidos como circunstâncias patológicas e, o segundo direito relacionado com o valor intrínseco de cada indivíduo é a igualdade perante a lei e na lei. Isso implica na proibição de haver discriminações ilegítimas devido à raça, cor, etnia, nacionalidade, sexo, idade, capacidade mental e no respeito pela diversidade cultural, linguística ou religiosa (o direito ao reconhecimento).

A dignidade humana ocupa apenas uma parte do conteúdo da ideia de igualdade, e em muitas situações pode ser aceitável que se realizem diferenciações entre as pessoas. No mundo contemporâneo isso está particularmente em discussão nos casos envolvendo ações afirmativas e direitos de minorias religiosas. O valor intrínseco também leva a outro direito fundamental, o direito à integridade física e psíquica.

O direito à integridade física abrange a proibição da tortura, do trabalho escravo e das penas cruéis ou degradantes. É no âmbito desse direito que se desenvolvem discussões sobre prisão perpétua, técnicas de interrogatório e condições nas prisões.

Por fim, o direito à integridade psíquica ou mental, na Europa e em muitos países da tradição do civil law[32], compreende o direito à honra pessoal e à imagem, bem como à privacidade. A noção de privacidade nos Estados Unidos, porém, é bastante peculiar.

Na Constituição dos Estados Unidos não há referência expressa à privacidade. De um lado, aspectos da privacidade são protegidos pela proibição de buscas e apreensões não razoáveis, contida na Quarta Emenda[33]. De outro lado, a honra pessoal e o direito à imagem não têm status de direitos constitucionais, diferentemente do que se passa em muitos outros países e do que consta da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais.

Por fim, a jurisprudência norte-americana trata sob o rótulo de direitos de privacidade situações que em outros países se enquadram na categoria de liberdade[34] e igualdade perante a lei, como o direito ao uso de anticoncepcionais e o direito de praticar atos íntimos entre adultos.

A dignidade humana ocupa apenas uma parte do conteúdo da ideia de igualdade, e em muitas situações, pode ser aceitável que se realizem diferenciações entre as pessoas.

No mundo contemporâneo isso está particularmente em discussão nos casos envolvendo ações afirmativas e direitos de minorias religiosas.  O valor intrínseco também leva a outro direito fundamental, o direito à integridade física e psíquica. O direito à integridade física abrange a proibição da tortura, do trabalho escravo e das penas cruéis ou degradantes.

É no âmbito desse direito que se desenvolvem discussões sobre prisão perpétua, técnicas de interrogatório e condições nas prisões. Por fim, o direito à integridade psíquica ou mental, na Europa e em muitos países da tradição do civil law, compreende o direito à honra pessoal e à imagem, bem como à privacidade. A noção de privacidade nos Estados Unidos, porém, é bastante peculiar.

Existe, pelo mundo todo, uma quantidade razoável de precedentes envolvendo direitos fundamentais derivados da dignidade humana como valor intrínseco. No que se refere ao direito à vida, o aborto é permitido nos primeiros estágios da gravidez na maioria das democracias[35] do Atlântico Norte, incluindo Estados Unidos, Canadá, França, Reino Unido e Alemanha. A dignidade humana, nesses países, não tem sido interpretada como um reforço do direito à vida do feto em contraposição à vontade da gestante.

Esse ponto será retomado na última seção do presente livro. Ao contrário do aborto, o suicídio assistido é ilegal na maioria dos países do mundo, embora haja um número crescente de exceções, que incluem Holanda, Bélgica, Colômbia e Luxemburgo, entre outros. Nos Estados Unidos, ele é permitido nos Estados do Oregon, Washington e Montana.

A principal preocupação aqui não é com a cessação da vida dos pacientes que são doentes terminais, em estágio vegetativo ou sofrendo de modo insuportável e permanente, mas com a possibilidade de pessoas vulneráveis sofrerem abusos. Quanto à pena de morte, ela foi banida da Europa e da maioria dos países do mundo, sendo que os Estados Unidos continuam como uma exceção marcante entre as democracias ocidentais.

Embora possua alicerces na tradição histórica americana, é difícil defender que a pena de morte seja compatível com a dignidade humana, já que implica na objetificação completa do indivíduo cuja vida e humanidade sucumbem diante de um suposto interesse público — altamente questionável — que seria realizado por meio dessa forma de retribuição.

Em referência à igualdade, a prática de ações afirmativas foi acolhida em países como EUA, Canadá e Brasil e é expressamente autorizada pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Por outro lado, os direitos das minorias religiosas têm sofrido derrotas, especialmente na Europa, onde o uso do véu islâmico integral em público ou foi proibido ou é objeto de discussão em vários Estados Membros.

Nesses países, o Judiciário e o Legislativo têm deixado de conferir proteção plena à dignidade de grupos minoritários, considerando que o direito à identidade desses grupos é sobrepujado por um alegado interesse público relativo à segurança, preservação cultural e proteção dos direitos das mulheres.

No que se refere à integridade física ou, de acordo com a terminologia americana, penas cruéis e incomuns juízes e juristas têm repetidamente afirmado que a tortura é uma prática completamente inadmissível. Mais, recentemente, nos EUA, a Suprema Corte declarou que a superlotação das prisões na Califórnia violava a Oitava Emenda[36].

O voto majoritário, redigido pelo Justice Kennedy, fez referências à dignidade, à dignidade do homem e à dignidade humana. E, finalmente, tratando-se da integridade psíquica, o típico desafio no mundo contemporâneo diz respeito ao conflito entre o direito à privacidade (entendimento como honra pessoal ou imagem) e a liberdade de expressão, particularmente, a de imprensa.

Os aspectos da dignidade humana estão presentes em ambos os lados dignidade como valor intrínseco versus dignidade como autonomia e os resultados desses casos são influenciados por contextos culturais distintos. Um exemplo recente desse conflito entre culturas jurídicas se deu quando a polícia de Nova York efetuou a prisão de uma figura pública francesa, que foi então exposta algemada à imprensa e obrigada a caminhar diante das câmeras por ocasião da apresentação ao juiz. Embora, essa seja uma prática policial comum nos EUA, onde é chamada de perpwalk, o episódio fora considerado como violação de privacidade desnecessária e abusiva.

A autonomia é elemento ético da dignidade humana, é fundamento do livre arbítrio e que lhes permite buscar, da sua própria maneira, o ideal de viver bem e de ter uma boa vida. Trata-se de autodeterminação, a pessoa autônoma define as regras que irão disciplinar a sua ida. E, dentro da concepção de Kant de autonomia, deve ser entendida como a vontade orientada pela lei moral (autonomia moral).

Voltando-se para a autonomia pessoal que é valorativamente neutra e significa o livre exercício da vontade por cada pessoa, segundo seus próprios valores, interesses e desejos. A autonomia pressupõe o preenchimento de certas condições, como a razão que é a capacidade mental de tomar as decisões informadas, a independência, ou seja, a ausência de coerção, coação, ou de manipulação e de privações essenciais e a escolha (a existência real de alternativas).

Note-se que no sistema moral kantiano a autonomia é a vontade que não sofre influências heterônomas e corresponde à ideia de liberdade. Contudo, na prática política e na vida social, a vontade individual é restringida pelo direito e pelos costumes e normas sociais.

Desse modo, ao contrário da autonomia moral, a autonomia pessoal, embora esteja na origem da liberdade, corresponde apenas ao seu núcleo essencial. A liberdade tem um alcance mais amplo, que pode ser limitado por forças externas legítimas. Mas, a autonomia é a parte da liberdade que não pode ser suprimida por interferências sociais ou estatais por abranger as decisões pessoais básicas, como as escolhas relacionadas com religião, relacionamentos pessoais, profissão e concepções políticas, entre outras.

A autonomia, portanto, corresponde à capacidade de alguém tomar decisões e de fazer escolhas pessoais ao longo da vida, baseadas na sua própria concepção de bem, sem influências externas indevidas.

Quanto às suas implicações jurídicas, a autonomia está subjacente a um conjunto de direitos fundamentais associados com o constitucionalismo democrático, incluindo as liberdades básicas (autonomia privada) e o direito à participação política (autonomia pública).

Com a ascensão do Estado de bem-estar social[37], muitos países ao redor do mundo passaram a incluir, na equação que resulta em verdadeira e efetiva autonomia, o direito fundamental social a condições mínimas de vida (o mínimo existencial). Analisa-se brevemente, a seguir, cada uma dessas três categorias: autonomia privada, autonomia pública e mínimo existencial[38].

A autonomia privada é o conceito-chave por trás das liberdades individuais, incluindo aquelas que nos Estados Unidos são normalmente protegidas sob o guarda-chuva da privacidade. Dessa forma, as liberdades de religião, expressão e associação, assim como os direitos sexuais e reprodutivos, são importantes manifestações da autonomia privada. É claro que a partir da autonomia privada não derivam direitos absolutos.

É importante relembrar que a autonomia está apenas no núcleo essencial das diferentes liberdades e direitos, não ocupando toda a sua extensão. Por exemplo: como resultado da sua liberdade de ir e vir, um indivíduo pode decidir onde fixar residência, uma escolha estritamente pessoal; do mesmo modo, ele pode decidir onde passar suas próximas férias.

Mas se uma legislação ou regulação válida o proibir de visitar um determinado país, como por exemplo, a Coreia do Norte[39] ou o Afeganistão[40],  não se poderia cogitar, ao menos em princípio, que essa restrição represente uma violação à sua dignidade humana.

Finalmente, podem existir colisões entre a autonomia de indivíduos diferentes, assim como entre a autonomia, de um lado, e a dignidade como valor intrínseco ou como valor comunitário, do outro. Assim, a autonomia privada, como um elemento essencial da dignidade humana, oferece um relevante parâmetro para a definição do conteúdo e do alcance dos direitos e liberdades, mas não dispensa o raciocínio jurídico da necessidade de sopesar fatos complexos e de levar em consideração normas aparentemente contraditórias, com a finalidade de atingir um equilíbrio adequado diante das circunstâncias.

Nos Estados Unidos, a questão foi levantada pela primeira vez em um famoso discurso do presidente Franklin Delano Roosevelt e na sua proposta subsequente de uma “segunda Bill of Rights[41], apresentada em 11 de janeiro de 1944, que contém menção expressa aos direitos à alimentação adequada, vestuário, moradia decente, educação e cuidados médicos.

Embora Roosevelt acreditasse que a implementação dessa segunda geração de direitos fosse um dever do Congresso e não do Judiciário, Cass Robert Sunstein defendeu convincentemente que, em casos julgados entre o início da década de 1940 e os primeiros anos da década de 1970, uma série de decisões da Suprema Corte chegou muito perto de reconhecer alguns direitos sociais e econômicos como verdadeiros direitos constitucionais.

Segundo Cass Robert Sunstein[42], uma contrarrevolução ocorreu após Richard Nixon[43] ter sido eleito presidente em 1968, notadamente por causa de suas indicações para a Suprema Corte. Como consequência, a jurisprudência[44] da Corte ficou mais alinhada com a visão tradicional dominante no Direito americano, segundo a qual os direitos fundamentais não conferem aos seus titulares direitos a prestações estatais positivas. Mais recentemente, a Reforma da Saúde de 2010 reacendeu esse debate.

A autonomia privada corresponde ao que Benjamin Constant[45] chamou de liberdade dos modernos, baseada nas liberdades civis, no Estado de Direito e na proteção contra a interferência estatal abusiva.  A autonomia pública, por seu azo, está relacionada à liberdade dos antigos, de liberdade republicana relacionada com a cidadania e com a participação na vida política.

E, os gregos antigos enxergavam a cidadania como uma obrigação moral e dedicavam uma parte substancial do seu tempo e da sua energia nos assuntos públicos, o que era facilitado pelo fato de os escravos realizarem a maior parte do trabalho.

Como a democracia é associação para autogoverno, exige uma relação mútua entre cidadão e a vontade coletiva. Assim cada cidadão tem o direito de participar do governo direta ou indiretamente. E, nesse sentido, a autonomia pública implica nos direitos de votar, concorrer aos cargos públicos, ser membro de associações políticas, fazer parte de movimentos sociais e, especialmente, o direito às condições necessárias para participar do debate público. Idealmente, portanto, todas as leis que os indivíduos são obrigados a respeitar foram criadas com a sua participação, o que lhes assegura o status de indivíduos autônomos, e não o de meros súditos heterônomos.

No que se refere à autonomia pública, uma importante decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos considerou que uma legislação do Reino Unido que negava aos presos o direito ao voto violava a Convenção Europeia de Direitos Humanos. Embora essa decisão tenha sido duramente questionada pelos membros do Parlamento Inglês, a Corte corretamente declarou que “os prisioneiros em geral continuam a gozar dos direitos fundamentais garantidos pela convenção [incluindo o direito ao voto], com exceção do direito à liberdade”.

Por fim, ínsito à ideia de dignidade humana está o conceito de mínimo existencial, também chamado de mínimo social, ou o direito básico às provisões necessárias para que se viva dignamente.

A igualdade, em sentido material ou substantivo, e especialmente a autonomia (pública e privada) são ideias dependentes do fato de os indivíduos serem “livres da necessidade” (free from want), no sentido de que suas necessidades vitais essenciais sejam satisfeitas.

Para serem livres, iguais e capazes de exercer uma cidadania responsável, os indivíduos precisam estar além de limiares mínimos de bem-estar, sob pena de a autonomia se tornar uma mera ficção, e a verdadeira dignidade humana não existir. Isso exige o acesso a algumas prestações essenciais — como educação básica e serviços de saúde —, assim como a satisfação de algumas necessidades elementares, como alimentação, água, vestuário e abrigo.

O mínimo existencial, portanto, está no núcleo essencial dos direitos sociais e econômicos, cuja existência como direitos realmente fundamentais — e não como meros privilégios dependentes do processo político — é bastante controvertida em alguns países.

A sindicabilidade judicial desses direitos é complexa e produz uma série de impasses em todos os lugares. Apesar dessas dificuldades, a ideia de direitos sociais mínimos[46] que podem ser efetivados pelo Judiciário, não sendo inteiramente dependentes da ação legislativa, foi aceita pela jurisprudência de diversos países, incluindo Alemanha, África do Sul e Brasil, para citar exemplos de diferentes continentes. De acordo com as circunstâncias, os juízes e cortes podem tanto determinar a concessão de um benefício individual, quanto, ao menos, exigir uma ação razoável do Estado.

O mínimo existencial está no cerne da dignidade humana e que a autonomia não pode existir onde as escolhas são ditadas somente por necessidades pessoais. Desse modo, portanto, aos muito pobres deve ser proteção constitucional.

O terceiro e derradeiro elemento da dignidade humana é valor comunitário, também chamada de dignidade como restrição ou dignidade como heteronomia, representa o elemento social da dignidade. Os contornos da dignidade humana são moldados pelas relações do indivíduo com os outros, assim como o mundo ao seu redor.

A autonomia protege a pessoa de se tornar apenas mais uma engrenagem do maquinário social. Contudo, como na famosa passagem de John Donne, “nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma”. A expressão “valor comunitário”, que é bastante ambígua, é usada aqui, por convenção, para identificar duas diferentes forças exógenas que agem sobre o indivíduo: 1. Os compromissos, valores e “crenças compartilhadas” de um grupo social, e 2. As normas impostas pelo Estado.

O indivíduo, portanto, vive dentro de si mesmo, de uma comunidade e de um Estado. Sua autonomia pessoal é restringida por valores, costumes e direitos de outras pessoas tão livres e iguais quanto ele, assim como pela regulação estatal coercitiva. Autonomia, comunidade e Estado.

Em um interessante livro, Robert Post[47] identificou, de modo similar, três formas distintas de ordem social: comunidade (“um mundo compartilhado de fé e destino comuns”), administração (a organização instrumental da vida social através do direito para alcançar objetivos específicos) e democracia (um arranjo que incorpora o objetivo da autodeterminação individual e coletiva). Essas três formas de ordem social pressupõem e dependem umas das outras, mas estão também em constante tensão.

A dignidade como valor comunitário enfatiza, portanto, o papel do Estado e da comunidade no estabelecimento de metas coletivas e de restrições sobre direitos e liberdades individuais em nome de certa concepção de vida boa.

A questão relevante aqui é saber em quais circunstâncias e em que grau essas ações devem ser consideradas legítimas em uma democracia constitucional. A máxima liberal de que o Estado deve ser neutro em relação às diversas concepções de bem em uma sociedade pluralista não é incompatível, obviamente, com restrições resultantes da necessária coexistência entre diferentes pontos de vista e de direitos potencialmente conflitantes.

Tais interferências, porém, devem ser justificadas sobre as bases de uma ideia legítima de justiça, de um consenso sobreposto, que possa ser compartilhado pela maioria dos indivíduos e grupos.

O valor comunitário, como uma restrição sobre a autonomia pessoal, busca sua legitimidade na realização de três objetivos: 1º. A proteção dos direitos e da dignidade de terceiros; 2º. A proteção dos direitos e da dignidade do próprio indivíduo; e 3º. A proteção dos valores sociais compartilhados.

Embora Kant seja normalmente associado com a dignidade como autonomia, a verdade é que seu trabalho fornece bases morais para a ideia de dignidade como valor comunitário, da maneira como aqui apresentada. De fato, o sistema ético kantiano é fundado sobre um dever de moralidade que inclui o respeito por outros e por si mesmo.

Nos seus estudos sobre bioética e biodireito, Beyleveld e Brownsword exploraram em profundidade essa concepção kantiana de “dignidade humana como restrição”, centrada nas noções de deveres e responsabilidades, em oposição à “dignidade humana como empoderamento”, que essencialmente se refere a direitos.

Segundo Luciana Cordeiro Souza-Fernandes e Demi Can Huisseling diante dos dados referentes à atual pandemia de COVID-10, com o agravamento das desigualdades e a ausência do mínimo existencial, a população brasileira assiste estarrecida a falência das políticas públicas[48] que já não eram aptas a alcançar a todos, além de que os dados sobre saneamento ambiental e pobreza apontam a ausência de direitos sociais e, a enorme dificuldade de se cumprir minimamente os objetivos do propalado desenvolvimento sustentável proposto pela ONU até 2030. Acreditam, as autoras, que é o momento ideal para revistar as políticas públicas existentes no combate às desigualdades e, enfim, garantir o mínimo existencial.

Diante do atual cenário da Saúde no país, onde é visível a inexistência de vacinas para todos, bem como a eficiência dos Planos de Vacinação, ante também o inexistente planejamento para vacinação e, adequadas condições para o cumprimento das regras sanitárias para evitar a disseminação da Covid-19. Urgem que os poderes Legislativo e Judiciário implementem suas atribuições para garantir o mínimo de respeito e preservação da dignidade humana, eis que é um dos pilares da República Federativa do Brasil[49].

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Notas:


[1] Giovanni nasceu em Mirandola, na Itália, em 24 de fevereiro de 1463. Veio de uma família nobre e de muitas poses, além de muito influente na política e na arte Renascentista italiana.  Era filho de Francesco I, Lorde de Mirandola e Conde de Concórdia (1415 – 1467) e de Giulia, filha de Feltrino Boiardo, Conde de Scandiano (Itália). Teve dois irmãos, ambos muitos anos mais velhos, eram eles: Conde Galeotto (1442 – 1499), que seguiu com a dinastia, e Antonio (1444 – 1451), que virou general do exército Imperial. Assim, com tantas influências diferentes, Pico tentou, em suas 900 teses, conciliar religião e filosofia, catolicismo e Cabbala, Aristóteles e Platão. Já em Roma, em dezembro de 1486, ele publicou suas 900 teses e se ofereceu para pagar os custos da viagem de qualquer filósofo que se dispusesse a ir à Roma para discuti-las em um debate público. Também nesse ano, publicou “De hominis dignitate oratio” (Discurso sobre a Dignidade do Home) que serviu de introdução às teses.

[2] Em Justice for Hedgehogs, R. Dworkin sustenta as teses da unidade do valor e da dicotomia fato/valor, delimitando a moralidade como um domínio epistemológico autônomo. Consequentemente, a abordagem positivista deve ser rejeitada no que concerne à moralidade. Para ele, como o conceito de direto cumpre uma função de justificação de determinadas práticas sociais, ele pertence ao campo da moralidade. Portanto, sua análise não pode ser moralmente neutra. O presente escrito sustenta que Dworkin falha ao não reconhecer que nem toda valoração tem implicações morais, ainda que ele esteja certo ao afirmar que o entendimento de um conceito valorativo é produto de uma intepretação construtiva. A partir do realismo pragmático de Hillary Putnam, pretende-se recorrer à ciência como exemplo de uma atividade valorativamente carregada, mas moralmente neutra. Conclui-se que é possível a coexistência de um conceito positivo e outro normativo de direito, cada um demandando uma abordagem teórica própria.

[3] Georg Jellinek (1851-1911) foi filósofo do direito e juiz alemão. Professor na Universidade de Basileia e na Universidade de Heidelberg, publicou várias obras sobre filosofia do direito e ciência jurídica, dentre as quais se destaca Teoria Geral do Estado onde sustenta que a soberania recai sobre o Estado e não sobre a nação, que é um simples órgão daquele e as Teoria da Soberania do Estado e a Teoria do Mínimo Ético. Elogiada como irrepreensível por Paulo Bonavides, um dos maiores constitucionalistas do Brasil, é a definição de Jellinek de Estado como "corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando."

[4] François Geny (1861-1959) foi um jurista francês, célebre pela sua crítica ao método de interpretação baseado na exegese de textos legais e regulamentares, e que mostrou a força criativa do costume e propôs fazer um grande movimento à livre pesquisa científica dos métodos de interpretação. Numa época quando se ensinava o Código Civil Francês de 1804 nas cadeiras de direito civil, Gény escolheu um método de interpretação independente da vontade do legislador, entendendo que tal vontade não prevalecia ao longo dos anos. No seu Método de Interpretação e Fontes em Direito Privado Positivo: Ensaio Crítico, publicado em 1899, ele procura demonstrar que não é necessário procurar na lei mais soluções além das que estão contidas em sua fórmula e que, sobretudo, o costume, a tradição doutrinária e a livre investigação científica forneciam ou criavam o complemento de um direito positivo que não era vinculado artificialmente à lei. Em Ciência e Técnica em Direito Privado Positivo, publicado entre 1914 e 1924, Gény procura descobrir a exata fonte de onde brotam os princípios e as regras, ou seja, o direito em si, e a atingir pelas vozes combinadas do conhecimento e da ação. Segundo ele, a ciência se serve de todos os procedimentos do conhecimento e se aplica ao dado. Sociologia, economia, linguística, filosofia e teologia figuraram entre as fontes da livre investigação científica.

[5] Oliver Wendell Holmes (1809-1894) foi um médico, professor, palestrante e autor norte-americano. Considerado pelos seus pares como um dos melhores escritores do século XIX, é considerado um membro do Poets Fireside. Sua obra em prosa mais famosa é Breakfast-Table, que começou com o The Autocrat of the Breakfast-Table (1858). Ele é reconhecido como um importante reformador da medicina. Após graduar-se em Harvard em 1829, ele estudou direito antes de voltar à medicina. Começou a escrever cedo. Uma de suas obras mais famosas é "Old Ironsides", que foi publicada em 1830. Durante seu tempo de professor, ele se tornou um defensor de várias reformas. Postulou a polêmica ideia de que os médicos eram capazes de levar a febre puerperal de paciente para paciente. Quando Holmes se aposentou da Universidade de Harvard em 1882 ele continuou a escrever poesia, romances e ensaios, até sua morte em 1894.

[6] É relevante sublinhar que a própria definição de realismo jurídico norte-americano não é consensual entre os historiadores. Geralmente, se atribui esse movimento de conjunto de pensamentos jurídicos produzidos por professores de Columbia e Yale entre 1920 a 1930 (Karl Llewelly e Robert Lee Hale, 1884-1969, de Columbia e Walter Wheeler Cook, 1873-1943, e Arthur Linton Corbin, 1874-1967, de Yale). No entanto, tal definição exclui do movimento as influências que antecederam a esses doutrinadores, dificultando ainda mais a elaboração de uma delimitação precisa do que foi o realismo jurídico nos EUA. Em grande parte, continuou o projeto do Progressive Legal Thought de atacar as tentativas dos autores clássicos (Classical Legal Thought) do final do século XIX de criar um modelo que separasse rigorosamente o direito da política, representando esse direito como neutro e natural.

[7] A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai os conteúdos aptos a expressar todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. O conceito de dignidade da pessoa humana obriga, pois, a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não qualquer ideia apriorística da pessoa humana.

[8]  Para o caso do arremesso de anão e para os Peep-Shows. Neste último tipo de apresentação, feita majoritariamente em casas noturnas, mulheres dançam desnudas. Para ter a oportunidade de vê-las, o cliente, homem ou mulher, deve colocar moedas em uma máquina. Com isso, abre-se um compartimento e passa a ser possível ver a mulher que está a dançar. Um caso a respeito ficou famoso a partir da decisão do Conseil d’Etat que, provocado por um dos anões afetados pela medida, declarou ser válido o ato administrativo do prefeito (maire) da pequena commune de Morsang-sur-Orge que proibiu o arremesso de anão na cidade. Posteriormente, a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos decidiu que a decisão do Conseil d’Etat não violou os direitos do mencionado anão e que tampouco foi discriminatória. Para muitos, esse tipo de apresentação denigre a figura da mulher. Parece ser bastante plausível que este tipo de “show” envolve um péssimo gosto e que pode, de fato, ser considerado um tanto impróprio. Contudo, nada leva a crer que esse comportamento seja vedado pela dignidade humana. No passado, sobretudo nas décadas de 70 e 80 do século XX, o Tribunal Federal Administrativo alemão (Bundesverwaltungsgericht) proferiu decisões proibindo Peep-Shows. Para tanto, invocou-se a violação da dignidade humana como fundamento.

[9] (KENNEDY, David; FISHER, William W. The Canon of American Legal Thought. Princeton University Press. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/248692621_David_Kennedy_and_William_W_Fisher_III_eds_The_Canon_of_American_Legal_Thought_Princeton_and_Oxford_Princeton_University_Press_2295_Pp_925_isbn_0_691_12000_5&prev=search&pto=aue  Acesso em 03.03.2021)

[10] O pós-positivismo é também chamado de pós-empiricismo sendo uma instância meta teorética que critica e aperfeiçoa o positivismo. Os pós-positivistas acreditam que o conhecimento humano não é baseado no incontestável em bases pétreas, mas sim, em hipóteses. Como o conhecimento humano é inevitavelmente hipotético, a afirmação de suas suposições está assegurada ou, mais especificamente, justificada por uma série de garantias, as quais podem ser modificadas ou descartadas no decorrer de mais investigações. Entretanto, o pós-positivismo não é uma forma de relativismo, e geralmente mantém a ideia da verdade objetiva. Um dos pensadores fundadores do pós-positivismo foi Karl Popper e, sua investida na falsificação é uma crítica à ideia de verificabilidade do positivismo lógico. O falsificacionismo declara que é impossível verificar se uma crença é verdadeira, embora seja possível rejeitar falsas crenças se as mesmas forem objetivamente provadas falsas, pondo em prática a ideia proposta de falsificação. A ideia de Thomas Kuhn da mudança de paradigma oferece uma crítica mais forte ao positivismo, argumentando que não apenas teorias individuais, mas toda a visão de mundo deve mudar em resposta à evidência. O pós-positivismo é um melhoramento do positivismo que reconhece estas e outras críticas contra o positivismo lógico. Não é uma rejeição ao método científico, mas uma reforma para responder a essas críticas. Preserva as bases do positivismo: o realismo ontológico, a possibilidade e o desejo pela verdade objetiva, e o uso da metodologia experimental.

[11] As origens do common law remontam à conquista normanda da Inglaterra em 1066 com a Batalha de Hastings, que levou à centralização do governo, incluindo a administração da justiça, trazendo para a Inglaterra, um poder que, além de ser forte e centralizado, era também dotado de larga experiência administrativa. Nesse período, surgiu o feudalismo na Inglaterra e desapareceu a época tribal. Os conquistadores normandos estabeleceram Cortes Reais e um sistema de justiça real que gradualmente foi substituindo as antigas Cortes e regras feudais. Nesse processo de centralização da justiça, os juízes desenvolveram novos procedimentos e remédios, bem como um novo corpo de direito substantivo que seria aplicado a todos os cidadãos ingleses, o que justifica o nome de common law, como direito comum a todos, em oposição aos costumes locais. Ou seja, common law significava o direito comum a todo Reino da Inglaterra, comum justamente porque se decidia de maneira centralizada pelas Cortes Reais de Justiça de Westminster. Mais tarde, o common law passou a fazer contraste com o statute law e com a equity.

[12] Nos Estados Unidos da América, exemplificando, ainda que seja utilizado na jurisprudência desde a década de 1940, “o uso do conceito é episódico e pouco desenvolvido, relativamente incoerente e contraditório, além de carente de maior especificidade e clareza”. Ainda que assim ocorra, nos últimos anos houve uma tendência de usar a dignidade humana, nas cortes norte-americanas, como suporte para a resolução de casos envolvendo direitos fundamentais como o direito à privacidade, à igualdade, à proibição de penas cruéis e incomuns e do “direito de morrer”. Também a jurisprudência internacional cita a dignidade humana em diversas ocasiões, como a título de exemplo, quando a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) aborda “a violência psicológica, sexual e física contra detentos em prisão peruana, confinamento solitário e outras formas de encarceramento em condições desumanas e desaparecimentos forçados”28. O mesmo órgão observa, ainda, um norte de responsabilização do Estado no que diz respeito à reparação do dano ocorrido.

[13] O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (Bundesverfassungsgericht) tem sido um dos intérpretes mais importantes do conceito de dignidade humana. Não apenas casuisticamente, mas também conceitualmente. Além disso, há bons motivos para acreditar que as origens históricas e filosóficas da dignidade humana, especialmente as que vêm de Immanuel Kant, são ainda importantes para como os doutrinadores e os juízes compreendem essa noção.  Vale ressaltar que a Constituição alemã foi um dos primeiros textos constitucionais de alcance nacional a insculpir a garantia da dignidade humana. Nos 60 anos de sua existência, o Tribunal viu-se obrigado a definir, redefinir e explicitar suas posições acercada dignidade humana, o que o torna um de seus maiores intérpretes, inclusive conceitualmente e não apenas casuisticamente. Na perspectiva dessa garantia, RUDOLF VON JHERING (1872), em seu célebre texto Der Kampf ums Recht, afirma que o nível de susceptibilidade da dignidade violada vai constituir a medida de valor que balizará a legislação, quanto à maior ou menor severidade na punição da ameaça a princípios vitais.

[14] Debates acerca do aborto e da eutanásia evidenciam concepções morais sobre os direitos individuais que, por sua vez, são passíveis de normatização em cada contexto. Tais temas revelam para além da criação e do desenvolvimento de novas tecnologias médicas, direcionadas à reprodução assistida, medicina fetal e manutenção artificial da vida, seja de prematuros ou de doentes fora de possibilidades de cura valores e posicionamentos, muitas vezes contrastivos. A partir de levantamento de projetos de lei apresentados no âmbito legislativo brasileiro, constatou–se a presença de discursos opostos, oriundos da religião e de defensores da autonomia individual, o que ilustra os dilemas contemporâneos sobre os limites da vida. In: GOMES, Edlaine de Campos; MENEZES, Rachel Aisengart.  Aborto e eutanásia: dilemas contemporâneos sobre os limites da vida. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312008000100006   Acesso em 5.3.2021.

[15] A jurisprudência dos interesses nega não apenas a função silogística e lógica do juiz como o método de interpretação do direito mediante conceitos, a firma que: “[....] La directriz hoy en día debe ser La adecuación de los resultados a las necesidades  prácticas de la vida”. Os requisitos que a Jurisprudência dos Interesses impõe ao juiz são:  Obediência às regras do Direito Positivo. Adequando os interesses em lide. Contudo, a sua valoração deve observância à valoração já feita pelo Legislador: “A hora bien, la valoración de los intereses llevada a cabo por el legislador debe prevalecer sobre la valoración individual que el juez pudiera hacer según su personal criterio”. Ante a inexistência de norma a ser aplicada no caso concreto, ou quando existirem, mas forem contraditórias, o Juiz deve iniciar uma busca pelo para subsumir do ordenamento, uma solução ao caso concreto que se alinhe com o que o Legislador já tenha definido: “en suma, el juez debe protegerla totalidad de los intereses que el legislador ha considerado dignos de protección, y emgrado y jerarquía em que este há estimado que de ben ser protegidos”. Num processo de “analogia pela literalidade da lei. Com a Jurisprudência dos Interesses há uma permanência e distanciamento do positivismo clássico, não quanto ao silogismo na aplicação da lei, mas na prevalência dos textos ante aos valores ou conceitos subjetivos. A pequena fissura no modelo hígido do positivismo na Jurisprudência dos Interesses se dá na exata medida em que não foi precisamente delimitado como seria percorrido o caminho de retorno aos interesses do legislador à época de elaboração da lei. Abertura esta que levaria ao mesmo subjetivismo criticado. Outro ponto em que Heck e a Jurisprudência dos Interesses se distanciam do positivismo é no combate à tese da autossuficiência do ordenamento jurídico. Para Heck, as lacunas sempre existirão e devem ser lidas de acordo com os interesses propostos pelo Legislador.

[16] O STF tem invocado a dignidade humana   situações. Entre elas, o direito contra a autoincriminação, a proibição da tortura e do tratamento degradante e cruel, o direito de não ser algemado injustificadamente, a falta de proteção constitucional para o discurso antissemita e o acolhimento de ações afirmativas em benefício de pessoas com deficiências. A dignidade da pessoa humana serve como princípio-base que norteia inúmeros outros direitos implícitos que dele surgem. O direito à liberdade de manifestação de pensamento, a liberdade de orientação sexual, o direito a ter uma morte digna, dentre outros.

[17] A concepção de teoria do direito de Ronald Dworkin e das razões que o levam a rejeitar o positivismo jurídico enquanto abordagem viável para o conhecimento do conceito de direito. A posição de Dworkin - objeto do primeiro capítulo - é que, dado o seu núcleo valorativo, o conceito de direito deve ser submetido à mesma disciplina teórica do pensamento moral. Assim como a filosofia moral, a filosofia jurídica é produto do caráter reflexivo das práticas a que ela se propõe a estudar. Ela não é uma forma de investigação qualitativamente distinta daquela promovida pelos participantes do discurso jurídico.  Para defender isso, ele dedicou grande parte de seu livro Justice for Hedgehogs apresentar as premissas de sua epistemologia moral. Dentre elas, destacam-se o princípio segundo o qual juízos de fato são fundamentalmente diferentes de juízos de valor e a ideia de que a compreensão de conceitos ligados a valores só pode ser obtida através da vinculação entre significado e propósito - a que Dworkin denomina de interpretação.

[18] "Nós vivemos no e segundo o Direito. Ele faz de nós o que somos: cidadãos, empregados, médicos, cônjuges e proprietários. É espada, escudo e ameaça: lutamos por nosso salário, recusamo-nos a pagar nosso aluguel, somos obrigados a pagar multas ou mandados para a cadeia, tudo em nome do que nosso soberano abstrato e etéreo, o Direito, estabeleceu. E "discutimos" o que ele estabeleceu, mesmo quando os livros que supostamente registram seus comandos e diretivas estão silentes; nós agimos então como se o Direito apenas tivesse murmurado sua ordem, demasiado baixo para ser ouvida com nitidez. Nós somos súditos do império do Direito, vassalos de seus métodos e ideais, subjugados em espírito quando debatemos o que devemos, portanto, fazer." Fonte: https://citacoes.in/autores/ronald-dworkin/  Acesso em 5.3.2021.

[19] A doutrina moral de Kant é independente de qualquer sentido religioso. Sua moral exclui a noção de intenção como elemento de uma alma pura, e o dever não é uma obrigação a ser seguida em virtude de um ente superior. Intenção e dever (em Kant) dependem do sujeito epistemológico (eu transcendental) e não do eu psicológico (indivíduo). Para Kant, o sujeito transcendental trata-se de uma maquinaria (aparelho cognitivo) subjetiva, universal e necessária (presente em todos os homens, em todos os tempos e em todos os lugares). Assim, todo ser saudável possui tal aparato, formado por três campos: a razão, o entendimento (categorias) e a sensibilidade (formas puras da intuição-espaço e tempo).

[20] O conceito de dignidade da pessoa humana, na filosofia de Immanuel Kant, é apreendido na obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”. A problemática central do livro refere-se à seguinte questão: como devo agir para que a minha ação seja boa? A resposta à referida indagação fará menção ao conceito de dignidade para Kant. O filósofo responde à indagação “Como devo agir para que a minha ação seja boa” através da seguinte metodologia: a) conceituação da ação boa através da boa vontade; b) utilização da razão pura, ou a priori, que exclui as regras da experiência (empíricas) como orientadoras da ação humana, antes, vale-se de regra existente na razão independentemente de qualquer experiência; c) estabelecimento de uma lei universal que garanta a ação boa; d) estabelecimento da finalidade fundamental da lei universal; e) o dever como único motivo racional que impele o sujeito a agir conforme a lei universal.

[21] Todos os imperativos ordenam, e são fórmulas para exprimir as relações entre as leis objetivas do querer em geral, e a discordância subjetiva da vontade humana. Imperativo é hipotético: no caso de a ação ser apenas boa como meio para qualquer outra coisa, ou seja, em vista de algum propósito possível ou real. A habilidade na escolha dos meios para atingir o maior bem-estar próprio pode-se chamar sagacidade. Por exemplo, a escolha dos meios para alcançar a própria felicidade (não é um ideal da razão, mas da imaginação), continua sendo um imperativo hipotético (considerados mais como conselhos). Imperativo Categórico: não é limitado a nenhuma condição, é um mandamento absoluto (necessário), vale como princípio apodíctico-prático (da razão). Segue-se que somente o imperativo categórico equivale a uma lei prática, e os outros imperativos podem ser denominados de princípios da vontade, mas não leis. Pois, conforme nos disse Kant “o mandamento incondicional não deixa à vontade nenhum arbítrio acerca do que ordena, só ele tendo, portanto, em si, aquela necessidade que exigimos na lei”.

[22] Não existe propriamente um fato biológico que constitua o fundamento de sua dignidade, mas o fato da razão moral, que na prática, nos impõe que trataremos a humanidade, tanto na própria pessoa como na pessoa do outro, sempre e igualmente como um fim, e nunca simplesmente como um meio. É apenas com as lições de Kant que ocorre o reconhecimento do outro se funda no valor moral da pessoa vista como fim em si mesmo.

[23] Foi a formação inédita de um tribunal militar internacional para julgar o alto escalão nazista por crimes de guerra e contra a humanidade durante a 2a Guerra Mundial. Os procedimentos duraram 315 dias (de novembro de 1945 a outubro de 1946) e aconteceram no Palácio da Justiça de Nuremberg, na Alemanha. A maioria dos acusados assumiu a culpa pelas acusações que receberam, contudo, afirmaram que estavam apenas cumprindo ordens superiores. As penas mais severas foram aplicadas àqueles que atuaram diretamente na execução em massa de pessoas e contribuíram para o projeto do Solução Final, no qual estava prevista a eliminação física de todos os judeus da Europa. Durante o julgamento dos participantes da hierarquia nazista foram realizadas 219 sessões e o tribunal ditou seu veredito em 1º de outubro de 1946. Dos 24 julgados, 12 foram condenados à morte, três absolvidos, três pegaram prisão perpétua e quatro foram confinados à prisão de 15 a 20 anos. Entre os condenados à morte pelo Tribunal de Nuremberg estão líderes do Partido Nazista, como Alfred Rosenberg e ministros como Joachim von Ribbentrop. Também receberam a pena capital comandantes de territórios ocupados tal qual Hans Frank e chefes das forças armadas como Hermann Göring.

[24] Diante de uma sociologia que acabou renunciando ao pensar a sociedade como um todo, Niklas Luhmann desenvolve uma teoria que entende a sociedade na concepção de um sistema, o que também significa pensar a sociedade no seu complexo e na sua complexidade. Tal sistema possibilita a diferenciação da sociedade e governo na evolução dela mesma. As teorias parciais dos sistemas de funções – política, economia, educação, etc, ficam enquadrados dentro de uma teoria global, qual seja, teoria do sistema da sociedade. O ser humano é o ambiente do sistema: produz barulho, inquieta, desestabiliza o sistema, pois este pode somente reconstruir-se em consequência de um dinamismo preestabelecido, através de processos de acumulação evolutiva. O social e o ser humano são entidades autônomas. Cada um atua com princípios de operações diferentes (comunicação-consciência) e não podem ser reduzidos a um denominador comum. Entre o ser humano e a sociedade existe um acoplamento estrutural, significando que a evolução encontrou na comunicação da sociedade o meio de socialização do homem.

[25] Já, o valor comunitário é o elemento social da dignidade humana, referente ao indivíduo em relação ao grupo. A autonomia do indivíduo não é ilimitada, sofrendo algumas restrições legítimas em razão de valores compartilhados pela sociedade.

[26] A Santa Inquisição era um Tribunal de Fé, encarregado de averiguar e descobrir os desvios da alma e as escolhas de caminhos opostos aos dogmas oficiais da Santa Igreja Católica. Foi um momento na história em que, empenhado em conter o avanço das heresias no Século XII, o papa Gregório IX delegou a Domingos de Gusmão a função de sistematizar um tribunal religioso encarregado de investigar e inquirir os apóstatas do cristianismo, remetendo aos poderes civis a execução dos culpados de heresia. Desta forma, surgiu a mais estrutura dadas Inquisições Medievais, controlada pelos dominicanos, submetida ao papado e responsável por inúmeras perseguições aos Cátaros, “seguidores do livre espírito”, e a outros “hereges”. Conforme destaca Novinsky, Anita na obra intitulada “A inquisição”. São Paulo. Brasiliense, 1983, p. 10 -11, “o termo herege origina-se do grego hairesis e do latim haeresis e significa doutrina contrária ao que foi definido pela igreja em matéria de fé. Em grego, hairetikis significa o que escolhe”.

[27] Afirma-se que o Brasil é um Estado laico, o que significa que não acolhe, impõe, estimula ou segue dogmas impostos por qualquer religião, mas também que não reprova uma ou outra religião. Isso não significa que o Estado é alheio a valores que inspiraram e ainda inspiram boa parte das religiões. Entendo que não se deve confundir religiosidade e espiritualidade. Se não se admite ao Estado apreender dogmas e rituais religiosos, é difícil negar que o ser humano não tenha uma dimensão espiritual, e esta aspiração foi incisivamente expressada, no texto constitucional. In: MEDINA, José Miguel. O Estado, sendo laico, deve defender a dignidade de todos. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-mai-26/estado-sendo-laico-defender-dignidade-todos  Acesso em 05.3.2021.

[28] A neutralidade axiológica liberal é vista como um valor e dita aberta ao inimigo político, fascismo ou bolchevismo. Gerhard Anschütz, em sentido contrário, leva a neutralidade axiológica de um – apenas por enquanto - sistema de legalidade funcional até a absoluta neutralidade contra si mesmo e oferece o caminho legal de afastamento da própria legalidade. Ela [a neutralidade axiológica] vai, portanto, na sua neutralidade, até o suicídio. Gerhard Anschütz (1867-1948) foi um notável professor alemão de direito constitucional e o principal comentarista da Constituição de Weimar. Seu trabalho principal (com Richard Thoma) é a enciclopédia jurídica de dois volumes Handbuch des deutschen Staatsrechts; seu comentário constitucional viu 14 edições durante a República de Weimar. Anschütz, um defensor do positivismo jurídico, ensinou direito constitucional em Tübingen (depois de 1899), Heidelberg (1900), Berlim (1908) e novamente em Heidelberg (1916). Democrata por convicção, mesmo durante a Primeira Guerra Mundial, ele renunciou ao cargo de professor em 1933 depois que os nazistas tomaram o pode . Após a Segunda Guerra Mundial, ele serviu como consultor do governo militar dos Estados Unidos e nesta posição foi um dos pais da constituição do Bundesland Hesse.

[29] Afirmou-se, no julgamento da ADPF 54, que “o Estado não é religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro”. Isso significa que, “se, de um lado, a Constituição, ao consagrar a laicidade, impede que o Estado intervenha em assuntos religiosos, seja como árbitro, seja como censor, seja como defensor, de outro, a garantia do Estado laico obsta que dogmas da fé determinem o conteúdo de atos estatais. Vale dizer: concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritárias, quer minoritárias, não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada. A crença religiosa e espiritual — ou a ausência dela, o ateísmo — serve precipuamente para ditar a conduta e a vida privada do indivíduo que a possui ou não a possui. Paixões religiosas de toda ordem hão de ser colocadas à parte na condução do Estado. Não podem a fé e as orientações morais dela decorrentes ser impostas a quem quer que seja e por quem quer que seja. Caso contrário, de uma democracia laica com liberdade religiosa não se tratará, ante a ausência de respeito àqueles que não professem o credo inspirador da decisão oficial ou àqueles que um dia desejem rever a posição até então assumida”. Assim, “ao Estado brasileiro é terminantemente vedado promover qualquer religião. Todavia, como se vê, as garantias do Estado secular e da liberdade religiosa não param aí — são mais extensas. Além de impor postura de distanciamento quanto à religião, impedem que o Estado endosse concepções morais religiosas, vindo a coagir, ainda que indiretamente, os cidadãos a observá-las. Não se cuida apenas de ser tolerante com os adeptos de diferentes credos pacíficos e com aqueles que não professam fé alguma. Não se cuida apenas de assegurar a todos a liberdade de frequentar esse ou aquele culto ou seita ou ainda de rejeitar todos eles” (STF, ADPF 54, trecho do voto do Rel. Min. Marco Aurélio, j. 11 e 12.04.2012).

[30] Rawls se considera um opositor dos modelos teleológicos da filosofia moral, que definem o que é “bem” independentemente do que realmente seria justo: “Essa prioridade do justo diante do bem na justiça como imparcialidade acaba por ser uma característica central da concepção”.  Em virtude da grande notoriedade, aplicação e reconhecimento alcançados por essas teorias é que Rawls as coloca como objetos de análise e crítica. O conceito de razão pública (public reason) está intimamente ligado ao fundamento d uma sociedade democrática justa. A razão pública se apresenta na teoria da justiça como imparcialidade como elemento central de sua composição, seja para aplicação no âmbito institucional, no ato da decisão das instituições públicas que são regulamentadas por uma Constituição democrática, se já no ato individual, da pessoa ao professar seus valores e realizar a defesa de seus interesses de maneira a exercitar seu dever de civilidade. Para sua própria existência, essa razão necessita da virtude política, que é imprescindível para a construção de instituições políticas justas.

[31] Na filosofia iluminista de Immanuel Kant inspirada na antropologia de Rousseau, que o processo de secularização da noção de dignidade consolidou-se por vez todas, abandonando definitivamente, no âmbito filosófico, quaisquer vestes sacrais. Kant é, realmente, o ponto arquimediano da moderna concepção laicizada da dignidade humana, lastreada na doutrina da autofinalidade (Selbstzweck).

[32] Importante ressaltar que o direito inglês moderno, diversamente do civil law, é muito mais um direito histórico, sem rupturas entre o passado e o presente como aconteceu nos direitos de tradição civil law da Europa Continental, especialmente na França que rompeu com o direito preexistente com a Revolução Francesa. Como explica Criscuoli, a Inglaterra não conheceu Revoluções, Declarações de Independência ou Codificações, eventos que romperam com o passado como aconteceu na Europa Continental. Além disso, o direito não pode ser considerado em si mesmo, mas como um produto da sociedade na qual está inserido e de sua história. Diferente do civil law, no qual a autoridade da lei está na autoridade de quem a promulgou, no common law a autoridade do direito está em suas origens e em sua geral aceitabilidade por sucessivas gerações. Por essa razão admite-se a autoridade do direito construído jurisprudencialmente. O common law pode ser considerado um sistema aberto, na medida em que é possível encontrar a solução jurídica mais adequada a posteriori, pois normas são elaboradas e reinterpretadas continuamente, baseadas principalmente na razão. Em contrapartida, o civil law pode ser considerado fechado, eis que presume que, para cada lide, pelo menos em tese, deve haver uma norma aplicável. In: BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. As origens históricas do civil law e common law. Disponível em: https://www.e publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/29883/25943  Acesso em 3.3.2021.

[33] A emenda proíbe a busca e apreensão sem que haja motivo razoável e mandado judicial baseado em causa provável. De acordo com a Quarta Emenda, busca e apreensão (incluindo prisão) devem ser de alcance limitado, baseando-se em informações específicas transmitidas ao tribunal emissor, geralmente por um agente da justiça.

[34]  O BVerfG assentou que a liberdade religiosa implica neutralidade, a qual deve ser entendida como distância, tolerância, paridade e pluralismo. O Estado tem o dever de assegurar o desenvolvimento (Verwirklichung) da liberdade religiosa do indivíduo, de modo que cada um possa estipular, autonomamente, as próprias convicções ideológico-religiosas (weltanschaulich-religiöse), de maneira autorresponsável (eigenverantwortlich), em homenagem à dignidade do ser humano (Würde des Menschen) e ao livre desenvolvimento da personalidade (freie Entfaltung der Persönlichkeit) (BVerfG, 41, 29). Nesse sentido, o Estado é lar de todos os cidadãos (Heimstatt aller Bürger). A tradução do termo Verwirkung é questão complexa. PONTES DE MIRANDA (1977, p. 206) chamou a Verwirkung de “caducidade”. Atualmente, esse termo é utilizado, sobretudo, no que toca aos institutos que, com base na boa-fé objetiva (Treu und Glauben), limitam o exercício dos direitos subjetivos. Nesse contexto civilista, traduziu-se a expressão, na linha de MENEZES CORDEIRO (1983, pp. 812ss.), como “supressio”.

[35] Lembremos que o Brasil como Estado Democrático de Direito e, portanto, compromete-se a resguardar os direitos fundamentais de todos, conforme prevê a vigente Constituição Federal de 1988, no sentido de lhes serem resguardados seus direitos individuais e coletivos, como o direito de ir e vir, direito à vida, e direito de serem tratados de forma digna, através do estabelecimento de uma proteção jurídica concretizada por meio de ações governamentais. Contudo, uma parcela desta população encontra-se em total desigualdade e, não possuem seus direitos fundamentais respeitados pelos cidadãos, tais como a população LGBT, os negros, mulheres, os portadores de necessidades especiais e idosos.  Por essa razão, as políticas públicas são justamente instrumentos do Estado com o objetivo de assegurar determinado direito de cidadania, de forma difusa ou especificamente para um determinado seguimento social, cultural, étnico ou econômico. A democracia reconhecida por ser o governo da maioria não é apenas isso, mas da maioria do povo. Isso significa que a democracia não representa o governo da maioria das elites, nem da maioria das corporações, nem da maioria dos grupos econômicos, nem mesmo da maioria de alguns grupos políticos, que, muitas vezes, são aqueles que efetivamente elaboraram a lei, mas nem sempre defendem os interesses da população.

[36] A Oitava Emenda (Emenda VIII) da Constituição dos Estados Unidos proíbe o governo federal de impor fiança excessiva, multas excessivas ou punições cruéis e incomuns. Nos Estados Unidos, o debate é mais acalorado e mais confuso quando os juízes em questão pertencem à Suprema Corte, e os casos em pauta são eventos constitucionais que questionam se o Congresso, algum estado ou o presidente têm o poder legal de fazer algo que um ou outro tentou fazer. A Constituição confere poderes limitados a essas instituições e estabelece importantes vedações a cada uma delas. Recusa ao Senado o poder de propor leis envolvendo matéria financeira e nega ao comandante-em-chefe o poder de alojar soldados em residências particulares em tempo de paz. Outras restrições são notoriamente abstratas. A Quinta Emenda insiste em que o Congresso não tome ‘a vida, a liberdade ou a propriedade’ sem o ‘devido processo legal’, a Oitava Emenda, prescreve as penas ‘cruéis e incomuns’, e a Décima Quarta Emenda, que dominou o nosso exemplo do caso Brow, exige que nenhum estado negue a qualquer pessoa ‘a igualdade perante a lei’.

[37] O Estado de Bem-Estar Social (do inglês, Welfare State), se caracteriza pela intervenção do Estado na vida social e econômica. Portanto, o Estado intervém na economia para garantir oportunidades iguais para todos os cidadãos através da distribuição de renda e a prestação de serviços públicos como saúde e educação. Esse modelo de gestão pública foi adotado na Noruega, Dinamarca e Suécia, entre outros. Políticas públicas são ações tomadas por governos tendo em vista a garantia de direitos. Em nosso país, os direitos estão garantidos na Constituição Federal de 1988, e as políticas públicas são mecanismos do Poder Executivo (às vezes, em parceria com a iniciativa privada) para colocar em prática os direitos garantidos por lei.  Para pensar-se em um Estado de bem-estar social em pleno funcionamento, é necessário que se tenha políticas públicas eficazes. Nesse sentido, é o governo que deve tomar frente para que haja a manutenção dos direitos da população. No entanto, políticas de governo são passageiras e tendem a desfazer-se, em muitos casos, quando há a transição de um governo para o outro.  As políticas que permanecem e não são alteradas, por serem frutos de uma “vontade geral” da nação, são as chamadas políticas de Estado. Elas permanecem junto ao Estado Nacional por mais tempo. No tópico a seguir, exemplificaremos como as políticas de governo e de Estado estão ligadas ao Estado de bem-estar social, tomando como exemplo o caso brasileiro.

[38] Consubstancia "o mínimo a assegurar-se", na dicção do erudito Luiz Edson Fachin. Este mínimo acervo patrimonial jamais significa o menor patrimônio possível. De outro lado, não pode ser colocado em pé de igualdade ao máximo. As expressões não podem configurar completamente a extensão da ideia. Mínimo e máximo, longe de categorias estanques, se manifestam na variância fenomênica e vacilante que se formula dia a dia no mundo da vida. As palavras, os conceitos jamais poderão esgotar esta realidade.

[39] O histórico da Coreia do Norte como sendo um reflexo que deu origem a tudo o que está acontecendo lá. Vale ressaltar que o líder tem forte contato com a população e todos temem pelas suas vidas diante da presença dele. Um país que não permite que sua população tenha contato com o mundo exterior não merece que seu nome oficial seja República Democrática Popular da Coreia. A Coreia do Norte tem a maior prevalência de ‘escravidão moderna’ em todo o mundo: 1 de cada 10 cidadãos são vítimas da prática, de acordo com estimativas do Índice Global de Escravidão 201 Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/coreia-do-norte-tem-26-milhoes-deescravos-modernos-segundo-estimativas-d37ve6ujl601v1zuynp0gqmz2/  Acesso em 5.3.2021.

[40] No Afeganistão, por exemplo, o número de civis mortos na guerra bateu um recorde em 2018, com 3.804 óbitos, em sua maioria atribuídos aos grupos insurgentes talibã e Estado Islâmico (EI). Os ataques deliberados contra civis em atentados suicidas de grupos insurgentes, os bombardeios aéreos e os combates das forças leais ao governo são responsáveis por esses números.

[41] A Segunda Declaração de Direitos foi proposta pelo Presidente dos Estados Unidos Franklin D. Roosevelt durante seu discurso sobre o Estado da União na terça-feira, 11 de janeiro de 1944.  Em seu discurso, Roosevelt sugeriu que a nação tinha vindo a reconhecer e agora deveria implementar, uma segunda " declaração de direitos ". Roosevelt argumentou que os "direitos políticos" garantidos pela Constituição e pela Declaração de Direitos "se mostraram inadequados para nos garantir igualdade na busca da felicidade ". Seu remédio foi declarar uma "declaração de direitos econômicos" para garantir esses direitos específicos: Emprego (direito ao trabalho), alimentação, roupas e lazer com renda suficiente para sustentá-los; Direitos dos agricultores a uma renda justa; Livre de concorrência desleal e monopólios; Habitação; Cuidados médicos; Seguro Social; Educação.

[42] Cass Robert Sunstein é advogado norte-americano, principalmente especializado no direito constitucional, direito administrativo, direito ambiental e direito e economia comportamental, que era o Administrador do Escritório da Informação da Casa Branca e Regulatory Affairs na administração de Barack Obama de 2009 a 2012. Por 27 anos, Sunstein ensinou na Faculdade de Direito da Universidade de Chicago. Sunstein é o atual professor da Universidade Harvard.

[43] O escândalo Watergate foi um dos maiores escândalos da história da política dos Estados Unidos. Ele estourou quando cinco homens foram presos tentando invadir a sede do Partido Democrata com o intuito de plantar escutas telefônicas, em junho de 1972. O caso levou dois jornalistas do The Washington Post — Carl Bernstein e Bob Woodward — a investigarem mais detalhes a seu respeito.

[44] A construção da definição jurídico-constitucional do termo “racismo” requer a conjugação de fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram a sua formação e aplicação. O crime de racismo constitui um atentado contra os princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência. A condução forçada de indivíduo à realização de exame de verificação de paternidade viola os princípios da dignidade humana, da integridade física, da intangibilidade do corpo humano e da legalidade. A recusa do acusado deve ser resolvida no plano jurídico e não por meio de coação física. Habeas Corpus 71.373 – Diário da Justiça – 22/11/1996.

[45] Benjamin Constant, no texto intitulado "Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos", discute acerca do valor liberdade em dois momentos históricos relevantes para a estruturação e a consolidação dos pilares fundamentais da civilização ocidental. O direito natural à liberdade, de que todo ser humano e inevitavelmente detentor, pois todos nascem livres e iguais, se consubstancia na vertente da vida privada, na intimidade e na autonomia das decisões referidas como individuais, isto é, aquelas escolhas nas quais o poder político do Estado soberano não pode adentrar de forma arbitrária, na medida em que tais deliberações dizem respeito, única e exclusivamente, ao indivíduo. Tem-se, sob este prisma, uma visão atomista da liberdade.

[46] No art. 6º da Constituição Brasileira de 1988 estão enumerados alguns dos direitos sociais hoje reconhecidos, tais como educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, e outros. De outro lado, o art. 7º do texto constitucional reconhece diversos direitos sociais aos trabalhadores. Tendo em vista a sua natureza de fundamentalidade, aplica-se aos direitos sociais o disposto no art. 5º, 2º, da CF/1988. Ou seja, a enumeração dos direitos sociais constantes dos arts. 6º e 7º, da CF/88 é meramente exemplificativa, existindo outros direitos fora do catálogo e até mesmo fora da constituição. Tal assertiva é de fundamental importância no estudo dos direitos sociais, principalmente em face de novos direitos que surgem constantemente, de modo a acompanhar as mudanças sociais.

[47] Robert Charles Post (1947) é professor e acadêmico norte-americano, sendo atualmente docente de Direito na Yale Law School, onde também atuou como reitor (2009-2017). Formou-se em Harvard em 1969 e obteve seu diploma de J.D. em Yale em 1977. Enquanto estava em Yale, ele atuou como editor do Yale Law Journal. Ele então trabalhou para o juiz do circuito de D.C. David Bazelon e o juiz da Suprema Corte, William J. Brennan, Jr. Post posteriormente obteve um Ph.D. em História da Civilização Americana pela Universidade de Harvard, trabalhou brevemente na prática privada e começou sua carreira como professor de direito na Berkeley Law em 1983. Post mudou-se de Berkeley para Yale em 2003 e sucedeu a Harold Koh como Dean quando Koh foi nomeado para servir como Legal Conselheiro do Departamento de Estado dos EUA. Post foi citado no New York Times sobre a composição da Suprema Corte. Os interesses acadêmicos de Post incluem direito constitucional, Primeira Emenda, história jurídica e ação afirmativa. Seu Citizens Divided (2014) examina os aspectos constitucionais das finanças eleitorais.

[48] Existem inúmeras críticas à ideia de Estado de bem-estar social desde a fundação dos ideais neoliberais em meados do século XX. Economistas da Escola de Chicago, como Milton Friedman, argumentam, com certa razão, que o keynesianismo levaria os Estados Unidos à falência. No entanto, outras medidas de bem-estar social podem ser entoadas para além do que foi proposto por John Maynard Keynes. O Estado de bem-estar social é considerado o oposto do Estado Liberal.  Isto porque, enquanto no bem-estar social o Estado é ativo e fornece bens e serviços gratuitamente à população, legislando sobre as relações de trabalho, no Estado liberal ela se isenta das relações entre mercado e consumidor, não oferecendo serviços, nem legislando sobre as relações patrão-empregado. Existem países que possuem mais mecanismos de assistencialismo e outros que possuem menos. Não existe um único modelo dessas práticas, tudo depende dos momentos econômico, político, cultural e social nos quais o país se encontra.

[49] Na Constituição brasileira vigente, a dignidade da pessoa humana é colocada como um dentre cinco fundamentos da república. Situações em que o estado considere a soberania superior à dignidade do indivíduo são corriqueiras. De modo similar, o valor social do trabalho e da livre iniciativa, cada qual por diferentes razões, têm alto potencial de colisão com a dignidade.


Gisele Leite

Gisele Leite

Professora Universitária. Pedagoga e advogada. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Conselheira do INPJ. Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora Jurídica.


Palavras-chave: Dignidade Humana Princípio Constitucionalismo Direitos Humanos Direitos Fundamentais

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