A injustiça do racismo
É inquestionável a desigualdade existente entre brancos e negros na sociedade brasileira atual e, ainda, persiste, infelizmente a fragilidade das políticas públicas para seu devido enfrentamento. Precisamos conscientizar sobre a importância da luta contra o racismo, que significa, em última análise, um combate contra a injustiça.
É verdade que
existem na literatura acadêmica inúmeras definições sobre o conceito de
racismo. Mas, já se pode antever a confluência dessas definições, que pode ser
sintetizada a partir da hierarquização de povos e grupos sociais que foram e
são dominados no âmbito político, social, cultural e econômico. O racismo é a
tese que sustenta a superioridade de certas raças em relação a outras,
preconizando ou não a segregação racial, ou até mesmo, a extinção de certos
grupos sociais.
A abstração do conceito de raça é uma invenção que não se relaciona com
processos biológicos. E, situa-se no século XVI a ligação entre cor da pele e
raça que irá ter papel crucial no desenvolvimento do capitalismo a partir do
século XIX. Racismo é ideia ocidental excludente porque versa sobre a
universalização do conceito de humanidade.
Entenda-se “universalizar” como reduzir as diferenças a um equivalente geral, a
um mesmo valor. Foi a universalização racionalista do conceito de homem que
inaugura, no século XIX, o racismo doutrinário. Lembremo-nos que o conceito de
raça como invenção europeia engendrou formas de dominação nas quais a
apropriação dos produtos do trabalho era acompanhada pela classificação de
povos e culturas humanas. E, o conceito se construiu em torno de novas
categorias criadas, tais como branco, negro, índio, mestiço e, etc. e relacionando
os sujeitos numa classificação social vertical.
Precisamos
entender que raça e etnia são conceitos relativos aos âmbitos distintos. A raça
se refere ao âmbito biológico, relacionando-se aos seres humanos, foi usado
historicamente para identificar categorias humanas socialmente definidas. As
diferenças mais corriqueiras se dirigem à cor da pele, tipo de cabelo,
conformação facial e do crânio, o que constitui apenas uma das características
que compõem uma raça. Estudo recente na Ortodontia advoga conceito crescente de
que a cor da pele não determina a ancestralidade, particularmente, nas
populações brasileiras que são altamente miscigenadas[1].
É a melanina
produzida dentro da pele humana em células denominadas melanócitos que
corresponde ao principal determinante da cor da pele de humanos. A cor da pele
de pessoas com pele clara é determinada, principalmente, pelo tecido conjuntivo
branco-azulado sob a derme e pela hemoglobina que circula nas veias da derme. A
cor da pele não define raça, conforme aponta a pesquisa com DNA[2].
Já etnia, se
refere ao âmbito cultural. De sorte que grupo étnico é referente a comunidade
humana definida por afinidades linguísticas, culturais e comportamentais e, que
trazem semelhanças genéticas. Tais comunidades, em geral, requerem uma estrutura
social, política e território.
A noção de que seres não europeus como sendo inferiores produziu formas de
desumanização e a negação de que o ser europeu faz do outro colonizado,
desconhecendo a alteridade e o modo como relega o diferente e o converte em um
não ser.
Tal caracterização, igualmente, pode ser situada na afirmação de que o
privilégio do conhecimento na modernidade e a negação de faculdades cognitivas
nos sujeitos racializados fornecem as bases para negação ontológica do não
europeu. Isto é, a ausência de racionalidade liga-se, na modernidade, com a
ideia de ausência de ser nos sujeitos racializados.
Tal definição de cunho sociológico que não corresponde à realidade biológica do
conceito de raça, ao revés, refere-se a uma classificação social fundamentada
em atitudes negativas diante de certos grupos sociais, no mundo ocidental,
contra os não brancos.
Assim, o racismo se expressa como ação social resultante da aversão, ódio e
segregação em relação as pessoas e grupos que possuem marcas visíveis por meio
da cor da pele, tipo de cabelos e outros vestígios fenotípicos.
Caracteriza-se
como ideias e imagens sobre grupos e pessoas que acreditam na existência de
raças superiores e inferiores[3] e, que
pode levar a vontade de imposição de verdades ou crenças particulares como
sendo únicas e verdadeiras.
No país, o racismo ocorre, sendo explícito cotidianamente, não obstante,
geralmente camuflado pela grande mídia e pelos poderosos. O racismo
institucional implica em práticas sociais sistemáticas de discriminação
sustentadas pelo Estado ou com sua anuência indireta. Apesar de raramente
identificado e reconhecido, percebe-se através do isolamento de negros em
certos bairros, escolas, categorias de trabalhadores e, etc.
E, além disso, se expressa pela ausência de negros e indígenas e suas histórias
nos livros didáticos, na publicidade, na mídia e, entre outros que insistem em
retratá-los como grupos raciais que vivem exclusões de forma indevida e
equivocada[4].
Florestan Fernandes[5]
foi o mais pungente crítico das teses de Gilberto Freyre nos anos cinquenta e,
preocupou-se com a inserção do negro na sociedade brasileira após a
Independência.
E, sua obra promoveu a discussão sobre a inserção do negro na sociedade. As
marcas produzidas pela escravidão são as causas da situação vivenciada pela
população negra ainda na contemporaneidade.
As duas principais referências na temática racial brasileira são Gilberto
Freyre e Florestan Fernandes que estudaram o desenvolvimento do racismo e, aos
poucos, foi-se construindo a visão do Brasil como país quase livre de
preconceito racial, servindo de exemplo para o mundo[6] de como
resolver seus problemas raciais.
E, durante o século XX, ganhou força a tese da mestiçagem que enalteceu a noção
de democracia racial brasileira.
Democracia racial
é o estado de plena igualdade entre as pessoas independentemente de raça, cor
ou etnia. No mundo contemporâneo, apesar do fim da escravização e da condenação
de práticas e de ideologias racistas, ainda não existe democracia racial[7], visto
que há um abismo imenso que segrega populações negras, indígenas e aborígenes
da população branca.
Surgiu no Brasil, o conceito de democracia racial, segundo esta, pretos e brancos convivem harmoniosamente, desfrutando iguais oportunidades de existência. A existência dessa pretendida igualdade racial constitui o maior motivo de orgulho nacional. Porém, devemos compreender democracia racial[8] como significando a metáfora perfeita para designar o racismo à moda brasileira.
No século XXI,
foram se constituindo reações positivas a partir da Lei 10.639/2003 que
estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de História da África e dos negros no
Brasil na educação básica.
Erigindo-se, assim, nova consciência de que o racismo precisa ser discutido e
combatido, especialmente, na medida em que os movimentos negros elaboraram
propostas de ações de caráter legal, especialmente, nas chamadas políticas de
ações afirmativas, expressas nas políticas de cotas[9] para
negros nas universidades públicas e nas seleções de acesso às escolas de
educação básica[10].
É oportuno frisar que a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, e o criminoso está sujeito à pena de reclusão, conforme prevê o
vigente texto constitucional brasileiro.
Convém ressaltar que a punição do racismo foi prevista pela primeira vez na
Constituição brasileira de 1967 que previa, in litteris: “O preconceito
de raça será punido pela lei”. Além disso, a Emenda Constitucional de 1969, de
igual modo, estabeleceu que: “[…] Será punido pela lei o preconceito de raça”.
Nesse sentido, é
no conteúdo desses dois diplomas legais que, pela primeira vez, o Brasil tenta
dispor de mecanismos que extingam com esse tipo de atitude.
Ainda assim, a conduta não era prevista constitucionalmente e tipificada como
crime, mas somente como ilícito de natureza cível. O que abriu a oportunidade
para o legislador pátrio, mais tarde, prever o crime de racismo em leis infraconstitucionais.
Cabe mencionar que a efetividade do tipo penal de racismo foi, em grande
medida, afetada pela criação do tipo penal de injúria racial pelo artigo 140,
§3º do Código Penal. Isso porque a injúria racial concentra quase toda a
caracterização dos atos discriminatórios envolvendo raça.
O crime de injúria racial resta inserido no capítulo dos crimes contra a honra
sendo previsto no terceiro parágrafo do artigo 140 do Código Penal brasileiro,
tratando-se de forma qualificada de injúria, quando a pena é majorada, porém
não se confunde com o crime de racismo tipificado na Lei 7.716/1989[11].
Para sua
configuração, faz-se necessária a existência de ofensa à dignidade de outrem,
com base em elementos referentes à sua raça, cor, etnia, idade ou deficiência. Injuriar é ofender a dignidade ou o decoro de
alguém. A injúria é expressão da opinião ou conceito do sujeito ativo, que
traduz sempre menosprezo ou menoscabo pelo injuriado. É, essencialmente, uma
manifestação de desprezo e de desrespeito suficientemente idônea para ofender a
honra da vítima no seu aspecto interno.
Dignidade é o
sentimento da própria honorabilidade ou valor social, que pode ser lesada com
expressões que ferem esse sentimento. Dignidade e decoro abrangem os atributos
morais, físicos e intelectuais.
A Lei 9.459, de 13
de maio de 1997, criou um novo tipo de crime de injúria, a denominada injúria
racial, nos seguintes termos: “Se a injúria consiste na utilização de elementos
referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Pena — reclusão, de 1 (um) a
3 (três) anos e multa”. Nota-se que não se afirmou que poderia ser praticada
somente através de manifestações orais, mas pela “utilização de elementos
referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem”.[12]
A 1ª Turma
Criminal do TJDFT manteve uma condenação por crime de racismo de um homem que
se autodenomina “skinhead” e que fez apologia ao racismo contra judeus,
negros e nordestinos em página da internet. De acordo com os
desembargadores, que mantiveram a condenação à unanimidade, “o crime de racismo
é mais amplo do que o de injúria qualificada, pois visa a atingir uma
coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de
uma raça. No caso, o conjunto probatório ampara a condenação do acusado por
racismo”.[13]
Ao contrário da injúria racial, cuja prescrição é de oito anos, antes de transitar em julgado a sentença final, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível[14], conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal brasileira vigente. Apesar disso, de acordo com o promotor Thiago Pierobom[15], na prática é difícil comprovar o crime quando os vestígios já desapareceram e a memória enfraqueceu.
O promotor relembra
de um caso em que foi possível reconhecer o crime de racismo após décadas do
ato praticado, o Habeas Corpus 82.424[16],
julgado em 2003 no Supremo Tribunal Federal (STF), em que a corte manteve a
condenação de um livro publicado com ideias preconceituosas e discriminatórias
contra a comunidade judaica, considerando, por exemplo, que o holocausto[17] não
teria existido. A denúncia contra o livro foi feita em 1986 por movimentos
populares de combate ao racismo e o STF manteve a condenação por considerar o
crime de racismo imprescritível.
O racismo
estrutural é designação utilizada para reforçar o fato de que existem
sociedades estruturadas com base na discriminação que privilegia algumas etnias
em detrimento de outras. E, no Brasil, bem como em outros países americanos e
europeus, tal distinção favorece os brancos e desfavorece os negros, mestiços e
indígenas[18].
O Relatório de "Desenvolvimento Humano Brasil 2005 - Racismo, Pobreza e
Violência", elaborado pela ONU, apontava a grande distância entre os
negros e brancos na sociedade brasileira.
Apesar da maior
parte da população brasileira ser negra (54%), quase todos os parlamentares são
brancos (96%) e, a violência contra o negro ocorre a cada vinte e três minutos,
quando se registra o assassinato de um jovem negro no país.
A estrutura social
vigente possibilitou e, ainda, admite a manutenção do racismo ao longo da
história, particularmente, no Brasil. O Brasil foi o último país das Américas a
finalmente aderir à libertação dos escravos, especialmente, da população negra
que se viu livre, porém, sem opções de emprego ou educação.
Silvio Luiz de
Almeida, filósofo, jurista e professor universitário defende que a forma como a
sociedade é constituída reproduz parâmetros de discriminação racial, no campo
da política e da economia, sendo o racismo estrutural naturalizado como parte
integrante do meio social. O racismo estrutural pode ser notado na nossa
língua, nos nossos gestos, na composição dos Governos[19].
Curiosamente, em
1933, Gilberto Freyre em sua obra "Casa Grande & Senzala"[20] o
autor defendeu a ideia de que tanto negros como brancos conviviam
harmonicamente, mas, em verdade, tratava-se de relação de poder travada entre o
branco dono de escravos, isto é, a relação existente entre o proprietário e a
propriedade. A concepção delineada por Freyre entre as raças jamais se
comprovou realmente, elaborando uma máscara intelectual para encobrir as
atrocidades e violências do racismo cotidiano.
Importante saber
que o racismo vai além de preconceito ou discriminação e, pode ser
individualista, institucional, estrutural (que reúne as mais variadas formas de
racismo, incluindo-se o individualista e o institucional) que fixam no
imaginário coletivo de que o lugar do negro está relacionado à servidão ou à
criminalidade.
E, pode-se se
aplicar a pena que vai de um a três anos de reclusão. Em verdade, o que
diferencia a injúria racial do crime de racismo é a direção da conduta ilícita,
enquanto que a injúria racial a ofensa é focada em um indivíduo específico, no
crime de racismo configura ofensa contra a coletividade, como toda uma raça,
onde não há indivíduo específico.
De toda sorte, o racismo constitui uma grave injustiça, além de ser ilícito
penal configurado pelo ordenamento jurídico brasileiro vigente[21],
também é ilícito civil passível de
responsabilização civil[22].
Referências
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Bezerra. Inciso XLII Criminalização do Racismo. A prática do racismo constitui
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Notas:
[1] A temática a
respeito da mistura racial sempre foi crucial nos debates sobre nação,
escravidão e identidade nacional nos EUA. E, durante a Guerra Civil, a mistura
racial era tida na região sul como uma das consequências mais nefastas da
abolição. E, desde da Revolução Americana, em 1776, os EUA foram pensados por
suas elites como um país formado por homens brancos, descendentes de europeus,
e que guardariam para seu grupo os privilégios da cidadania e do pertencimento
nacional. Conclui-se que a mistura
racial, ao longo dos anos, fora considerada como ameaça à essa concepção,
desestabilizando as noções raciais fixas, mas que por vezes permitiam lugares
sociais intermediários.
[2] A cor da pele
humana resulta de uma relação estabelecida entre vários genes. Trata-se de uma
herança complexa que determina uma série de fenótipos (expressão do genótipo
mais a interação do ambiente), que vão desde uma pele muito clara até uma pele
muito escura, com vários fenótipos intermediários. Além dos fatores genéticos,
não podemos esquecer que fatores ambientais também determinam a coloração da
pele.
[3] No século XIX,
Samuel Morton era um cientista norte-americano que vivia na Filadélfia e
colecionava crânios humanos, exerceu grande influência principalmente no sul
dos EUA. É reconhecido como sendo o pioneiro do chamado racismo científico.
Pois a este cientista foi atribuída a noção de que existem raças inferiores e
superiores. Nas derradeiras décadas, as mais gabaritadas pesquisas genéticas
revelaram que todos os seres humanos são estreitamente aparentados, um
parentesco bem próximo ao existente entre os chimpanzés. E, que todas as
pessoas possuem a mesma coleção de genes, exceto o caso de gêmeos idênticos. E,
uma verdade fundamental se avulta é que concretamente, todas as pessoas que
vivem atualmente são de origem africana. Nossa espécie a Homo sapiens evoluiu
na África e, o fóssil mais recente descoberto, em Marrocos, indicou que os
traços anatômicos do ser humano moderno apareceram por volta de trezentos mil
anos atrás.
[4] Como explicar,
portanto, o retorno da raça à nossa linguagem atual? O termo é tão presente,
inclusive no cotidiano, que o IBGE o introduziu nos censos demográficos em
1991, transformando a antiga pergunta “Qual é a sua cor?” em “Qual é a sua
cor/raça?”. Temos que reconhecer, primeiro, que o termo não havia desaparecido
de todo, passando mais por uma submersão que um desaparecimento. Em primeiro
lugar, a expressão que passou a definir o nosso ideal de homogeneidade
nacional, nosso hibridismo demográfico e o reconhecimento da importância
cultural de todos os povos para a nossa formação foi o de democracia racial.
[5] Florestan
Fernandes (1920-1995) foi um sociólogo e político brasileiro filiado ao Partido
dos Trabalhadores (PT). Patrono da sociologia brasileira sob a Lei nº 11.325,
também foi deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT), tendo
participado da Assembleia Nacional Constituinte. Recebeu o Prêmio Jabuti em
1964, pelo livro Corpo e Alma do Brasil e Foi agraciado postumamente em 1996
com o Prêmio Anísio Teixeira. No ano de 1975, veio a público a obra A revolução
burguesa no Brasil, que renova radicalmente concepções tradicionais e
contemporâneas da burguesia e do desenvolvimento do capitalismo no país, em uma
análise tecida com diferentes perspectivas teóricas da sociologia, que faz
dialogar com os problemas formulados em tom Max Weber com interpretações
alinhadas à dialética marxista. No início de 1979, retornou a Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, agora reformada, para um curso de férias
sobre a experiência socialista em Cuba, a convite dos estudantes do Centro
Acadêmico de Ciências Sociais. Em suas análises sobre o socialismo,
apropriou-se de variadas perspectivas do marxismo clássico e moderno, forjando
uma concepção teórico-prática que se diferencia a um só tempo do dogmatismo
teórico e da prática de concessões da esquerda. Tendo colaborado com a Folha de
S. Paulo desde a década de 1940, passou, em junho de 1989, a ter uma coluna
semanal nesse jornal até o ano de 1995.
[6] Segundo o art.
2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “todo ser humano tem
capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma,
religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social,
riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”. O reconhecimento de direitos
iguais por parte da ONU consiste num importante passo para o estabelecimento da
democracia racial no mundo.
[7] Para Darcy Ribeiro,
a possibilidade de existência de uma democracia racial está vinculada com a
prática de uma democracia social, onde negros e brancos partilhem das mesmas
oportunidades sem qualquer forma de desigualdade. Florestan Fernandes assinala
que “enquanto não alcançarmos esse objetivo, não teremos uma democracia racial
e tampouco uma democracia. Por um paradoxo da história, o negro converteu-se,
em nossa era, na pedra de toque da nossa capacidade de forjar nos trópicos esse
suporte da civilização moderna”.
[8] As raízes
históricas do mito da democracia racial remontam ao século XIX impulsionadas
por: pela literatura produzida pelos viajantes que visitaram o país; pela
produção da elite intelectual e política; pela direção do movimento
abolicionista institucionalizado e pelo processo de mestiçagem. Para reforçar tal mito, em São Paulo, no
pós-abolição até 1930, a imprensa negra, o relacionamento aparente integração
de negros com os imigrantes; o legado da mentalidade paternalidade em setor da
elite tradicional; o movimento comunista e a tradição de comparar o sistema
racial brasileiro com o dos EUA.
[9] Após uma década
de promulgação da Lei Federal de Cotas e de 15 anos do início da política de
cotas no Brasil – o vestibular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Uerj) foi a pioneira no país -, temos pela primeira vez um percentual de 50,3%
dos estudantes do ensino superior que se declaram pretos ou pardos. Isso revela
o sucesso das cotas no Brasil – pelo menos em parte. Os dados da pesquisa
Desigualdades Sociais por Cor ou Raça Brasil foram divulgados esta semana pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). O estudo revela que
para alcançar um patamar como esse é necessário um conjunto de políticas
públicas, como a das políticas afirmativas. Por isso, elas são importantes,
dando conta de apontar medidas que beneficiam especialmente a parcela da
população que não consegue acessar bens e serviços por conta da exclusão
social.
[10] ADPF 186 –
Cotas em universidades: Em 2012, Marco Aurélio foi o único Ministro do STF a
votar contra a política de cotas para candidatos oriundos de escolas públicas
no ingresso de universidades públicas. Entretanto, integrou a corrente
majoritária ao votar a favor da política de cotas raciais. Para o ministro, uma
coisa é a busca do tratamento igualitário levando em conta a raça e o gênero.
Outra coisa é fazer uma distinção pela escola de origem, pois não é possível
presumir que o ensino público não viabiliza o acesso à universidade.
[11] Define os
crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Art. 20. Praticar, induzir
ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) Pena:
reclusão de um a três anos e multa.(Redação dada pela Lei nº 9.459, de
15/05/97) § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos,
emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou
gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de
15/05/97) Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.(Incluído pela Lei nº
9.459, de 15/05/97) § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é
cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de
qualquer natureza: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
Pena: reclusão
de dois a cinco anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97); § 3º
No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério
Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de
desobediência: (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97) I - o recolhimento
imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;(Incluído
pela Lei nº 9.459, de 15/05/97);II - a cessação das respectivas transmissões
radiofônicas ou televisivas; (Revogado); (Incluído pela Lei nº 9.459, de
15/05/97) II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas,
televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; (Redação dada pela
Lei nº 12.735, de 2012); III - a interdição das respectivas mensagens ou
páginas de informação na rede mundial de computadores. (Incluído pela Lei nº
12.288, de 2010); § 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação,
após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.
(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97).
[12] É puramente
artificial diferenciar ontologicamente “injúria racial” de “racismo”. A punição
mais branda da chamada “injúria racial” relativamente ao “racismo” implica
menoscabo ao repúdio constitucional ao racismo. Ora, não deve haver diferença
qualitativa entre ofender uma única pessoa por elementos racistas ou ofender
uma coletividade de pessoas por elementos racistas — que é, aliás, o “critério
diferenciador” em geral utilizado para defender a referida “distinção”. Por
exemplo, dizer que “negros são menos inteligentes do que brancos” (sic) é
considerado crime de racismo, mas chamar alguém de “preto burro” (sic) é
considerado crime de injúria racial. No entanto, as condutas são igualmente
odiosas e merecem o mesmo rigor penal (ainda que eventualmente diferenciadas na
dosimetria da pena). Cabe notar que não foi o legislador quem “criou” essa
absurda diferenciação. Foram os tribunais que a inventaram. A Lei de Racismo
não tinha um tipo penal como o de injúria, a ser considerado como “injúria
racial”. A Lei 8.091/90 acrescentou a ela, em seu artigo 20, a conduta de
“praticar, induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito” de raça,
religião, etnia ou procedência nacional como crime. Posteriormente, a Lei 9.459/97
alterou a redação do artigo 20, adicionando o termo “cor”, diferenciando assim
as discriminações por “raça” e “cor” (o que reforça o conceito de racismo
social afirmado pelo STF). In: BARBOSA, Wander. Decisão do STJ que considera
injúria racial imprescritível é correta. Disponível: https://www.geledes.org.br/decisao-do-stj-que-considera-injuria-racial-imprescritivel-ecorreta/?gclid=Cj0KCQjw5auGBhDEARIsAFyNm9GaEO10_8doRB4w3WqM s2NbV18n_Q2bovWq6brou8faQksYjVUzoYaAjkMEALw_wcB
Acesso em 17.6.2021.
[13] O Ministério
Públio do Rio de Janeiro (MPRJ) cria comissão de enfrentamento ao racismo,
violência contra a mulher e promoção de direitos LGBT, a comissão visa a
promoção da dignidade da pessoa humana e visa promover diálogos sobre as
tendências em direitos fundamentais. Vide in: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/06/16/mprj-cria-comissao-de-enfrentamento-ao-racismo-violencia-contra-a-mulher-e-promocao-de-direitos-lgbt.ghtml
[14] Em 2015, no AREsp 686.965/DF, o Superior Tribunal de
Justiça decidiu que a injúria racial deve ser considerada imprescritível, o que
tem gerado diversas críticas por parte da doutrina. O fundamento foi o de que
“a questão da imprescritibilidade do delito de injúria racial foi reconhecida
[pelo tribunal] ao entendimento de que esse crime, por também traduzir
preconceito de cor, atitude que conspira no sentido da segregação, veio a
somar-se àqueles outros, definidos na Lei 7.716/89, cujo rol não é taxativo”,
forte na lição de Celso Lafer, para quem “a base do crime da prática do racismo
são os preconceitos e sua propagação, que discriminam grupos e pessoas (…)
Promove a desigualdade, a intolerância em relação ao ‘outro’, e pode levar à
segregação”.
[15] Thiago
Pierobom. Ministério Público. Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela
Universidade de Lisboa (2015), com estágio de pesquisa de Pós-Doutorado em
Criminologia pela Universidade Monash, em Melbourne, Austrália (2017), mediante
bolsa de estudos de pós-doutorado pela Australian Awards Endeavour
Fellowships. Mestre pela Universidade de Brasília (2006), Especialista em
investigação criminal pela École Nationale de la Magistrature da França
(2012 e 2013) e Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília
(1999). É professor associado do programa de Mestrado e Doutorado do Centro
Universitário de Brasília - UniCEUB, investigador integrado do Instituto de
Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa e membro do conselho consultivo do Gender and Family Violence
Prevention Centre da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Monash.
É Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios,
titular da 2ª Promotoria de Justiça de Violência Doméstica contra a Mulher de
Brasília, tendo servido de 2013 a 2017 como Coordenador dos Núcleos de Direitos
Humanos do MPDFT. É professor no programa de pós-graduação da FESMPDFT, bem
como perante diversas instituições públicas e privadas, atuando principalmente
nos seguintes temas: processo penal, direitos humanos, criminologia, controle
externo da atividade policial, violência de gênero, racismo, crimes contra
crianças e adolescentes, educação corporativa.
[16] O julgamento do
principal caso de discurso do ódio no Brasil ocorreu no ano de 2003, no qual o
Supremo Tribunal Federal julgou o Habeas Corpus nº 82.424-2, no qual figurava
como paciente o editor Siegfried Ellwanger Castan, acusado de crime de racismo.
O crime cometido por Ellwanger está tipificado no caput do artigo 20 da Lei 7.716/89,
com redação dada pela Lei 8.081/90, por ter, na qualidade de escritor e sócio da
empresa Revisão Editora Ltda., editado, distribuído e vendido ao público obras antissemitas de sua autoria e de autores
nacionais e estrangeiros que, segundo a denúncia, “abordam e sustentam
mensagens antissemitas, racistas e discriminatórias”, pretendendo com isso
“incitar e induzir a discriminação racial, semeando em seus leitores sentimentos
de ódio, desprezo e preconceito contra o povo de origem judaica”. (SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, 2004, p. 12-13).
[17] Negacionismo do
Holocausto consiste em afirmações de que o genocídio de judeus durante a
Segunda Guerra Mundial, o Holocausto, não aconteceu ou não aconteceu da maneira
ou nas proporções historicamente reconhecidas. O elemento chave em tais
afirmações é a rejeição aos seguintes tópicos: de que o governo nazista alemão
colocou em prática uma política de perseguição deliberada aos judeus com a
finalidade de sua exterminação enquanto povo; que mais de cinco milhões de
judeus foram sistematicamente mortos pelos nazistas e seus aliados; e que o
genocídio foi realizado em campos de extermínio a partir da utilização de
ferramentas de assassinato em massa, tais como câmaras de gás. Os negacionistas
do Holocausto geralmente não aceitam o termo "negacionismo" como uma
descrição apropriada de seu ponto de vista, utilizando, em vez disso, o termo
"revisionismo". Seus críticos usam o termo "negacionismo"
para diferenciar negacionistas do Holocausto de revisionistas históricos em
geral, pois consideram que os negacionistas não se baseiam em evidências
históricas.
[18] Segundo J.R.H,
o Brasil era um país cheio de riquezas naturais, porém o crescimento do que
chamou de "raça híbrida" condenava o país ao fracasso. O autor ainda
fez advertência sobre os perigos do movimento abolicionista. In: Slavery in
Brazil: the past and the future. De Bows Review…, 1860, p.478. A matéria
original foi publicada no jornal Charleston Mercury. O autor foi identificado
como J.R.H.
[19]O Brasil está no seu 38º Presidente da República. Sabe quantos
presidentes negros nosso país já teve? Um. Alguns estudiosos defendem que Nilo
Procópio Peçanha foi o primeiro (e até agora único) presidente negro do Brasil.
Um país que possui mais da metade de sua população negra, só elegeu um
presidente da mesma etnia.
[20] Essa obra
discute a formação da sociedade brasileira a partir de temas como a
alimentação, arquitetura, hábitos culturais, sexualidade, vestimentas e,
comportamentos. A obra analisa três povos que constituíram o Brasil, a saber: o
indígena, o português e o negro. Serviu de resposta às teses racistas que tanto
vigoravam nas décadas de 1920 e 1930 no mundo. Freyre defendeu que a mestiçagem
não causa nenhuma degeneração, obtendo resultado positivo, como prova o caso do
povo brasileiro. Cumpre relembrar que Freyre fora educado por colégios
norte-americanos no Recife e, ainda cursou a Universidade nos EUA e, ali morou
por uma década. O sociólogo ficou horrorizado com a separação legal existente
entre negros e brancos que vigorava nos EUA e, ainda refletiu tal surpresa em
sua obra. Apontou os três pilares da colonização portuguesa que foram a
miscigenação, o latifúndio e a escravidão. Uma das teses mais polêmicas de
Gilberto Freyre foi justificar a escravidão do indígena e, principalmente, do
negro como “necessária” para o empreendimento colonial.
[21] Recentemente, as notícias apontam vários incidentes que evidenciam a
prática de racismo, é o caso do inquérito aberto para apurar o crime de racismo
após concurso de beleza de Minas Gerais,
vide in: https://g1.globo.com/mg/sul-de-minas/noticia/2021/06/16/policia-civil-abre-inquerito-para-apurarcrime-de-racismo-apos-concurso-de-beleza-em-mg.ghtml; A polícia civil do RJ vai promover a oitiva
de casal denunciado no RJ, pois abordaram um jovem negro que portava uma
bicicleta elétrica enquanto esperava a namorada em frente ao shopping na zona
sul da cidade, vide in: https://globoplay.globo.com/v/9609157/ ; Outro episódio ocorreu na Leader
Magazine quando um fiscal de loja acusou falsamente que uma cliente negra
teria furtado um vestido infantil, na filial norte shopping. A loja informou
que demitiu o funcionário em questão. Vide in: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/06/16/jovem-negra-denuncia-ter-sido-perseguida-em-shopping-e-acusada-falsamente-de-ter-furtado-vestido.ghtml. Todos esses casos só enfatizam a necessidade premente de denunciar o racismo
e toda sua repercussão na sociedade brasileira.
[22] O dano moral
ocorrido por ataques racista já vem sendo objetos de ações na esfera civil e
trabalhistas. Como podemos ver no julgado: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE
REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. ASSÉDIO MORAL. TRATAMENTO
DISCRIMINATÓRIO. RACISMO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VALOR ARBITRADO. A
reclamante não apresenta argumentos capazes de desconstituir a juridicidade da
decisão que denegou seguimento ao recurso de revista, à míngua de comprovação
de pressuposto intrínseco previsto no art. 896 da CLT. Na hipótese, a Corte
Regional firmou convencimento de que restou configurado o assédio moral e o
tratamento discriminatório, de cunho racial, no âmbito da reclamada, e que o
valor de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) atende o princípio da razoabilidade,
bem como o critério satisfativo-punitivo da compensação por dano moral. Nesse
contexto, tal como assinalado na decisão agravada, emerge como óbice ao recurso
de revista o disposto na Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento a que se
nega provimento. (TST - AIRR: 7091320155120014, Relator: Walmir
Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 19/04/2017, 1ª Turma, Data de
Publicação: DEJT 24/04/2017).